Sob Leão 14, mulheres seguirão ocupando últimas fileiras, dizem teólogas

Desde que o cardeal Robert Francis Prevost foi nomeado papa Leão 14, emergiram análises sobre sua biografia, declarações e linha de atuação pastoral, sempre guiadas pelo questionamento: o novo pontífice dará continuidade à agenda do papa Francisco? No que diz respeito à questão feminina, provavelmente sim.
É consenso entre as católicas que não haverá mudanças significativas na trajetória das mulheres. Elas ainda ocuparão as últimas fileiras, se e quando sua presença for aceita.
Teólogas e sociólogas da religião avaliam que dificilmente o novo líder da Igreja Católica retirará o poder das mulheres que ocupam cargos-chave no Vaticano, nem esvaziará a comissão criada por elas, a Donne in Vaticano (Mulheres no Vaticano).
Atualmente funcionárias ocupam 26% dos pontos na Cúria Romana. Ainda que a presença de mulheres não corresponda a um terço do total, houve significativo crescimento com Francisco. Quando o argentino assumiu como pontífice, apenas 19,3% dos trabalhadores da Cúria eram mulheres.
Ainda que Leão 14 represente uma continuidade do pensamento de Francisco sobre as mulheres, as reformas reivindicadas pelas católicas ao redor do mundo devem continuar adormecidas. Ao contrário de outros papáveis, que se declaravam abertamente favoráveis ao diaconato feminino, Prevost jamais emitiu uma opinião sobre o assunto e era fugidio quando questionado, mantendo seu perfil diplomático e discreto.
Essa postura reativa da Igreja Católica em relação à participação das mulheres em espaços de decisão é consequência de uma estrutura e uma teologia marcadas e fundamentadas numa visão patriarcal, que influenciam na maneira como a instituição está estruturada em termos de doutrina, sacerdócio, poder e narrativas, Priscila Kikuchi, cientista social e teóloga integrante da ONG Católicas pelo Direito de Decidir
Segundo Kikuchi, no campo teológico, um exemplo importante é como a figura de Eva e Maria são interpretadas. A primeira, responsável pelo pecado original, e, a segunda, uma mulher submissa, delicada e silenciosa, cuja contribuição exaltada é de ter sido mãe. "Essas construções simbólicas do feminino colocam as mulheres como seres humanos de menor valor e capacidade", diz.
Aumentam as reivindicações das mulheres na Igreja Católica
A reivindicação sobre uma maior participação das mulheres na Igreja Católica é global. Em 2023, um grupo de cerca de 200 católicas escreveu uma carta aberta às "hierarquias eclesiásticas", na qual conclamavam a Igreja a pedir desculpas às mulheres pelas graves violações cometidas contra elas ao longo dos séculos. O texto foi endereçado a vários presidentes de comissões episcopais do mundo.
Entre as signatárias estavam a teóloga e escritora francesa Anne Soupa e religiosas como a teóloga dominicana Antonietta Potente e a missionária comboniana Elisa Kidané. Um dos trechos da carta frisava que "...as relações entre mulheres e homens na Igreja estão doentes há muito tempo, porque estão imbuídas de estereótipos engessadas sobre as mulheres: visões degradantes, que deformam sua imagem negando a integridade. A partir de tais premissas, o desvalor do feminino é a lógica consequência"
A Igreja Católica é comandada por homens desde que se institucionalizou. Diante disso, fica mais difícil ressoarem reivindicações efetivas e reformadoras, uma vez que, dentro dos ambientes de poder e decisão só ecoam vozes masculinas.
Basta pensar em um conclave, em que somente os homens (cardeais) são os eleitos e eleitores. Será possível que essas mulheres que estão ascendendo aos cargos de grande escalão desde o pontificado de Francisco poderão algum dia modificar essas estruturas hierarquizadas? Patricia Carneiro de Paula, advogada e teóloga da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR)
Como instituição inserida na sociedade secular, a Igreja Católica sempre espelhou, de certa forma, a dinâmica social vigente, erigida sob um patriarcalismo atávico. "É necessário recordar que, como a Igreja é constituída de pessoas culturalmente e socialmente situadas, embora munidas de fé, os preconceitos históricos, em alguma medida, são refletidos no interior da instituição eclesiástica e acabam ofuscando a proposta evangélica de respeito à dignidade humana e à sinodalidade", diz Karolayne Maria Vieira Camargo de Moraes, doutoranda em Teologia na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP).
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