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Ameaças e especulação impedem 'cracolândia' de voltar ao centro de SP

Região da cracolândia antes da dispersão  - Foto: Oslaim Brito/Thenews2/Folhapress
Região da cracolândia antes da dispersão Imagem: Foto: Oslaim Brito/Thenews2/Folhapress
do UOL

Camila Brandalise

Do UOL, em São Paulo

19/05/2025 05h30

Operações de dispersão da "cracolândia", região que concentra dependentes químicos no centro da capital paulista, por meio de ação policial são adotadas há quase 30 anos, mas os usuários sempre retornaram ao mesmo lugar.

Na última semana, a fórmula foi novamente colocada em prática, porém especialistas ouvidos pelo UOL afirmam que a aglomeração pode não voltar ao ponto original por causa de novas estratégias policiais e especulação imobiliária.

O que aconteceu

Principal ponto de venda e consumo de drogas de São Paulo, a "cracolândia" apareceu vazia na manhã da terça-feira passada (13/5). Cerca de 200 pessoas circulavam pela área.

Prefeitura e governo estadual afirmam que não houve ação. Justificam o esvaziamento como consequência da operação para desapropriar imóveis da Favela do Moinho usados sob suspeita de de tráfico de drogas.

Mas usuários e ativistas que atuavam no local denunciam uso de violência policial para dispersar pessoas. "A mesma estratégia usada há 30 anos, mas, desta vez, há mais truculência", explica a psicóloga Maria Angélica Comis, ex-assessora de políticas de drogas da Secretaria de Direitos Humanos de São Paulo.

Chutes na cara e ameaças de morte

Antropóloga que atua na área há 13 anos, Roberta Costa afirma que usuários foram ameaçados de morte. "Alguns me relataram que policiais mostram fotos de pessoas conhecidas deles, também usuárias de crack, mortas, dizendo que 'se voltar, é isso que vai acontecer contigo'", conta.

Pesquisadora da região, Costa diz ter acompanhado diferentes tentativas de dispersão ao longo dos anos, mantendo contato direto com usuários. "Desta vez, há requintes de crueldade. Eles dizem ser acordados na calçada com chutes na cara."

Para quem está de fora, 'usuários' são pessoas fictícias. Mas eu estou falando da Renata, da Susana, do seu Luís, que eu conheço e tinha contato. Já não sei nem se estão vivos ou mortos.
Roberta Costa, antropóloga e ativista da "cracolândia" desde 2012

Historicamente, em todas as tentativas de esvaziamento da área, a aglomeração retornava ao mesmo ponto ou a pontos próximos. Mas ameaças e violência extrema estariam impedindo o retorno dos usuários à região, dizem as especialistas.

Há outros relatos de crueldade. Monitoramento ostensivo da polícia estaria impedindo que usuários se sentem ou permaneçam em pé em qualquer lugar da cidade, para evitar novas aglomerações.

A prefeitura afirma que dispersar usuários facilita convencê-los a aceitar ajuda. Mas quem atua na região e pesquisa o assunto diz que o objetivo seria outro.

"Sozinhos, eles ficam mais vulneráveis e mais suscetíveis à violência policial", afirma Comis, que também é coordenadora da Rede Brasileira de Redução de Danos e Direitos Humanos. "Assim fica mais fácil expulsá-los do centro ou de regiões valorizadas."

Expulsar "cracolândia" é plano para valorizar região

Outro fator que impede o retorno da aglomeração no centro da cidade seria a especulação imobiliária. "Há tentativas de expulsar os 'indesejáveis' e garantir a valorização dos imóveis pelo menos desde 2011, com uma iniciativa chamado Centro Legal", diz Comis.

"Por onde os usuários passaram, houve gentrificação", diz Costa. Gentrificação é o processo de valorização de áreas urbanas antes degradadas, que atrai moradores de maior renda, encarece o custo de vida e pode expulsar os antigos residentes. "O fluxo [de usuários de drogas] é empurrado pelo poder público para um lugar onde imóveis ficam desvalorizados. Depois, essas áreas são vendidas para algum parceiro, as pessoas são expulsas novamente e vira um novo empreendimento imobiliário."

Projeto do governo prevê revitalização do centro com transferência de sede administrativa. Área abrange "cracolândia" e outras partes degradadas da região central da cidade.

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