Além das preocupações com a possibilidade que a política econômica do presidente americano Donald Trump promova recessão e inflação, crescem os temores de que essa política, executada da forma errática como vem sendo, possa levar a uma nova crise financeira global.
Nas últimas semanas, analistas perceberam que, enquanto o dólar se desvalorizava em relação a uma cesta de moedas importantes, a curva dos títulos de dez anos do Tesouro americano apontava alta. Essa combinação de rendimentos em alta e de moeda em baixa não é normal em economias avançadas, muito menos na dos Estados Unidos, cujo mercado financeiro ainda é considerado o mais seguro do mundo.
Sinal de alerta
O fato de os investidores estarem fugindo do dólar, que se desvalorizou 10% desde o início do governo Trump, mesmo com mais atrativos para aplicar em títulos da dívida dos EUA, é um sinal de alerta. Indica a instalação de desconfianças no desempenho da economia americana.
Trata-se de um cenário preocupante porque uma crise do tipo no mercado financeiro americano quase inevitavelmente desaguaria numa crise financeira global. Basta lembrar o que ocorreu a partir de setembro de 2008, com a quebra do banco de investimento Lehman Brothers, para entender as razões dos atuais temores.
É imensa a abrangência do mercado de títulos do Tesouro americano. São quase US$ 30 trilhões emitidos, sendo que, desse total, cerca de um terço, pouco menos de US$ 10 trilhões, são detidos por estrangeiros, enquanto mais da metade está em mãos de investidores privados.
Uma crise no mercado de títulos do Tesouro americano afetaria direta e imediatamente o vasto setor dos fundos de hedge espalhados pelo mundo. Uma eventual sombra de calote — coisa mais típica de economias emergentes, não das maduras —, teria o poder de deflagrar uma onda destrutiva de vendas, que só uma ação forte do Fed (Federal Reserve, banco central americano), comprando esses títulos, teria condições de estancar.
Foi o que aconteceu em 2020, no início da pandemia de covid-19. O colapso abrupto das economias levou investidores a correr para se desfazer de títulos do Tesouro. O Fed conteve a onda, despejando bilhões de dólares na praça — abriu linhas para bancos, governos locais e mesmo empresas —, ao mesmo tempo em que comprou outros bilhões de dólares em títulos públicos.
Recuos em série
Mas, como se viu, nem o Fed está a salvo das ações disruptivas e erráticas de Trump. Depois de um discurso de Jerome Powell, presidente do Fed, suspeitando de que a guerra tarifária detonada por Trump promoveria pressões inflacionárias — tornando, portanto, mais lento o ciclo previsto de cortes nos juros de referência —, o presidente ameaçou destitui-lo, desrespeitando o mandato fixo de que Powell dispõe.
Uma nova onda de fuga dos títulos americanos, com reflexo em aumentos de seus rendimentos, combinada com mergulho nas bolsas de valores e outros mercados financeiros, só estancou com mais um recuo de Trump, que afirmou, nesta terça-feira, não ter intenção de mexer com Powell, depois de acusá-lo, na quinta-feira (17), de ser "atrasado e errado".
O recuo é mais um em poucos dias. O recuo de 9 de abril, quando Trump suspendeu por 90 dias as tarifas de importação imposta a todos os países, menos à China, limitando-as a uma alíquota geral de 10%, foi entendido como uma espécie de resgate dos mercados financeiros, que viviam crescente estresse desde o anúncio das tarifas, no "Liberation Day" de 2 de abril.
Há indicações de que os principais assessores econômicos de Trump estão conseguindo persuadi-lo a negociar tarifas, inclusive com a China. Em encontro não aberto ao público com clientes do banco JP Morgan, nesta terça-feira, o secretário do Tesouro americano, Scott Bessent, disse, segundo relato de participantes, que o impasse tarifário com a China não pode se sustentar por muito tempo e que os dois países devem encontrar em breve maneiras de reduzir a tensão com ela.
Na mesma terça-feira, em sintonia com as declarações de Bessent, Trump declarou que seria muito gentil com os chineses, acreditando que os chineses também seriam muito gentis com ele. Trump disse que não iria "jogar duro" com a China. "As tarifas finais sobre a China não serão tão altas quanto 145%, não chegará nem perto", disse Trump. "Mas também não será zero", completou.
A mensagem tranquilizadora acalmou os mercados. Nesta quarta-feira, as bolsas de todo o mundo operaram em alta moderada e o dólar registrou pequena recuperação ante as principais moedas do mundo. Mas dúvidas sobre riscos de uma crise financeira, diante dos reiterados vaivéns de Trump permanecem no radar.