Argentinos lamentam a morte do papa
Da aurora ao crepúsculo, os argentinos renderam homenagens, nesta segunda-feira (21), a seu compatriota, o papa Francisco, na catedral onde ele foi arcebispo antes de deixar a Argentina para sempre e na igreja do bairro que o viu crescer.
A Basílica de Flores, no bairro natal de Jorge Bergoglio no oeste de Buenos Aires, estava abarrotada de pessoas na noite desta segunda, que chegavam após sua jornada de trabalho, alguns com os filhos em uniforme escolar, e muitos com uma cuia de mate e uma garrafa térmica debaixo do braço.
Chegavam, com lágrimas nos olhos, para uma das numerosas missas que os argentinos celebraram pelo papa argentino, que morreu durante a madrugada, em Roma, vítima de um derrame, aos 88 anos.
"Se há algo que o papa Francisco fez ao longo de seus 12 anos de pontificado foi não esconder os problemas, mas, ao contrário, colocá-los sobre a mesa", disse o arcebispo Jorge García Cuerva em seu sermão, ao enumerar temas que preocupavam Francisco como a ecologia, a exclusão, a guerra, o tráfico de armas e a reforma na própria Igreja.
A homilia ocorreu em Flores, o bairro de classe média que viu o papa nascer e em cuja basílica o jovem Bergoglio sentiu o chamado ao sacerdócio aos 17 anos.
A igreja recebeu durante a tarde de hoje jovens que liam cartas e missas de Francisco, alternadas com cânticos e orações para cumprir com o pedido do finado papa de rezar por ele.
O pontífice "foi um sopro de ar fresco que a Igreja necessitava. Atraiu de novo a juventude que está hoje aqui e pela qual tanto trabalhou. O mundo vai sentir sua falta", disse à AFP Sabrina Fernández, professora e moradora de Flores de 50 anos.
Em uma estação de metrô, a mesma que Bergoglio costumava pegar aos domingos para visitar a Basílica, um cartaz com sua imagem recordava seu trabalho em prol dos mais desfavorecidos.
- Tristeza na catedral -
Em outro ponto da cidade, no centro de Buenos Aires, centenas de fiéis visitaram a catedral desde a madrugada, quando veio à tona a notícia de seu falecimento.
"É muito forte porque uma pessoa que se ocupava dos pobres se foi e nos deixou sós. Ele sempre estará conosco", disse, entre lágrimas, Juan José Roy, um aposentado de 66 anos, à AFP, ao sair da primeira missa da manhã, também presidida por García Cuerva.
Nesse templo, o papa Francisco foi arcebispo até 2013, quando assumiu o papado. Na porta da catedral de estilo neoclássico, os fiéis montaram um santuário improvisado com velas, mensagens e até mesmo bandeiras do San Lorenzo, o clube de futebol do qual Bergoglio era torcedor.
Ana Aracama, uma estudante de 22 anos, veio ao templo com uma camisa do 'Ciclón'. "Fui à igreja por muitos anos, mas acabei me distanciando porque ser gay e estar na igreja é muito difícil, faz você se questionar constantemente por que está ali. Francisco fez com que eu não sentisse tanta vergonha", contou ela à AFP.
Francisco "permitiu que eu voltasse a ser filha de Deus, e não uma pecadora que iria para o inferno por ter nascido um pouco diferente", acrescentou Aracama.
- Luto nacional -
A Argentina observará sete dias de luto pela morte de Francisco, que, como líder espiritual, sempre colocou os excluídos no centro de seu discurso.
O presidente ultraliberal Javier Milei prestou homenagem àquele que foi seu antagonista e alvo de críticas. "Apesar das diferenças que hoje são menores", tê-lo conhecido "em sua bondade e sabedoria foi uma verdadeira honra", escreveu na rede X.
O craque argentino Lionel Messi e o San Lorenzo também prestaram homenagem ao papa. "Obrigado por tornar o mundo um lugar melhor", escreveu o jogador de futebol no Instagram.
Fiéis da paróquia Cristo Obrero lembraram-se de Bergoglio, que sempre frequentou os bairros mais pobres antes e durante seu arcebispado, iniciado em 1998.
A paróquia foi fundada por Carlos Mugica, referência do movimento dos "curas villeros" ("padres das favelas" ? movimento religioso e social argentino que consiste em sacerdotes que vivem e atuam em áreas de baixa renda) no Bairro 31 de Retiro.
"Sabemos do amor que ele sempre teve por nós", disse o padre Ignacio "Nacho" Bagattini, responsável pela paróquia.
"O papa vai continuar fazendo confusão lá de cima, assim como Jesus continua fazendo entre nós", acrescentou em sua missa, em frente a um enorme mural de Francisco segurando uma cuia de mate, uma infusão característica no cone sul.
O jesuíta, o primeiro papa latino-americano da história, passou 38 dias hospitalizado com uma pneumonia grave e teve alta em 23 de março.
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