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'Viver é experimentar': por que e como Mujica legalizou maconha no Uruguai?

Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai, no tapete vermelho do Festival de Veneza - Antony Jones/Getty Images
Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai, no tapete vermelho do Festival de Veneza Imagem: Antony Jones/Getty Images
do UOL

Colaboração para o UOL*

14/05/2025 05h30

O ex-presidente Pepe Mujica iniciou em 2012 o processo de legalização da maconha no Uruguai, iniciativa que considerou um experimento que poderia "deixar um pouco de conhecimento à humanidade".

"Viver é experimentar, buscar soluções que às vezes funcionam e às vezes não", declarou à BBC na ocasião. Mas por que ele tomou esta decisão e como a droga foi liberada no país?

O que aconteceu

Em junho de 2012, Mujica anunciou um plano para legalizar a venda de cannabis. O objetivo era combater problemas de saúde pública, tráfico de drogas e o crime organizado, já que a escalada de homicídios relacionados a dívidas de drogas preocupava autoridades, que também queriam contar o contato dos usuários com traficantes que introduziam a eles drogas mais pesadas.

A nova legislação propunha que o comércio da droga só pudesse ser feito a maiores de 18 anos pelo governo. Além disso, interessados teriam que se registrar em uma base de dados como consumidores para uso recreativo ou medicinal antes de poder realizar a compra. Residentes adultos também foram liberados pela legislação para cultivar em casa até seis plantas ou ter acesso à droga em clubes de usuários.

Lei causou polêmica, mas foi aprovada em 2013; vendas só se iniciaram em 2017. O Uruguai passou desafios logísticos que atrasaram a implementação, como o fato de que a maconha vendida teria que ser primeiro produzida por empresas contratadas pelo próprio governo, com concentração de THC de até 15%, no máximo. As vendas são feitas desde então em farmácias selecionadas e há um limite: até 40 g por mês, sendo 10 g por semana.

Não ache que eu estou defendendo a maconha. Eu declaro que o amor é o único vício saudável na face da Terra. Todos os outros são uma praga, cujo dano varia em níveis. A vantagem [da legalização] é que podemos identificar quem está consumindo. E se identificamos os consumidores, podemos ajudá-los. Se criminalizamos e os mantemos no submundo, estamos encaminhando [os usuários] aos traficantes e lavando nossas mãos da responsabilidade.
Pepe Mujica à CNN em 2013

Inicialmente, o governo removeu o imposto de consumo (IVA) para que a droga fosse mais atrativa nas farmácias do que no mercado paralelo. As empresas produtoras foram sujeitas à vigilância do governo e monitoramento de qualidade do produto.

Uruguaios levam cerca de 20 minutos para se registrar para o consumo em agências dos correios. A permissão é para residentes do país, portanto é preciso apresentar documento de identidade e comprovante de residência. Após o cadastro, é só ir à farmácia, onde a digital é verificada e a droga é vendida.

Os consumidores encontram dois tipos de cannabis nas farmácias. São elas a "indica" e a "sativa", em pacotes de 5 g, em estado natural: ou seja, não estava moída ou prensada. Também foram disponibilizadas ao consumidor concentrações diferentes de CBD (canabidiol), o composto considerado medicinal da planta, usado para tratar náuseas, ansiedade, epilepsia, entre outros problemas de saúde.

Tráfico acabou?

O número de uruguaios que admitem usar a droga cresceu. Em 2014, o número de pessoas que admitia ter consumido cannabis nos últimos 12 meses era de 9,3%. Em 2017, este número era de 15,4%, segundo dados do Observatório Uruguaio de Drogas. Na época, uma das razões apresentadas para o crescimento foi o de que as pessoas se sentiam à vontade para confessar o uso após a legalização.

Em 2019, número de homicídios cresceu expressivamente no país e críticos à legalização apontaram relação com a maconha. No entanto, especialistas ouvidos pelo UOL não viam relação entre criminalidade e a venda legal da droga, mas sim entre disputas de criminosos no país e deficiências do governo local no combate ao crime.

Venda legal ainda não erradicou totalmente o tráfico. Em 2018, apenas um terço dos usuários de maconha do Uruguai compravam a droga no mercado legal, já que não havia quantidade suficiente disponível para suprir a demanda. Desde 2019, o governo investe na emissão de novas licenças de produção a empresas farmacêuticas para ampliar sua capacidade de atender aos consumidores. Em 2020, a firma canadense Boreal abriu uma fábrica no país, segundo relatório do Wilson Center, instituto de ciência política dos EUA.

*Com informações da AFP e de matérias publicadas em 10/12/2013, 01/12/2017, 11/10/2018 e 02/03/2019.

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