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Favela do Moinho: destino do centro de SP vira alvo de disputa política

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, ao lado do presidente Lula  - Reprodução/X
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, ao lado do presidente Lula Imagem: Reprodução/X
do UOL

Do UOL, em São Paulo e em Brasília

18/05/2025 05h30

A operação para a retirada de moradores na Favela do Moinho, no centro de São Paulo, ganhou holofotes esta semana, e ares de disputa política, que culminou com um acordo entre os governos de Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Lula (PT).

O que aconteceu

Retirada dos moradores define destino da "cracolândia". O governo do estado vai desapropriar imóveis utilizados sob suspeita de lavagem de dinheiro para o tráfico. O estado atua em parceria com o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado de São Paulo), do Ministério Público de São Paulo —o órgão produziu uma lista de imóveis que estariam funcionando com esse objetivo.

Consumo e tráfico de drogas são características negativas da região há mais de três décadas. A área que abrange a Rua dos Protestante, onde se concentrava o "fluxo" de usuários, fica a uma distância de cerca de 1,5 km do local onde Tarcísio quer transferir a sede administrativa. Governos de diferentes vertentes políticas não conseguiram avançar em políticas públicas definitivas para o local. Agora, o novo plano traçado pelo governador é atuar em "dobradinha" com o prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB).

Ambos comemoraram ao longo da semana as "ruas vazias" da região. "Hoje dá para dizer que a gente resolveu todo o problema? Obviamente não, mas a gente avançou muito e precisa comemorar. É uma vitória da cidade", disse Nunes. "Estamos no caminho certo para trazer dignidade novamente para essa região", escreveu nas redes sociais Guilherme Derrite, secretário estadual de Segurança Pública.

Derrite compartilhou uma das cenas que se repetiu ao longo da semana para os paulistanos. A imagem mostrava a Rua dos Protestantes, onde ficava a maior parte do fluxo de usuário de drogas, vazia. Em anos anteriores, a "cracolândia" se instalou na Praça Princesa Isabel e chegou a ser tomada por barracas.

A dobradinha de Tarcísio com o prefeito de São Paulo é estratégica para desenvolver ações prioritárias. O sucesso de uma operação dessa natureza traria dividendos políticos para ambos, num momento em que se discute o nome de Tarcísio para o Palácio do Planalto, e uma eventual candidatura de Nunes ao governo estadual.

Moradores da Favela do Moinho - Nelson Almeida/AFP - Nelson Almeida/AFP
Moradores da Favela do Moinho
Imagem: Nelson Almeida/AFP

"Cracolândia" e Favela do Moinho

O governo Tarcísio e a prefeitura atribuíram o esvaziamento do "fluxo" à procura por internação. O vice de Nunes, o coronel Mello Araújo (PL), afirmou que cerca de 60 pessoas com abstinência de drogas queriam se internar. A ausência de circulação de drogas teria ocorrido pelas operações policiais autorizadas pelo governador. Imagens divulgadas pelo portal g1 mostram, entretanto, agentes da Guarda Municipal agredindo usuários de drogas nas vésperas do local ficar vazio.

Operações policiais na Favela do Moinho também teriam ajudado no esvaziamento da "cracolândia". O governo Tarcísio quer transformar o local em um parque e argumentou que como a área funcionava como um "núcleo operacional do PCC" , sem ações da Tropa de Choque, os moradores não teriam a saída do local garantida. Nos planos do governador, os novos espaços serão vizinhos da sede administrativa do estado (leia mais abaixo).

Apesar de o terreno pertencer à União, governo Lula entrou em cena apenas na quinta-feira. Os vídeos de repressão policial na Favela do Moinho que circularam pelas redes sociais aumentaram a temperatura dos debates sobre o tema e chegaram ao governo federal, que embarcou no assunto. O ministro das Cidades, Jader Filho, veio a São Paulo para se reunir com o secretário de Habitação, Marcelo Branco.

Em abril, o governo Tarcísio já havia cobrado ajuda do Planalto para o caso. "Eu gostaria muito de que a União, que é dona do terreno, garantisse que não vai ter nenhuma reinvasão", disse Marcelo Branco. "A União, que de toda forma, se manteve longe disso, não quer garantir coisa nenhuma", afirmou.

Associações locais e parlamentares do PT também buscaram o governo federal. A equipe de Tarcísio e os moradores da favela não chegavam em um acordo em relação ao valor do novo imóvel que era oferecido pelo estado para deixarem o local.
Jader Filho e Branco anunciaram então o acordo entre os governos na própria quinta-feira. Foi fechado um financiamento de imóveis de até R$ 250 mil para cada uma das 800 famílias: R$ 180 mil da União e R$ 70 mil do estado. Até a aquisição, as famílias vão receber um auxílio moradia de R$ 1.200 do governo federal.

Branco disse que estado e União compartilham "os mesmos princípios". Um aliado do governador afirmou que o "desalinhamento" ocorria com servidores da SPU (Secretaria do Patrimônio da União). Segundo um interlocutor, o centro de São Paulo se tornou uma das prioridades do governador —a promessa de transferir a sede administrativa foi feita ainda na campanha, em 2022, pelo então candidato Tarcísio.

Disputa de vitórias. Apesar do acordo com Lula, o entendimento do governador e de seus aliados é de que foi o estado quem conseguiu enfrentar o tráfico de drogas na região e que vai fazer as mudanças prometidas, mas não cumpridas por tantos políticos anteriores.

Aliados de Lula dizem que isso pode (e deve) ser usado no futuro. Não só em um possível embate federal entre Lula e Tarcísio como em disputas locais entre esquerda e direita, tentando cravar o discurso político da diferença entre as ações: "Uns batem, outros pagam", disseram auxiliares do governo, promovendo a ação.

Sede do governo nos Campos Elíseos

Projeto de instalar a sede do governo estadual na região dos Campos Elíseos reforça o plano de Tarcísio de focar em ações no centro. O projeto de transferência está semi pronto. O governador quer que os contratos estejam assinados até o final do ano e, com isso, as desapropriações tenham início em 2026.

Na conta do governo serão ao menos 600 famílias impactadas. A expectativa é proporcionar melhorias na região, como aumento no número de empregos e valorização das ruas do centro. Mas a mudança já provoca temor por parte dos moradores da localidade.

A dúvida que paira, entre aliados e oposição, é o quanto as medidas prometidas por Tarcísio serão eficazes. Há quem pense que a transferência da sede administrativa pode gerar novos episódios negativos com a retirada de famílias e o esvaziamento do centro histórico. Outros acreditam que o governador conseguirá reavivar a região central da maior cidade do país e estabelecer uma marca inédita para Tarcísio e Nunes.

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