Procurador pede que bônus da AGU seja suspenso após reportagem do UOL
Após o UOL revelar o uso de pareceres sigilosos pela AGU (Advocacia-Geral da União) para justificar penduricalhos que podem furar o teto constitucional dos membros da pasta, o Ministério Público Federal em Brasília pediu ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, que solicite ao STF a suspensão imediata dos pagamentos.
O que aconteceu
Procurador entendeu que uma decisão do STF está sendo desrespeitada. Paulo José Rocha Júnior, procurador da República no DF, então encaminhou representação a Gonet. Ele usou reportagens, inclusive um levantamento feito pelo UOL, para argumentar que o CCHA (Conselho Curador dos Honorários Advocatícios) está contrariando uma decisão do Supremo ao pagar penduricalhos e também ao manter uma conta bilionária "sem previsão legal" e sem "qualquer indicação de obediência ao teto remuneratório".
Servidores públicos têm de respeitar teto salarial de ministro do Supremo. O valor do salário bruto dos ministros é considerado o teto do funcionalismo público, o que hoje está em R$ 46 mil. Tudo o que ultrapassa esse valor deveria ser descontado de forma automática.
Rocha Júnior sugere que Gonet peça ao STF a suspensão imediata dos penduricalhos pagos pelo CCHA. Ele também recomenda que Gonet se manifeste pela total transparência às verbas do CCHA, que se identifica como entidade privada, e usa isso como justificativa para não prestar contas sobre o que faz com os recursos.
O caso aguarda um retorno da PGR desde março. O procurador pede que, caso Gonet entenda que não deve acionar o STF, o avise para atuar sobre o tema na primeira instância do Distrito Federal, onde há um inquérito aberto para apurar possíveis irregularidades no CCHA.
Sem resposta de Gonet. A reportagem questionou a PGR sobre a representação, mas não obteve resposta. O espaço está aberto a manifestações. Em nota, o CCHA afirmou que seus pagamentos respeitam a legislação sobre o tema, pareceres da AGU e as decisões do STF sobre o assunto e que não está sujeito à Lei de Acesso à Informação como órgãos da administração pública.
Conselho tem caixa-preta. Como mostrou o UOL, o CCHA é um órgão que administra um caixa paralelo e sem transparência para engordar os salários dos advogados da União. A estrutura, criada em 2016, serve para gerir as verbas de honorários que são pagos em ações na Justiça em que a União é parte e de um percentual das taxas cobradas de devedores da Dívida Ativa da União pela Procuradoria da Fazenda Nacional, estrutura que faz parte da AGU. Essas verbas são repassadas mensalmente aos membros da carreira a título de "bônus".
A entidade, porém, tem arrecadado mais do que consegue repassar aos advogados da União. O conselho tem o objetivo de distribuir a todos os membros da carreira os valores do bônus. Como o STF decidiu que este valor repassado, somado ao salário dos advogados da União, não pode ultrapassar o teto do funcionalismo, na prática, o conselho tem acumulado verba em caixa. Desde 2016, a União deixou de arrecadar R$ 11 bilhões em taxas da dívida para ajudar a custear o bônus da categoria.
Conselho criou penduricalhos para driblar o teto do funcionalismo. Por meio de pareceres da própria AGU, chancelados pelo advogado-geral da União, Jorge Messias, o conselho tem pago penduricalhos do bônus a título de verba indenizatória, isto é, uma modalidade de pagamento que não está sujeita ao teto do funcionalismo público. Além disso, o conselho tem mantido uma conta de custeio que pode ser usada para eventuais "pagamentos extraordinários" à categoria.
Para o MPF, porém, situação afronta a decisão do STF sobre o tema. O procurador Paulo José Rocha Júnior cita a reportagem do UOL ao afirmar que os penduricalhos criados ofendem o "texto constitucional" e também a decisão do STF que determinou que os bônus pagos aos advogados públicos não podem fazer com que os vencimentos deles ultrapassem o teto do funcionalismo.
Para procurador, conselho virou tesoureiro. Ele aponta na manifestação que a lei que criou o conselho não previa a existência de um fundo e que não haveria razões "práticas ou prudenciais" para se manter uma conta com recursos em caixa no CCHA com saldo bilionário.
A AGU afirma que a criação do bônus contribuiu para deixar a carreira mais atrativa. Também argumenta que isso levou a um aumento da arrecadação do governo. A pasta afirma que pagamentos de bônus contribuem para a produtividade e eficiência dos seus membros. "O êxito crescente dos integrantes da instituição reflete-se no quanto foi arrecadado pelo Estado brasileiro e o que potencialmente a União deixou de pagar com a atuação da AGU", diz nota enviada ao UOL em fevereiro ao comentar o caso.
Além de inexistirem quaisquer razões jurídicas para o entesouramento do CCHA, pois a lei não criou um fundo, mas somente uma entidade de intermediação de pagamento, inexistem também razões práticas ou prudenciais a justificar tal comportamento.
