'Medo de ser bombardeada', temem brasileiras que moram na Índia e Paquistão

Brasileiras que moram no Paquistão e na Índia, países vizinhos que vivem uma escalada de violência nesta semana, estão assustadas com o lançamento de bombas e mísseis e tentam voltar ao Brasil. Em apenas dois dias, ao menos 44 civis morreram — 31 no Paquistão e 13 na Índia, segundo balanços divulgado por ambos os lados.
'Não quero morrer com bombas', diz brasileira
A manicure Maria Taís Teixeira, 30, está sem dormir. A brasileira mora em Sialkolt, cidade do Paquistão, a cerca de 150 km da fronteira com a Caxemira administrada pela Índia. Ela contou que escuta explosões perto de sua casa e que a recomendação do governo é para apagar as luzes todas as noites, para evitar novos ataques.
"A situação está horrível, nunca pensei em passar por isso, no dia 7 de maio eu não dormi nada, consegui cochilar de manhã do outro dia, umas 8h, mas às 9h já estava acordada novamente", disse a manicure.
Dias difíceis, medo de morrer e dor de cabeça. Na última semana, a rotina de Taís, que mora há oito meses no país, tem sido diferente. Sem trabalhar, já que a recomendação é ficar em casa, ela tenta voltar ao Brasil, mas os aeroportos estão fechados por causa do conflito. "Estou presa, como vou sair? Ele [meu marido] está tentando resolver a documentação dele para ir comigo, mas a embaixada está muito devagar", lamentou.
A mulher se mudou para o Paquistão para casar e trabalhar. Taís nasceu no Ceará, mas morou nos últimos 14 anos no Rio de Janeiro. Hoje, ela mora com o marido, que é paquistanês, as cunhadas e a sogra. "Tenho passado por dias difíceis aqui, com medo, dor de cabeça, sensação estranha. Não acredito que vim do Brasil para morrer de bomba. Tenho medo de ser bombardeada", afirmou.
Exército nas ruas e explosões. No local onde mora, a brasileira esbarra com soldados paquistaneses em cada esquina, nas poucas vezes que tem saído de casa. A ordem é sempre estar com o seu documento de identidade. "É um cartão com chip, eles [os soldados] validam em uma máquina para comprovar que moramos aqui". Ela ainda não se acostumou a ouvir o estrondo das explosões. "Escutamos muitos barulhos, mas eu não pensava que eram bombas, achei que eram tiros, como no Rio de Janeiro, não quero morrer com bombas".
'Dá para ver caças no céu a todo momento'
Brasileira diz que situação onde mora está crítica. Priscila Angelini, 39, nasceu na cidade de Limeira, no interior de São Paulo, mas vive no Paquistão há quase um ano. Ela é casada com um paquistanês e mora na cidade de Rawalpindi, a cerca de 17 km da capital Islamabad. Ela descreve que vê caças no céu a todo momento. "Todo dia é barulho de mísseis no céu. Tudo aqui está fechado, nada abre por medo. Meu marido está sem trabalhar desde o início da semana. Meu medo é a situação piorar ainda mais".
Sentimento é de angústia. "Me sinto abandonada pelo governo brasileiro, parece que estamos sozinhos, a nossa família no Brasil está desesperada", disse Priscila.
Tensão entre os dois países vizinhos. A mais recente escalada na rivalidade de décadas entre Índia e Paquistão começou em 22 de abril, quando um ataque deixou 26 pessoas mortas na Caxemira administrada pela Índia. Nova Déli atribuiu o atentado a Islamabad, que negou as acusações e pediu uma investigação neutra.
Morando em Jaipur, na Índia, Bianca Palacio, 27, nunca viveu algo parecido. Quando decidiu deixar a cidade de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo, a ideia era estudar medicina indiana. Quatro anos depois, a brasileira diz que está com medo e que a sensação de insegurança é grande. Todos os dias, quando escuta as sirenes de treinamento, precisa seguir as instruções como se fosse uma situação de emergência.
"Estamos sendo preparados tanto na faculdade quanto pelos alertas do governo para possíveis ataques. Recebemos instruções do que fazer nesses casos de ataque. A embaixada pediu atualização de nossos contatos e endereços. Caso a guerra escale, com certeza é uma possibilidade real de voltar ao Brasil", declarou Bianca.
