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OPINIÃO

Governo Lula comete sincericídio ao projetar colapso das contas públicas

do UOL

Colunista do UOL

19/04/2025 10h51

A LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), que o governo é obrigado por lei a divulgar no segundo trimestre do ano anterior, é, quase por definição, uma peça de ficção. Baseada em uma infinidade de projeções, seus números em geral não se confirmam na realidade. Quando muito, como diz o nome, servem como diretrizes da política fiscal que o governo pretende implementar.

Encaminhada ao Congresso nesta terça-feira (15), o projeto da LDO de 2026 não fugiu ao padrão. As previsões do governo Lula para as receitas e para as despesas públicas, de acordo com a quase unanimidade dos especialistas em contas públicas, não são exatamente realistas.

Caminho do "shutdown"

Mas, desta vez, houve uma diferença — e diferença relevante. As projeções do próprio governo para a evolução das contas públicas de 2027 a 2029, anos seguintes ao do término do terceiro mandato do presidente Lula, apontam a impossibilidade de cumprimento das regras do arcabouço fiscal criado pelo próprio governo, já a partir de 2027, primeiro ano de futuro novo governo, sem mudanças e reformulações na política fiscal.

Chamou a atenção o fato de que constatação tão importante tenha sido transmitida por uma equipe técnica dos ministérios da Fazenda e do Planejamento, em evento sem a presença dos respectivos ministros Fernando Haddad e Simone Tebet, nem mesmo de secretários executivos dos ministérios, os segundos na hierarquia. Deixaram para os técnicos cometer sincericídio e confessar que, sem reformas, o arcabouço implode em 2027.

Como ocorreu com o teto de gastos implementado no governo Temer, a partir de 2017, e mantido no governo Bolsonaro, o arcabouço impõe um teto de gastos. O limite desse teto pode crescer 2,5% acima da inflação a cada ano, desde que não exceda a 70% do aumento real das receitas do ano anterior.

Há espaço para aumentos de receitas capazes de acomodar até mesmo expansão real de gastos acima de 2,5% ao ano. Basta lembrar o que o governo deixa de arrecadar com subsídios, isenções e abatimentos de impostos concedidos a setores e grupos econômicos.

Perdas de receita

É um enorme volume de recursos, que, em 2025, chega a R$ 800 bilhões, o equivalente a mais de 7% do PIB, dos quais mais de R$ 500 bilhões, ou 4% do PIB, só em benefícios concedidos pelo governo federal. Mas de nada valeria a recuperação, mesmo parcial, dessa enorme perda de receita, pois não resolve a questão dos tetos do arcabouço.

Como no teto de gastos de Temer e Bolsonaro, que permitia reajuste de despesas apenas pela inflação do ano anterior, o arcabouço fiscal de Lula também impõe um teto de gastos. Assim, nenhum aumento de receitas faria qualquer diferença para aliviar a pressão fiscal, se esse teto já tiver sido alcançado. Mesmo com maior flexibilidade do arcabouço em comparação com o regime fiscal do antigo teto de gastos, os limites para despesas, na marcha atual, e de acordo com as projeções do próprio governo, vão estourar o arcabouço a partir de 2027.

Sem mudanças na política fiscal, o colapso das contas públicas e o "shutdown" (termo do jargão fiscal para a paralisia parcial da máquina governamental) está contratado. O volume de despesas livres no Orçamento, já em 2026, seriam insuficientes, se forem consideradas as emendas parlamentares e os complementos para as despesas mínimas constitucionais destinadas à Educação e Saúde. Estima-se que o volume mínimo de recursos para manter a máquina pública em pleno funcionamento some R$ 120 bilhões, ou 1% do PIB, por ano.

Pressionadas pela expansão dos gastos obrigatórios — concentrados em Previdência, salários e encargos sociais de servidores públicos e programas sociais, como o abono salarial, que caminham para responder por 90% das despesas totais —, as despesas livres não chegariam a R$ 85 bilhões, em 2026, entrando em terreno negativo já em 2027 e chegando a um buraco de R$ 155 bilhões em 2029.

Alternativas

Algumas alternativas, isoladas ou combinadas, podem ser adotadas para fugir desse colapso. A primeira é o atual governo empurrar o problema para o próximo, não promovendo reformas, lavando as mãos e deixando a solução do problema para o próximo governo. As demais incluiriam mudanças, todas com altos custos políticos e sociais.

Uma delas é o abandono do arcabouço, com o simultâneo reforço das receitas, para acomodar despesas em aceleração. A dificuldade seria fazer passar no Congresso o aumento de carga tributária, via redução de gastos tributários, mesmo sem novos tributos e aumentos de alíquotas dos existentes. De todo modo, em algum momento, se as despesas continuassem a crescer em ritmo acima do crescimento da economia, haveria novo estouro.

Há também, como defendem economistas de viés mais ortodoxo e com interesses no mercado financeiro, o caminho do corte de gastos obrigatórios. A principal proposta, nessa linha, é a de reajustes do salário mínimo apenas pela inflação, sem ganhos reais, da extinção dos mínimos constitucionais para Educação e Saúde e da revisão ou eliminação de programas sociais. Aqui são os custos sociais que falariam mais alto e, provavelmente, imporiam restrições e limites ao ajuste requerido.

Diante de tantas restrições, a solução possível teria de combinar cortes de gastos e liberação de receitas perdidas. O ex-presidente do Banco Central e economista influente no debate de políticas econômicas, se antecipou e, recentemente, propôs manter o salário mínimo sem reajustes reais por seis anos, ao mesmo que tempo que os gastos tributários seriam cortados pela metade.

O caminho para um consenso mínimo em torno da viabilidade das medidas necessárias, pode-se prever, seria tortuoso e repleto de obstáculos.

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