Divaldo 'desencarnou': por que espíritas evitam dizer que alguém morreu

Com a morte do médium Divaldo Franco, aos 98 anos, o termo "desencarnar" foi amplamente usado em postagens nas redes sociais e notícias em sites especializados, atraindo a curiosidade das pessoas. O que quer dizer e por que os espíritas não usam o termo "morrer"?
O que aconteceu
A morte do líder espírita gerou curiosidade sobre o modo como o espiritismo se refere ao fim da vida física. Em vez de dizer que o médium baiano "morreu", perfis espíritas e instituições usaram o verbo "desencarnar" — expressão que, para os adeptos da doutrina, carrega um significado mais profundo.
"Desencarnar" significa se despedir da carne e seguir vivendo em outro plano. A explicação é de Elzita Melo, coordenadora nacional da Área de Estudos do Espiritismo da FEB (Federação Espírita Brasileira). "O espírito se separa do corpo físico e retorna ao plano espiritual. É uma transição, não uma extinção", afirma.
Essa compreensão se baseia em ensinamentos centrais da doutrina codificada por Allan Kardec. Em O Livro dos Espíritos, questão 150, Kardec pergunta: "A alma, após a morte, conserva a sua individualidade?" A resposta dos espíritos é direta: "Sim; jamais a perde".
Segundo Elzita, o uso do termo também expressa a crença no perispírito, o "novo vestuário" da alma. "Encarnar é vestir-se da carne. Desencarnar é despir-se dela", diz. Os espíritos explicam a Kardec que, mesmo sem corpo físico, a alma continua envolta por um fluido que guarda a aparência da última encarnação.
A noção de continuidade não se limita à forma espiritual. Segundo a doutrina, o espírito inclusive prevê possibilidades de como irá desencarnar. Na obra, os espíritos dizem: "O gênero de vida escolhido o expõe a desencarnar mais de uma maneira do que de outra".
Essa continuidade se apoia em outro conceito fundamental do espiritismo: a reencarnação. Trata-se de um mecanismo regulador da evolução do espírito, por meio do qual o ser humano vive múltiplas existências corporais sucessivas. Segundo esse princípio, a alma, após deixar um corpo, assume outro —ou seja, reencarna em um novo corpo.
Os espíritos passam por esse processo tantas vezes quantas forem necessárias para seu aprimoramento moral e espiritual. O objetivo da reencarnação, segundo a doutrina espírita, é a evolução.
O momento do desencarne é único para cada ser. "Pode haver dor, pode haver alheamento. Todos passam por um instante de perturbação que pode ser breve ou não", afirma Elzita. No espiritismo, "alheamento" pode ser entendido como uma forma de alienação, distração, ou esquecimento, seja em relação a um estado de espírito ou a uma situação específica.
A doutrina ensina que o acolhimento espiritual e o estado emocional do espírito variam conforme sua trajetória. A tristeza é compreendida como "a fome magnética da presença querida", mas o luto é vivido com serenidade. "A saudade existe, mas é amenizada pela certeza da continuidade da vida", diz Elzita. O espiritismo orienta que os laços afetivos não se rompem com a morte e que o reencontro é possível.
Mensagens do além
Cartas psicografadas e relatos mediúnicos são vistos por fiéis como comprovações dessa continuidade. A FEB cita como exemplo a obra de Francisco Cândido Xavier, considerada fonte de consolo e esperança por registrar mensagens atribuídas a espíritos de entes queridos.
O uso da palavra "desencarne" é comum entre espíritas, mas não é imposto. "A linguagem é espontânea e cultural", afirma Elzita. "Respeitamos o uso de outras expressões. O espiritismo nada impõe".