Sob Lula, entidades suspeitas arrecadam 253% mais via descontos do INSS

As 31 entidades que possuíam acordos com o INSS para realizar descontos em folha de aposentados e são suspeitas de fraudes tiveram um aumento de 253% de arrecadação entre o último ano do governo de Jair Bolsonaro e o segundo ano do governo Lula, segundo projeção da CGU (Controladoria-Geral da União).
O que aconteceu
Dados apontam que a arrecadação dessas entidades saltou de R$ 702 milhões em 2022 para cerca de R$ 2,5 bilhões em 2024. Os números foram levantados pela Controladoria-Geral da União a partir dos dados das folhas de pagamentos do INSS desde 2016 ao primeiro trimestre de 2024. A partir destes dados, a controladoria fez uma estimativa de arrecadação para 2024 de todas as entidades que possuíam acordos com o INSS.
Auditoria identificou que "campeãs" de arrecadação concentraram 84,6% dos valores descontados. Segundo a CGU, 11 das 31 entidades com acordos arrecadaram R$ 1,1 bilhão em 2023. O total arrecadado naquele ano por todas as entidades com acordos com o INSS chegou a R$ 1,3 bilhão.
Entidades não comentaram. As associações foram procuradas pela reportagem para comentar, mas não se manifestaram. O espaço está aberto.
Acordos suspensos e bloqueio de bens. Após a Operação Sem Desconto, da Polícia Federal, todos os acordos das entidades com o INSS foram suspensos. O governo anunciou que deve devolver os recursos aos afetados, além de pedir o bloqueio de bens de associações em que foram identificadas empresas de fachada e fortes indícios de pagamento de propina.
Sem descontos antes de 2023
Destas 11 associações com maior arrecadação, apenas duas realizam descontos em folha de aposentados desde 2016. Trata-se do Sindnapi, que tem um irmão do presidente Lula como vice-presidente, e da Contag. Ainda assim, a arrecadação das duas disparou justamente no governo Lula 3.
A arrecadação da Contag cresceu ano a ano desde 2016 e saltou de R$ 339,9 milhões naquele ano para R$ 451 milhões em 2024. No último ano de Bolsonaro, em 2022, a Contag havia arrecadado R$ 408,5 milhões. No primeiro ano de Lula, em 2023, haviam sido R$ 426,9 milhões
A arrecadação do Sindnapi também aumentou consideravelmente. Foi de R$ 17,8 milhões em 2016 para R$ 63,3 milhões em 2022, R$ 90,5 milhões em 2023 e R$ 104,1 milhões em 2024.
Além disso, a CGU identificou que, das 11 entidades campeãs de descontos, três começaram a arrecadar dinheiro de aposentados via desconto direto apenas no terceiro governo Lula. Trata-se da CBPA (Confederação Brasileira dos Trabalhadores da Pesca e Aquicultura), da MasterPrev e da Apdap Prev, que não arrecadaram nada entre 2016 e 2022.
No caso da MasterPrev, ela não arrecadou nada em 2023 também, mas, segundo projeção da CGU, teria uma arrecadação de R$ 99 milhões em 2024. Já a CBPA arrecadou R$ 57,9 milhões em 2023 e R$ 164,7 milhões em 2024. A Apdap Prev arrecadou R$ 41,8 milhões em 2023 e R$ 87,6 milhões em 2024.
A CGU analisou aumento nos pedidos de exclusão de descontos, entrevistou beneficiários e visitou oito entidades. Após avaliar o cenário, a controladoria encaminhou todas as conclusões ao INSS e recomendou a suspensão imediata de descontos de oito entidades (Unaspub, Ambec, AAPB, CBPA, Conafer, ABSP/Aapen, Sindnapi/FS e AAPPS Universo). Como revelou o UOL, esta e outras recomendações da CGU foram ignoradas pela direção do órgão no ano passado.
Na auditoria, a CGU também identificou que outras seis entidades tiveram um boom nos descontos entre 2018 e 2019. No mesmo período, também foi registrado um aumento de reclamações por descontos indevidos. Diante destes casos, porém, o Ministério Público Federal no Paraná emitiu uma recomendação ao INSS que acabou levando à suspensão dos descontos de quatro associações em 2019.
