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Papa jesuíta com nome franciscano? Um brasileiro influenciou a decisão

Papa Francisco em almoço oferecido pelo Vaticano à população pobre - REUTERS/Remo Casilli
Papa Francisco em almoço oferecido pelo Vaticano à população pobre Imagem: REUTERS/Remo Casilli
do UOL

Maurício Businari

Colaboração para o UOL

25/04/2025 05h30

Primeiro papa jesuíta da história, Francisco escolheu o nome em homenagem a São Francisco de Assis, mesmo sem ter ligação com a ordem franciscana.

O que aconteceu

Nascido em 17 de dezembro de 1936, na capital argentina Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio foi eleito papa em março de 2013. Ele surpreendeu ao adotar o nome de um santo franciscano, tradição inédita entre os pontífices.

A escolha foi inspirada por um gesto do cardeal brasileiro dom Cláudio Hummes. Logo após o resultado do conclave, Hummes abraçou Bergoglio e disse: "Não se esqueça dos pobres". A frase remeteu imediatamente à figura de São Francisco de Assis.

O nome inédito também foi um gesto simbólico de ruptura. Francisco rejeitou ornamentos tradicionais no momento da primeira aparição, optando por uma batina branca simples e tirando a estola logo após a bênção — sinais visíveis de simplicidade e desapego.

A escolha do nome Francisco não foi somente simbólica — foi uma decisão com peso teológico e pastoral. Para o teólogo Rodrigo Moraes, reitor do Seminário Teológico Mosaico, o papa poderia ter escolhido um nome vinculado à tradição jesuíta, como Inácio de Loyola, mas preferiu evocar a simplicidade e o compromisso com os pobres, valores centrais na figura de São Francisco de Assis.

Ao unir traços das duas ordens, Francisco sinalizou o tipo de Igreja que desejava conduzir. Moraes afirma que o pontífice projetou seu ministério a partir das "periferias humanas" — os esquecidos, os migrantes, os doentes, os que choram em silêncio.

Para o teólogo, a recusa de privilégios, a escolha pela Casa Santa Marta e o pedido por um funeral simples são expressões diretas de sua visão de papado. "Ele não queria governar de cima, mas servir de perto", resume.

A espiritualidade inaciana, por sua vez, não foi abandonada. O discernimento, a escuta atenta da realidade e a capacidade de rever caminhos marcaram sua condução. "Francisco foi profundamente jesuíta na forma como buscava encontrar Deus nos detalhes do mundo", diz Moraes.

A escolha do nome teve implicações dentro da estrutura eclesial (hierárquica). Segundo ele, setores mais conservadores se incomodaram com o gesto, que deslocava o centro da Igreja do poder para o cuidado. "Um jesuíta com nome de franciscano é uma inversão que carrega força simbólica", afirma.

Moraes vê a reforma de Francisco como feita mais por atitudes do que por decretos. Ele não atacou a doutrina, mas colocou a misericórdia no centro. "Foi uma reforma de tom, não de texto. De gestos, não de imposições. E isso mexe com estruturas".

Diferenças entre as ordens

Jesuítas e franciscanos pertencem a ordens religiosas distintas, com missões, espiritualidades e formas de atuação diferentes. Enquanto os franciscanos nasceram da vivência de pobreza e simplicidade de São Francisco de Assis no século 13, os jesuítas surgiram na Europa do século 16, com um foco estratégico na educação, na missão e na formação intelectual.

A espiritualidade franciscana nasceu como protesto contra o luxo eclesiástico. Segundo Moraes, São Francisco de Assis surgiu no século 13 como uma resposta silenciosa, mas profunda, a uma Igreja cada vez mais distante dos pobres. "Ele não era um teólogo de gabinete, mas um homem de rua, de toque, de compaixão", resume. A ordem dos frades menores se moldou em torno da simplicidade, da proximidade com os marginalizados e de uma profunda reverência pela criação.

Os jesuítas, por outro lado, foram formados para os desafios da modernidade. Nascida no século 16, durante a Contra-Reforma, a Companhia de Jesus incorporou disciplina, formação intelectual e uma presença estratégica nas estruturas de poder e cultura. Moraes destaca que o jesuíta "não se isola, ele se infiltra" — está nas universidades, nos debates públicos e na política, sempre buscando ler o mundo com os olhos da fé. O discernimento e a obediência são pilares da espiritualidade inaciana.

Francisco conseguiu cruzar esses dois mundos. Para o teólogo, Bergoglio não rejeitou suas raízes jesuítas, mas ampliou sua espiritualidade ao incorporar gestos e posturas típicas do franciscanismo, como a compaixão, a escuta e a simplicidade. "Se o franciscano tem os pés descalços e o jesuíta os olhos atentos, Francisco caminhou com os dois", afirma. Essa fusão, acredita ele, ajudou o pontífice a tocar especialmente os que estavam distantes da institucionalidade, mas sedentos de humanidade.

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