
Em meio aos boatos de que o governo estaria preparando um novo pacote de medidas para turbinar a popularidade do presidente Lula, a realidade dos números se impõe. Na liturgia do processo orçamentário, os relatórios bimestrais servem ao acompanhamento da situação fiscal e subsidiam eventuais cortes de gastos. Nesta semana, no dia 22, o governo tem de apresentar o relatório de maio, conforme determinação legal.
Entendemos, na Warren, que os contingenciamentos e bloqueios de gastos discricionários (não obrigatórios) precisarão totalizar de R$ 30 bilhões a R$ 35 bilhões. O objetivo é o cumprimento da chamada meta fiscal de 2025. Para este ano, a LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) fixou em zero a meta de resultado primário (receitas menos despesas sem contar os juros da dívida pública), mas com uma banda de -0,25% do PIB (ou -R$ 31 bilhões).
A evolução das receitas públicas, no primeiro quadrimestre, indica um desempenho positivo, apesar de flagrante desaceleração em relação ao ano passado. A ausência de fatores atípicos e medidas não recorrentes explica, em parte, o desempenho deste ano. Por outro lado, a dinâmica ainda positiva da economia ajudou a segurar a arrecadação.
Nas nossas contas, na corretora, a partir de coleta realizada no sistema do Senado Federal, o SIGA-Brasil, identificamos um aumento real de 3,3% para as receitas líquidas do governo central, enquanto as despesas caíram 2%, entre janeiro e abril. A base de comparação é o primeiro quadrimestre do ano passado.
A abertura das despesas revela a estratégia do governo de segurar a execução das despesas discricionárias, seja pela não aprovação do Orçamento, seja pela edição de decretos provisórios de programação orçamentária e financeira. Sua queda foi de 3,5%. Entretanto, não é sustentável e será preciso congelar volume expressivo de gastos para que a meta seja observada.
O calendário de pagamento de precatórios também influencia essa dinâmica dos gastos. No ano passado, o governo havia optado pela antecipação de fluxo relevante para o primeiro trimestre. Em 2025, deixou para o meio do ano em diante, como costuma acontecer historicamente.
Quanto às despesas discricionárias, os decretos provisórios de programação ajudam a dar previsibilidade às áreas setoriais em relação à liberação dos recursos previstos no Orçamento. Adota-se o "faseamento", como se convencionou chamar. Ele serve para distribuir, ao longo do ano, a liberação dos recursos públicos das despesas discricionárias do Executivo e das emendas parlamentares.
São R$ 170,8 bilhões em gastos do primeiro grupo e R$ 50,4 bilhões para emendas. Estas, para ter claro, podem ser integralmente gastas ainda em maio. Já a parte do Executivo está distribuída até novembro.
O faseamento é útil, mas não anula a pressão constante por gastos e pela execução do Orçamento aprovado. A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000) prevê a edição de relatórios bimestrais para subsidiar os decretos de contingenciamento, justamente como um instrumento para os governos garantirem o cumprimento das metas legais.
A previsão de receitas tem de ser atualizada conforme os dados realizados apontem frustração, por exemplo, levando a cortes nas previsões dos gastos não obrigatórios, com vistas à garantia da meta anual. Esse é um procedimento que não pode ser atropelado, como aconteceu no final de março, quando o governo optou por não apresentar o acompanhamento bimestral. A desculpa foi a não aprovação do Orçamento.
Vale dizer, a legislação em vigor não autoriza tal interpretação, usada pela segunda vez, tendo sido a primeira em 2015. Ainda que a LOA (Lei Orçamentária Anual) não estivesse aprovada, o Orçamento já estava sendo executado, a partir das regras constitucionais e legais que garantem a liberação limitada das dotações previstas na proposta orçamentária.
No dia 22, quinta-feira, não haverá escapatória. Todas as atenções deverão estar no anúncio do relatório bimestral e no tamanho da tesourada nos gastos discricionários. O governo deveria optar por um congelamento mais expressivo, revisando suas projeções de receitas, que estão infladas para este ano.
O compromisso, desde logo, com um corte significativo, ajudaria a criar um ambiente de maior previsibilidade e a restaurar a confiança no governo no que se refere à responsabilidade fiscal. De todo modo, minha leitura é de que a contenção deverá ser parcial, sob a estratégia de ir domando o espaço para o gasto público, ao longo dos bimestres, conforme o andar da carruagem das receitas.
Essa estratégia pode ser arriscada. No ano passado, foi adotada, mas a dinâmica da arrecadação era oposta à do ano corrente. As projeções do mercado, por exemplo, foram sendo superadas, a cada divulgação oficial, e o cenário otimista do governo foi se confirmando. Em 2025, ocorre o oposto. O cenário da LOA não deve se confirmar, impondo restrições à realização do gasto previsto.
Além desses procedimentos de gestão orçamentária de curto prazo, há ainda a preocupação com a meta fiscal do ano que vem. O governo optou pelo envio de uma proposta para a LDO de 2026, no mês passado, baseada em uma meta fiscal irrealista: superávit de 0,25% do PIB. Nossa projeção, atualmente, é um déficit de 0,8% do PIB para 2026. A nosso ver, em agosto, quando será preciso enviar a proposta da LOA para o ano que vem, essa discussão retornará.
A gestão fiscal está cada vez mais marcada por certa improvisação. Vai-se dando cabo de um leão por dia, na esperança de manter a confiança dos agentes do mercado. Os domadores precisam, entretanto, de um maior planejamento nas suas ações, sob pena de serem abocanhados pelas conhecidas feras do gasto público.