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Só 12% da verba para ações contra violência a mulher foi pago pelo governo

Violência contra a mulher; feminicídio; violência doméstica - Getty Images
Violência contra a mulher; feminicídio; violência doméstica Imagem: Getty Images
do UOL

Do UOL, em São Paulo

30/04/2025 05h30Atualizada em 30/04/2025 10h43

O Ministério das Mulheres pagou em 2024 apenas 14,3% do orçamento destinado a seus novos programas, dois deles com foco no combate a violência contra as mulheres. O levantamento foi feito pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos), publicado na terça. Procurado pela reportagem, o ministério não se manifestou.

O que aconteceu

No último ano, o valor empenhado em ações de combate à violência à mulher foi de 12%. Os programas do Ministério das Mulheres, "Mulher viver sem violência" e "Autonomia econômica das mulheres" receberam, juntos, R$ 26,13 milhões dos R$ 219,3 milhões empenhados, ou seja, reservados para essas políticas públicas.

A Casa da Mulher Brasileira não teve nenhum valor pago. Foram reservados R$ 41,66 milhões para a implementação das casas, mas nada foi pago. A ação, que está dentro do programa "Mulher viver sem violência", atende vítimas de violência encaminhando-as a redes de saúde, socioassistenciais e a abrigos.

Fachada da Casa da Mulher Brasileira em São Paulo - Júlia Zaremba/Folhapress - Júlia Zaremba/Folhapress
Fachada da Casa da Mulher Brasileira em São Paulo
Imagem: Júlia Zaremba/Folhapress

Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180) recebeu menos da metade do valor destinado em 2024. Também sob o guarda-chuva do mesmo programa, a ação recebeu 43,62% do valor prometido. Foram R$ 8,2 milhões pagos dos R$ 18,8 milhões empenhados. O serviço tem o objetivo de acolher denúncias de violência por meio de uma linha telefônica de atendimento direto às vítimas de violência. Ele funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana, no Brasil e em outros 16 países. Além de registrar as denúncias e encaminhá-las aos órgãos competentes, o Ligue 180 também divulga informações sobre os direitos da mulher, o amparo legal e a rede de atendimento e acolhimento.

Trata-se de um cenário bastante preocupante, considerando-se a urgência do enfrentamento da violência e de outras políticas públicas para as mulheres.
Relatório do Inesc

Todas as modalidades de violência contra mulheres cresceram em 2024. Houve um crescimento de 6,5% no número de feminicídio no Brasil em relação ao ano anterior segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Entre 2011 e 2023 o total de estupros cresceu 91,5%. Também tiveram aumentos agressões decorrentes de violência doméstica (9,8%), ameaças (16,5%), violência psicológica (33,8%) e stalking (34,5%).

Valores de anos anteriores foram pagos

O ano de 2024 foi o primeiro da execução orçamentária do novo PPA (Plano Plurianual) 2024-2027. O novo planejamento do governo diz o que se pretende gastar no período em cada área. No Ministério das Mulheres, por exemplo, foram criados esses novos três programas - "Igualdade de decisão e poder para as mulheres", "Mulher viver sem violência" e "Autonomia econômica das mulheres" - que substituíram os que existiam antes.

Assim, outros programas e ações destinaram valores do ano anterior aos atuais. Um desses casos é da Casa da Mulher Brasileira. Apesar da promessa formal de pagamento de 2024 não ter sido cumprida, foram pagos à ação R$ 57,72 milhões de anos anteriores. No caso do Ligue 180, é normal que parte dos pagamentos fique para anos seguintes, já que o serviço é prestado por uma empresa terceirizada (call center). Isso ocorre porque o orçamento permite que contratos e despesas se estendam por mais de um ano.

Considerando os recursos pagos do orçamento de 2024, mais os "restos a pagar" de anos anteriores, o valor total da execução financeira (soma os recursos pagos do orçamento de 2024 e os restos a pagar de anos anteriores), do Ministério das Mulheres em 2024 foi de R$ 99,06 milhões. O valor autorizado para os três programas foi de R$ 256,36 milhões.

