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Governo Trump vê CV e PCC como terroristas; o que diz a lei brasileira?

2024.mar.11 - Vídeo mostra CACs orientando treinamento de tiros de fuzil a membros do PCC - Cedido ao UOL
2024.mar.11 - Vídeo mostra CACs orientando treinamento de tiros de fuzil a membros do PCC Imagem: Cedido ao UOL
do UOL

Maurício Businari

Colaboração para o UOL

13/05/2025 05h30

Em reunião com o governo Lula, representantes dos EUA sugeriram que as facções PCC e CV sejam classificados como terroristas; especialistas dizem que medida é política e violaria a legislação brasileira.

O que aconteceu

O governo dos Estados Unidos sugeriu ao Brasil que classifique o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o CV (Comando Vermelho) como organizações terroristas. A proposta foi apresentada esta semana, durante uma reunião entre representantes da gestão Donald Trump e técnicos do Ministério da Justiça e Segurança Pública, em Brasília. Segundo os norte-americanos, as facções mantêm conexões com cartéis internacionais e promovem tráfico de drogas e armas, o que representaria uma ameaça direta à segurança dos EUA.

A proposta segue uma estratégia dos EUA já aplicada a grupos latino-americanos, como em 2025, quando a gestão Trump incluiu facções da América Central e do Sul — como o Tren de Aragua — em listas de terrorismo. Juristas ouvidos pelo UOL afirmam que a proposta não se sustenta legalmente. Para eles, a medida tem viés político e pode gerar riscos institucionais.

Especialistas em direito penal, internacional e com atuação em temas constitucionais explicam que, pela legislação brasileira, não há base jurídica para enquadrar o PCC ou o Comando Vermelho como organizações terroristas. "A motivação das facções é o lucro com o crime, não a disseminação do medo por razões ideológicas. O terror, nesses casos, é um meio, não uma finalidade", afirma Marco Antonio David, especialista em direito internacional e sócio do escritório DAA LAW.

A Lei nº 13.260/2016 define como terrorismo atos com o objetivo de provocar terror social ou generalizado, por motivações como xenofobia, racismo, religião ou ideologia.

Para os juristas, esse enquadramento não se aplica às facções brasileiras. O PCC e o Comando Vermelho são organizações voltadas ao lucro por meio de atividades ilícitas, e não têm motivação política, religiosa ou discriminatória. A advogada internacionalista Daniela Poli Vlavianos, Sócia do escritório Poli, afirma que "embora causem medo e pratiquem violência, essas organizações não têm como fundamento a propagação de ideias ideológicas. São, essencialmente, empresas do crime".

A legislação brasileira também estabelece limites para evitar abusos. O parágrafo 2º da Lei Antiterrorismo veda expressamente a classificação como terrorismo de atos relacionados a manifestações sociais, sindicais ou políticas. O criminalista Welington Arruda alerta que "um conceito excessivamente amplo poderia permitir o enquadramento de protestos como atos terroristas, o que seria um enorme retrocesso democrático".

Patriot Act e soberania

A legislação norte-americana, especialmente após o Patriot Act, (Lei Patrótica), criada após os ataques do 11 de setembro, adota um conceito mais amplo de terrorismo. Grupos podem ser classificados como terroristas mesmo sem motivações ideológicas, desde que representem uma ameaça à segurança nacional.

Segundo o FBI, o Executivo pode decidir unilateralmente incluir organizações estrangeiras em listas de terrorismo. O advogado criminalista Luiz Rutis afirma que "a classificação de uma conduta como terrorismo é prerrogativa de soberania nacional. Cada país tem sua definição e seus critérios, e o Brasil não está obrigado a seguir o modelo americano".

A inclusão de uma facção em lista dos EUA tem efeitos apenas na política externa americana. O Brasil não é obrigado a reconhecê-la, mas pode sofrer consequências indiretas.

Consequências práticas e riscos jurídicos

A inclusão em listas de terrorismo pode resultar em bloqueios de bens, vigilância de movimentações financeiras e restrições financeiras e diplomáticas. Países que não aderem à linha dura dos EUA podem enfrentar entraves em cooperação internacional de segurança e inteligência. "A ausência de ação por parte do país de origem pode, sim, gerar sanções, especialmente de natureza econômico-financeira", diz David.

A classificação de facções como terroristas reforça o discurso de campanha de Trump, centrado em segurança e combate ao crime. Para Rutis, "é uma resposta fácil, errada e inútil para um problema muito real e complexo da sociedade brasileira".

No Brasil, a proposta também é vista como uma ameaça à segurança jurídica e aos direitos fundamentais. Ampliar o conceito de terrorismo pode permitir perseguições políticas e enfraquecer garantias constitucionais. Rutis acrescenta que "a legislação já é dura. Usar o terrorismo como cortina de fumaça apenas desvia o foco do enfrentamento real ao crime organizado".

O criminalista Guilherme Gama destaca que a legislação brasileira exige motivação ideológica e finalidade de causar terror — o que não se aplica às facções, voltadas ao lucro. Para ele, interpretar a lei para incluir PCC e CV seria uma analogia em prejuízo do réu, prática vedada pelo direito penal. "A resposta do Estado ao crime organizado não pode ser fruto de açodamento punitivista, mas de construção legislativa sólida e democrática", afirma. Gama diz que ceder à pressão externa e reclassificar condutas violaria a legalidade, a separação de poderes e a soberania nacional.

Juristas defendem reforço no combate ao crime, corte do fluxo financeiro das facções e cooperação internacional — sem abrir mão da soberania. "A forma de responder é desmontar a cadeia de comando dessas organizações, sem ceder ao rótulo que não condiz com nosso marco legal", conclui David.

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