Essa quinta e última matéria jornalística expõe, de forma clara, 4 casos em que o CCHA e AGU implementaram, por resolução própria e sem previsão em lei, novas rubricas para distribuição dos honorários de sucumbência previstos na Lei nº 13.327/2016. Tais rubricas foram classificadas indevidamente como indenizatórias, com aparente propósito de rateá-las fora do teto remuneratório, em ofensa ao texto constitucional, à ADI julgada pelo STF e à própria lei de criação do Conselho Curador.
Paulo José Rocha Júnior, procurador da República no DF, em manifestação a Paulo Gonet
O que diz o conselho
O CCHA nega irregularidades nos pagamentos de penduricalhos e no acúmulo de verba em caixa. Em nota, o conselho afirma que "todos os parâmetros estabelecidos pelo Supremo" sobre pagamentos de honorários são seguidos na íntegra e que a criação de uma conta de custeio não afronta nenhum dispositivo legal ou constitucional e serve para garantir a "sustentabilidade" dos pagamentos dos honorários aos advogados públicos. Veja a seguir a íntegra do comunicado:
"O Conselho Curador dos Honorários Advocatícios (CCHA), entidade de natureza privada, esclarece que os pagamentos realizados a advogadas públicas e advogados públicos com recursos da Conta de Custeio, Gestão e Reserva Técnica (CCGR) seguem estritamente os dispositivos da Lei nº 13.327/2016, os pareceres da Advocacia-Geral da União (AGU) e as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).
As verbas indenizatórias são respaldadas por pareceres jurídicos da AGU, com fundamento na Lei Complementar nº 73/1993, que reconhece a legalidade dos pagamentos com recursos privados de honorários advocatícios. Tais verbas não têm impacto sobre os cofres públicos e respeitam os limites constitucionais, inclusive no que tange à distinção entre verbas submetidas e não submetidas ao teto, conforme entendimento pacífico do STF.
O pagamento do auxílio-saúde complementar foi objeto de análise em ação popular no Estado de São Paulo, tendo sido atestada sua legalidade por sentença judicial. Também foi analisado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que, igualmente, concluiu pela sua legalidade.
No caso do reembolso da anuidade da Ordem dos Advogados do Brasil, ressalta-se que os advogados públicos federais não podem exercer advocacia fora de suas funções institucionais, atuando exclusivamente na defesa jurídica da União. Isso justifica o caráter indenizatório da rubrica, conforme entendimento institucional da AGU.
O STF, na ADI 7402, afirmou que não é a classificação formal da verba que define sua natureza, mas sim sua finalidade. Enquanto as verbas remuneratórias são pagas como contraprestação pelo serviço, as indenizatórias compensam despesas necessárias à sua execução. O Conselho observa rigorosamente esse paradigma.
A atuação do CCHA observa rigorosamente os princípios da legalidade, da proteção à privacidade e da transparência nos limites da legislação. Como entidade privada, o Conselho não está sujeito às obrigações da Lei de Acesso à Informação aplicáveis à Administração Pública, mas adota práticas que asseguram a integridade do processo e a preservação de dados pessoais e financeiros dos representados.
Sobre as alegações de "entesouramento", o CCHA reitera que a constituição da CCGR visa à sustentabilidade do sistema de distribuição dos honorários, conforme previsto em normativas internas, sem afronta a dispositivos legais ou constitucionais. É justamente pela estrita observância ao teto constitucional que, em certos períodos, ocorrem valores não distribuídos.
O TCU, por meio do Acórdão nº 945/2025, reconheceu que os valores não distribuídos não podem ser devolvidos à União nem utilizados de forma desvinculada, por se tratarem de recursos privados pertencentes aos advogados públicos. Esse entendimento está alinhado com decisões do STF, como na ADI 6.168/RO e ADI 7.615/GO, que vedam a destinação desses recursos a entidades de classe ou sua utilização em políticas públicas sem autorização legal expressa.
Quanto à sugestão de restituição à União ou de limitação das distribuições mensais, é importante ressaltar que os recursos geridos pelo CCHA são de natureza privada, pertencentes aos advogados públicos, conforme determinado no Art. 29, caput, da Lei 13.327/2016. A proposta de devolução de valores à União não encontra respaldo jurídico nas normas que regem a matéria.
O STF, por meio da ADI 6053, declarou a constitucionalidade do pagamento de honorários advocatícios aos advogados públicos, reforçando a legalidade e a legitimidade do sistema sob responsabilidade do CCHA. Todos os parâmetros estabelecidos pelo Supremo são observados integralmente.
No último dia 30 de abril, inclusive, foi pactuado com o Tribunal de Contas da União (TCU) que o pagamento do auxílio-saúde terá o modelo de ressarcimento, com valor a ser creditado mediante comprovação de gastos anteriormente realizados, em clara demonstração de compromisso, credibilidade e transparência do Conselho.
O CCHA segue comprometido com a valorização da advocacia pública, respeitando os marcos legais e a defesa do interesse público."