Brasileira que vive perto da fronteira da Índia com o Paquistão convive com bombardeios. Sayonara Lima mora na cidade de Pathankot, no estado de Punjab, na Índia. A região foi atacada no dia 8 de maio pelo exército do Paquistão. Ela e a família pensam em deixar a cidade, mas temem que um novo ataque aconteça. "O tanque do carro está cheio, mas a gente nunca sabe onde eles vão atacar. Qualquer movimentação, a gente corre", contou.
Sayonara critica a atuação da embaixada brasileira na Índia. "Tento ligar, não me atendem, mando mensagem e não tenho resposta. E toda essa dificuldade para dar um visto ao meu marido". Ela fica dentro de casa e se informa pelos programas da televisão local. À noite, as luzes também devem permanecer apagadas. "A única coisa que fica ligada o dia inteiro é a televisão, 24 horas por dia, para acompanharmos as notícias em tempo real".
O governo do Brasil diz que monitora a situação entre os dois países. O Ministério das Relações Exteriores orienta os brasileiros que evitem viagens não essenciais à Caxemira e regiões adjacentes.
Ainda segundo o Itamaraty, não há registro de vítimas brasileiras. "As embaixadas do Brasil em Nova Déli e Islamabad permanecem à disposição da comunidade brasileira por meio dos respectivos números de plantão consular", segundo nota enviada pelo governo federal.
'Guerra da água': entenda o conflito entre os países
Índia vem retaliando e ameaçando o Paquistão com cortes de água. Os rios que abastecem o Paquistão nascem na Índia. "A água que pertence à Índia e que até agora fluía para fora será retida para servir aos nossos interesses e será utilizada dentro do país", declarou o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, em um discurso público, nesta semana.
Paquistão advertiu que qualquer tentativa de modificar o fluxo desses rios será considerada "um ato de guerra". Um tratado assinado em 1960 estabelecia que ambos os países compartilhassem o controle da bacia de seis rios da Caxemira, que se unem mais adiante formando o rio Indo, no território paquistanês. A Caxemira é uma região de maioria muçulmana dividida entre os dois países desde a independência do Reino Unido em 1947.
Desde 1947, Índia e Paquistão se enfrentaram em várias guerras. Em 15 de agosto de 1947, o vice-rei da Índia, Louis Mountbatten, anunciou o fim de dois séculos de dominação britânica e dividiu a ex-colônia em dois Estados. Assim surgiram a Índia, de maioria hindu, e o Paquistão, de maioria muçulmana. Com a independência, quase 15 milhões de pessoas se deslocaram: os muçulmanos para o território paquistanês e hindus e sikhs para o território indiano.
Controle da Caxemira
Primeira guerra pelo controle da Caxemira, que foi anexada à Índia, ocorreu ainda no final de 1947. Dois anos depois, em 1º de janeiro de 1949, foi firmado um cessar-fogo ao longo de uma "linha de controle" de 770 quilômetros que dividiu a Caxemira em duas partes: 37% sob administração paquistanesa (Azad-Kashmir) e 63% sob controle indiano (Estado de Jammu e Caxemira).
Entre agosto e setembro de 1965, o conflito foi retomado. Na ocasião, houve a invasão de mil separatistas apoiados pelo Paquistão na Caxemira indiana. Essa segunda guerra, que deixou milhares de mortos de ambos os lados, terminou graças à mediação da União Soviética.
Novo conflito em 1989. Insurgentes que exigiam a independência ou a anexação da Caxemira indiana ao Paquistão iniciaram uma luta armada contra o exército da Índia. Desde então, o governo indiano acusa o Paquistão de financiar e treinar os insurgentes, que continuaram lutando contra cerca de 500 mil soldados posicionados na região.
Guerra pelo controle da geleira Siachen. Em 1999, a Índia acusou o Paquistão de infiltrar combatentes islâmicos e soldados paquistaneses na Caxemira indiana para assumir o controle de Siachen, a mais de 5 mil metros acima do nível do mar. Os combates deixaram mais de mil mortos, sobretudo na região de Cargil.
Em 2008, vários ataques jihadistas deixaram 166 mortos em Mumbai. A Índia culpou o Paquistão e interrompeu o processo de paz iniciado quatro anos antes. O diálogo foi retomado em 2011 e o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, visitou o Paquistão em dezembro de 2015.
Em 2019, a Índia bombardeou o território paquistanês. O governo alegou que o ataque foi motivado por um atentado que matou 40 de seus paramilitares em Pulwama (Caxemira indiana). O Paquistão retaliou e derrubou um avião indiano.