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'É como se o medo não existisse': como é a vida de brasileiras na Islândia

As brasileiras Anna Kellen Bull (esq.) e Luciana Moço contam como é viver em um país líder em desenvolvimento humano - Reprodução/Redes Sociais
As brasileiras Anna Kellen Bull (esq.) e Luciana Moço contam como é viver em um país líder em desenvolvimento humano Imagem: Reprodução/Redes Sociais
do UOL

Maurício Businari

Colaboração para o UOL

10/05/2025 05h30

Brasileiras que vivem na Islândia, líder no ranking global de desenvolvimento humano, relatam como é morar no país e apontam o que ainda separa as duas realidades. O Brasil melhorou cinco pontos no ranking e está na 84ª posição no ranking divulgado pela ONU, longe da pontuação obtida pelo país nórdico.

Rotina sem medo

Anna Kellen Bull, empresária do setor de turismo, vive em Reykjavík com o marido e o filho pequeno. "Posso andar tarde da noite, sozinha, com meu celular na mão, e saber que vou voltar com todos os meus pertences", diz. "Já sofri assédio no transporte público no Brasil — aqui, nunca passei por nada parecido".

A sensação de segurança também é descrita por Luciana Moço, de Niterói (RJ), que vive na Islândia desde 2014. Ela também atua no setor de turismo e se divide entre o país nórdico e Bali, na Indonésia. "Mulheres vivem com liberdade real, crianças pequenas vão sozinhas para a escola, algo que no Brasil ainda parece impensável", afirma. "É como se o medo não existisse no cotidiano — e isso muda tudo".

Outro aspecto que impressiona as brasileiras é a eficiência dos serviços públicos. A ausência de burocracia e a digitalização total da estrutura estatal tornam o cotidiano mais simples e acessível, segundo elas. "Com um número de identificação, consigo acessar todas as minhas consultas, exames e vacinas", diz Anna. "Se mando mensagem para um órgão público, uma pessoa responde em segundos —não é um robô".

Anna diz que teve boa experiência com o pré-natal mesmo como imigrante. "As consultas são regulares e tudo funciona digitalmente. A confiança no sistema é real".

Direitos para todos

As entrevistadas dizem que direitos como licença parental, igualdade salarial e saúde pública são parte da vivência diária. "Tenho amigas que ficaram um ano em casa com os filhos. Empresas que pagam menos para mulheres sofrem multas pesadas", afirma Anna. "Na Islândia, a igualdade de gênero não é discurso, é prática".

Esse ambiente de respeito se estende também à comunidade LGBTQIA+. "É como se isso nem fosse uma questão para eles. Está integrada à sociedade de um jeito que impressiona".

A desigualdade social é apontada como o principal divisor entre Brasil e Islândia. "Vi que o Brasil subiu cinco posições no ranking, mas me pergunto se isso chega às margens", diz Luciana. "No Brasil, estamos falando de médias. Na Islândia, o acesso à saúde, educação e renda digna é praticamente universal".

A distância entre as duas realidades ficou ainda mais evidente para Anna quando voltou temporariamente ao Brasil para visitar a família. "Amo o Brasil, mas é impossível ignorar a diferença. Desde que cheguei, estou em alerta o tempo todo, especialmente por causa do meu filho".

Apesar da eficiência dos serviços, a vivência como imigrante também é desafiadora em alguns momentos no país. "Nunca sofri discriminação explícita, mas já vivi situações em que senti que teria sido tratada de forma diferente se fosse uma local", conta Luciana. "Isso acontece de forma muito sutil."

Anna afirma que se sente acolhida —e que conseguiu desenvolver sua atividade profissional com segurança e estabilidade. "É um país que funciona e respeita quem trabalha. As regras são claras, e a estrutura é muito profissional. Isso muda tudo para quem vem empreender", diz.

Luciana destaca a relação entre população e instituições como um dos diferenciais. "Existe uma relação íntima entre governo e sociedade. O povo participa, sente que tem voz e que é ouvido. Isso muda tudo". Para ela, o funcionamento do país depende da lógica coletiva, algo ainda distante no Brasil. "A Islândia funciona porque o povo acredita nas estruturas e age pensando no coletivo", afirma. "No Brasil, ainda somos muito marcados por uma lógica individualista, que acaba enfraquecendo a cidadania."

O estilo de vida simples e a forte conexão com a natureza influenciam o bem-estar da população. "A Islândia tem um ritmo próprio. A vida lá é mais silenciosa, mais prática, mais conectada com a natureza", diz Luciana. "É quase um antídoto contra o caos".

Mesmo diante de tanto encantamento, a saudade da terra natal ainda fala alto em alguns momentos. "Sinto falta da minha família, e claro, da comida brasileira. Mas não abro mão do ar puro, da natureza exuberante e da liberdade de ir e vir", afirma Luciana. Anna também sente falta de algo mais sutil — e, para ela, profundamente brasileiro. "Sinto saudade da forma leve de viver dos cariocas. O humor, o afeto espontâneo e de falar com qualquer um — isso é muito único".

Hoje ambas possuem agências de turismo que ajudam brasileiros a explorar o país com segurança e informação. "A Islândia não é só um país. É um universo à parte", afirma Luciana. "Já vi centenas de auroras boreais e ainda me emociono. É impossível não se sentir pequeno diante daquela natureza."

Anna resume a filosofia de vida local com uma expressão islandesa: þetta reddast. "Significa 'tudo vai ficar bem no final'. É assim que eles vivem — e foi isso que encontrei aqui", afirma.

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