
O Banco Central elevou a Selic, na semana passada, em 0,5 ponto de percentagem, para 14,75% ao ano. Trata-se de um juro real, quando descontada a inflação esperada, de mais de 9%.
Não há paralelo no mundo, vale dizer, e seus efeitos contracionistas sobre a atividade econômica já estão sendo sentidos. Do ponto de vista fiscal, os juros altos, como sabemos, alimentam os gastos públicos e turbinam a dívida.
O déficit público agregado ou nominal, que inclui todas as receitas e despesas, está em 8% do PIB. Para fins de comparação, os Estados Unidos têm um déficit de cerca de 6%.
A Selic é a referência para os juros praticados em todas as operações de crédito. É o principal instrumento da autoridade monetária para gerenciar a liquidez do sistema financeiro e garantir que a inflação convirja à meta estipulada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
A saber, o Comitê de Política Monetária (Copom) opta pela elevação ou redução dessa taxa básica ou referencial com vistas a conduzir as expectativas à inflação aos objetivos fixados nas metas do CMN.
São vários os fatores que influenciam a inflação. A taxa de câmbio, o crédito, o consumo do governo, as expectativas, a tributação etc. Assim, as decisões do Copom devem levar em conta todas essas dimensões.
A taxa de câmbio, por exemplo, afeta os preços domésticos, porque influencia os custos de produção e os preços na ponta. Desde o final do ano passado, quando o dólar atingiu assustadores R$ 6,30, a tendência se inverteu. Hoje, a taxa de câmbio circunda os R$ 5,60 a R$ 5,70 por dólar.
O movimento é, claramente, guiado muito mais pelo vetor externo do que por razões domésticas. A política tarifária do presidente Donald Trump promoveu uma verdadeira reacomodação de placas tectônicas, em todo o mundo, e as reações e contrarreações que se seguiram ainda não permitem uma avaliação completa.
De um lado, os Estados Unidos começam a se mexer, como no caso do pré-acordo anunciado com o Reino Unido. De outro, a questão da China ainda permanece intacta. A incerteza causada por esse processo foi, inclusive, pontuada pelo Federal Reserve, por meio de Jerome Powell, que justificou a manutenção dos juros básicos, por lá, analisando que o risco para o PIB e o desemprego, de um lado, e para a inflação, de outro, estão presentes. Não é trivial definir o rumo da política monetária em meio a mares tão revoltos.
O fato é que a política monetária dos EUA nos afeta diretamente. O diferencial de juros domésticos e externos é grande. Isso contribui para atrair capitais ao país e tira pressão do dólar frente ao real. Por outro lado, uma escalada da guerra comercial poderia elevar ainda mais o risco e desencadear movimentos de "flight to quality", como se diz, não desprezíveis. Me refiro a situações em que os dólares voam para o lugar mais seguro, na presença de tanta indefinição e nebulosidade.
Minha percepção é que, ao longo deste e do próximo ano, prevalecerão dois fenômenos. Claro, atendo-me, aqui, à preocupação com o cenário para a economia brasileira. O primeiro é a preservação de um déficit em transações correntes, no balanço de pagamentos, na casa de US$ 60 bilhões, plenamente coberto por investimentos estrangeiros diretos, com nível de reservas internacionais elevado.
O segundo, a continuidade de uma situação fiscal ruim, como venho descrevendo em minhas colunas neste espaço, mas longe de um quadro de insolvência do Estado brasileiro.
Se isso é verdadeiro, significa que alguns passos para trás dados pelos EUA, na questão comercial, podem desanuviar, minimamente, a situação, levando a uma tendência de apreciação do real frente ao dólar.
Esse movimento auxiliará o Banco Central na tarefa de promover o controle da inflação. A pesquisa Focus, que congrega projeções de mercado para diferentes variáveis econômicas, mostra que os agentes econômicos esperam uma variação de 5,5%, em 2025, e de 4,5%, em 2026, no caso do IPCA, principal índice de preços do país.
A manutenção dos juros em 14,75%, daqui em diante, soa mais palatável, dadas tantas confusões, dentro e fora do país, já que esse nível de juros nominais representa um patamar real bem acima do chamado neutro. Para ter claro, a política monetária, mesmo que aumentos novos na Selic não ocorram mais, seguirá em modo extremamente contracionista para a atividade econômica.
Seu papel já está, portanto, bem desenhado e as funções estão sendo cumpridas. Doses adicionais de juros apenas deixariam o paciente em estado letárgico, com pouca efetividade para a redução da inflação em prazo razoável.
Minha avaliação é de que a manutenção da Selic é, portanto, o cenário mais provável e recomendável, neste momento. A depender do andar da carruagem, as melancias poderão se ajeitar a ponto de levar ao início de uma redução da Selic, possivelmente, ainda em 2025.
De todo modo, é cedo para dizer. Dependerá da capacidade do governo em manter seu compromisso fiscal mínimo, inclusive desarmando as bombas diariamente fabricadas no Congresso para torrar dinheiro público.