As 11 entidades líderes em descontos tiveram os contratos suspensos por ordem judicial na Operação Sem Desconto. Depois da operação, o governo mandou suspender todos os acordos com o INSS. A Justiça também mandou afastar o então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e outros quatro dirigentes da autarquia.
Demissão de ministro. Carlos Lupi, que era então chefe da Previdência, acabou pedindo demissão após desgaste e críticas a suas declarações durante a crise. O número 2 dele, Wolney Queiroz, assumiu o cargo no início deste mês.
Outros lados
Após a operação da PF ser deflagrada em todo o país, as entidades divulgaram os seguintes posicionamentos:
- Contag. A confederação nega as irregularidades sobre os cinco descontos supostamente indevidos. Lembra em nota que é formada por 27 Federações estaduais "e mais de 3.800 Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais".
- Conafer. Encaminhou nota de esclarecimento ao UOL dizendo "observar o desdobramento do inquérito" e confiar no Judiciário. "É importante ressaltar que a receita do INSS representa apenas 11% do total da entidade", disse texto assinado pelo presidente Carlos Lopes.
- Ambec. Disse ao UOL que "as reclamações são fruto de possíveis erros havidos no momento da afiliação de novos associados". "Em todos os casos analisados da AMBEC, afirma-se que a afiliação não se deu diretamente por colaboradores da AMBEC, mas, sim, por empresas privadas", diz em nota. "Em havendo reclamação, [a Ambec] determina o imediato ressarcimento em dobro do valor indevidamente descontado."
- ABSP (Aapen). Não respondeu ao UOL
- CBPA . A CBPA disse que seus mais de 1 milhão de pescadores filiados são "pessoas humildes, de hábitos simples, que num primeiro momento reconhecem a filiação a entidade mais próxima, geralmente a sua colônia de pesca". "A despeito disso, a CBPA cumpre regularmente o papel de oferecer a seus associados que fazem a contribuição confederativa a planos de benefícios (...) e reitera seu total apoio às instituições de controle brasileiras, que buscam proteger os aposentados de práticas fraudulentas."
- Unaspub. Não respondeu ao UOL
- Sindnapi. Em nota, disse que se pauta pela transparência e credibilidade. "Desde sua criação o Sindnapi é rigoroso na sua relação com o associado e a partir de 2019 o sindicato já exige uma foto do associado com documento e um áudio confirmando o desejo dele se associar. Não há possibilidade de sua filiação ser feita sem a sua total concordância. (...) Sempre estivemos à frente das exigências feitas pelo INSS. Também foi o Sindnapi que denunciou para a Previdência o surgimento de associações que não estavam entregando o que prometiam aos aposentados e, em alguns casos, usavam métodos duvidosos de captação de filiados. Pedimos explicitamente uma atenção a essa situação por meio da nossa representante no Conselho Nacional da Previdência Social, conforme atestam as atas de reuniões amplamente divulgadas pela imprensa. Por fim, nem o Sindnapi e tampouco qualquer um de seus dirigentes estão sendo alvo de investigação da Polícia Federal de acordo com declaração pública do próprio diretor-geral do órgão."
- AAPPS Universo. Não respondeu ao UOL
- MasterPrev. Informou em nota que é regularmente constituída, cumpre a lei e presta "serviços lícitos e relevantes". "O procedimento de filiação observa rigorosamente todas as normas, contando com rígidos critérios de segurança e transparência, como a utilização de biometria", diz ela, que se compromete a prestar esclarecimentos em eventual investigação.
- ABCB. A defesa da ABCB diz que foi "surpreendida com o cumprimento de mandados de busca e apreensão, sem que tenha tido, até o momento" acesso à investigação. Diz, no entanto, que é regularmente constituída, "beneficiando seus associados com inúmeros serviços, os quais se filiam de forma transparente, em procedimento que conta com rígidos critérios, inclusive de biometria."
- Apdap Prev. Não respondeu ao UOL