Futuro da Igreja: papa deve ser menos 'sincerão', mas manter reformas

Seja qual for o cardeal escolhido como novo papa, a expectativa é que ele consolide as reformas promovidas por Francisco. As mesmas ideias, no entanto, devem ganhar outro estilo, segundo especialistas ouvidos pelo UOL. A tendência é que novo chefe da Igreja Católica adote uma postura mais discreta, com discursos comedidos, diferente do pontífice argentino.
O que aconteceu
Francisco falava de forma improvisada e causava mal-entendido, diz pesquisador. "Pode haver uma mudança de estilo, alguém menos carismático, mais protocolar. Quando você está em uma posição de liderança, a espontaneidade é um risco. O próximo papa pode ser comedido no estilo, mas acho que terá um conteúdo parecido com o de Francisco", analisa o pesquisador Filipe Domingues, mestre e doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma.
No ano passado, o papa foi alvo de críticas por falas homofóbicas. Em maio de 2024, ele disse que existia "viadagem demais" nos seminários, segundo a imprensa italiana; no mês seguinte, afirmou que o Vaticano possuía um "ar de viadagem". Apesar da primeira declaração não ter sido feita publicamente, o pontífice pediu desculpas, e um porta-voz disse que ele não teve a intenção de ofender alguém. Em resposta à segunda fala, o Vaticano afirmou que o papa reforçou a necessidade que pessoas LGBTQIA+ sejam acolhidas pela Igreja Católica, mas pregou cautela para que elas não virem seminaristas.
Apesar da homofobia, mudança feita por Francisco beneficiou a comunidade LGBTQIAP+. Em dezembro de 2023, o Vaticano autorizou a bênção a casais de pessoas do mesmo sexo e daqueles "em situação irregular" para a Igreja —como quem não formalizou a união no catolicismo. O documento reforça, porém, que o matrimônio está diretamente ligado à união específica de um homem e uma mulher.
Reformas promovidas pelo papa argentino não devem ser aceleradas. "Não há clamor por uma aceleração desse processo. Existe a ideia de que as reformas foram iniciadas e é preciso tocar para frente. Talvez surja alguém com um perfil um pouco mais conciliador", diz Domingues.
Movimento de mudança começou antes de Francisco. "Quem iniciou esse processo foi Bento 16. Quando ele renuncia, ele diz na prática que a igreja tem que mudar. E Francisco é o escolhido para conduzir a mudança que o papa anterior já havia percebido como necessária e que o conclave endossou", explica Francisco Borba, ex-coordenador do Núcleo de Fé e Cultura da PUC-SP.
Agora que toda a instituição foi movida nessa direção, não é possível parar mais. A máquina está andando. É como pegar um carro acelerando numa estrada e, de repente, dizer que deveríamos ir para o sul. Vamos dar um 'cavalo de pau' e ir na outra direção? Francisco Borba
Idade dos candidatos importa
Quanto mais jovem, maior pode ser o pontificado, o que seria problema no longo prazo. Para Domingues, esse é um dos pontos mais importantes do conclave. "Se for muito jovem, na faixa de 65 anos, pode ter um pontificado de mais de 20 anos. Isso é arriscado porque você não consegue mudar o percurso se as coisas ficarem difíceis, se o novo papa não foi a escolha ideal", diz o pesquisador.
Eleição de papa mais velho pode ser estratégica e indicar transição. "Um pontificado curto pode indicar transição, como aconteceu com João 23 (1958-1963). Olhando em retrospectiva, o que os historiadores dizem hoje é que ele estava ali para cobrir um período até chegar outro papa que pudesse ficar por mais tempo", explica Domingues. Paulo 6º, que sucedeu João, liderou a Igreja Católica por 15 anos.
Idade é perigo, mas não deve impedir voto, diz professor. Cardeais devem levá-la em consideração no conclave, mas "não vão deixar de escolher um bom candidato porque ele é muito jovem ou muito velho", acredita Francisco Borba. Ele concorda que um pontificado mais longo pode ser perigoso. "Porque as coisas boas são feitas logo no começo e depois os problemas se acumulam, enquanto os mais velhos não terão tempo para fazer alguma coisa", observa.
Cardeais não devem se dividir por continente ou país de origem. "Os cardeais do Brasil, por exemplo, são muito diferentes entre si. Eles não vão para a votação como um corpo único. O mesmo serve para os europeus. Acho que o que conta mais é a visão de mundo", avalia Domingues.
Neste ano, há mais cardeais de países da África e da Ásia. "São continentes onde o catolicismo está crescendo. Quando são colocados em conjunto, há outra visão de mundo que a gente ainda não sabe exatamente como será apresentada porque estão ganhando representatividade agora", diz Borba.
A visão que temos dos países africanos e asiáticos é muito eurocêntrica. Dizemos que eles desejam ser como o mundo europeu e norte-americano, e eles não estão dizendo isso, estão dizendo outra coisa. São países onde o catolicismo tem elementos que na Europa e nas Américas chamaríamos de conservador Francisco Borba
Cardeais mais cotados
Dos 252 cardeais no mundo, há 12 mais cotados para serem papa. O levantamento é do site Avaliação do Colégio de Cardeais (em tradução livre para o português), idealizado pelo jornalista britânico Edward Pentin com pesquisadores da Igreja Católica. A lista dos mais cotados contam com cardeais dos seguintes países: Itália (3), Hungria (1), Guiné (1), Filipinas (1), Sri Lanka (1), Congo (1), Holanda (1), Suíça (1), Mianmar (1), Argélia (1).
Cardeais dos EUA perdem força diante da tensão mundial com Donald Trump. "Acho que não há clima para um americano. Os EUA já têm muito poder, muita influência. Colocar um cardeal americano seria uma surpresa", diz Domingues.
Cardeais Luis Tagle (Filipinas), Pietro Parolin (Itália) e Jean-Marc Aveline (Argélia) se destacam. Os três foram apontados pelos especialistas ouvidos como favoritos no conclave. "Os nomes dos cardeais brasileiros não são citados internacionalmente. Acho improvável que seja eleito um latino-americano novamente, na sequência", analisa Domingues.