Burocracia atrapalha pagamento de ações do Ministério das Mulheres. Segundo o Inesc, a "sobra" desses valores pode ocorrer por dois motivos: ritmo lento para operacionalizar os trâmites burocráticos necessários para compras, contratação de serviços, licitações, convênios etc.; e contratações plurianuais, ou seja, contratos ou convênios que têm desembolsos previstos para mais de um ano.

Para os próximos anos, então, os restos a pagar chegam a quase R$ 200 milhões. No ano passado, o valor autorizado para gasto nos três programas do ministério foi de R$ 256,36 milhões. Como os valores empenhados em 2024 não foram pagos, foram gerados restos a pagar, para os anos posteriores, no valor de R$ 199,27 milhões.

PPA integrada outros ministérios

O combate à violência contra a mulher não é tarefa só do Ministério das Mulheres. No PPA, ações que buscam dar autonomia às mulheres e livrá-las de relações da violência estão integradas com mais três pastas: MJSP (Ministério da Justiça e Segurança Pública), MDS (Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome) e MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar).

O dinheiro pago dentro dos três ministérios também ficou abaixo do que foi prometido. Juntas, as pastas empenharam para programas para as mulheres R$ 24,21 milhões, mas cerca da metade foi paga, R$ 12,35 milhões.

Ações destinadas às mulheres do campo receberam só 27% do valor prometido. O MDA empenhou R$ 3,66 milhões em ações para as mulheres, mas só R$ 989 mil foram pagos. Em resposta à reportagem, o ministério alegou que "as dificuldades burocráticas para formalização das parcerias e o corte orçamentário imposto ao Ministério no final do exercício impactaram de forma significativa a execução da ação".

Recomenda-se, com urgência, o aumento dos recursos para a Política de Agricultura Familiar com o recorte de gênero, de forma a considerar o papel central das mulheres na produção local e na preservação do meio ambiente.
elatório do Inesc

Só o Ministério da Justiça e Segurança Pública pagou mais da metade do que foi empenhado. Foram 63,7% destinados para implementar iniciativas voltadas ao enfrentamento da violência contra as mulheres - R$ 8,44 milhões de R$ 13,25 milhões.

Além de outros ministérios, outra forma de financiar as políticas de combate à violência contra a mulher é por meio das emendas parlamentares. Em 2024, o recurso das emendas parlamentares representou 64% dos recursos aprovados para os três novos programas do PPA. Para o programa "Autonomia econômica das mulheres" foram destinados, de emendas, R$ 111,55 milhões, 862% a mais do que o Ministério das Mulheres teve para o programa segundo o Projeto de Lei Orçamentária.

Outro lado

Nota do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome

"Para o ano de 2024, o orçamento destinado à Política Nacional de Cuidados no âmbito do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) é de R$ 7.277.816,00. Deste total, já foram liquidados R$ 2.915.997,00, o que representa 40,07% do valor global.

Outros R$ 4.108.965,62 - equivalentes a 56,46% do orçamento total - estão empenhados em ações que se encontram em fase de execução, tais como o Projeto Cuidoteca; parcerias com o IPEA e ENAP; cursos para gestores públicos e capacitação de trabalhadoras domésticas.

Dessa forma, 40,07% dos recursos destinados à Política Nacional de Cuidados já foram efetivamente executados, e outros 56,46% estão comprometidos com projetos em andamento. A previsão é que, ao término das ações em curso, o percentual de execução orçamentária alcance 96,52%."

Nota do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar

"Em 2.024 foram empenhados R$ 3.629.532,66 na Ação Orçamentária 10.49101.21.606.1191.210W - Apoio à Organização Econômica e Promoção da Cidadania e do Bem Viver de Mulheres Rurais executada pelo MDA. Deste montante, foram pagos, no exercício de 2024, R$ 977.366,3 e R$ 1.279.502,63 estão inscritos em Restos a Pagar, ou seja, serão pagos no decorrer do exercício de 2025. Assim, a execução efetiva desta ação orçamentária é da ordem de 62%.

Deve-se registrar que as dificuldades burocráticas para formalização das parcerias e o corte orçamentário imposto ao Ministério no final do exercício impactou de forma significativa a execução da ação."

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