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Moraes abusou em decisão sobre extradição? Especialistas opinam

O bolsonarista Oswaldo Eustáquio - Reprodução/Instagram
O bolsonarista Oswaldo Eustáquio Imagem: Reprodução/Instagram
do UOL

Do UOL, em Brasília

18/04/2025 05h30Atualizada em 19/04/2025 10h43

A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), de intimar autoridades espanholas a dar explicações após a Justiça do país europeu negar o pedido de extradição do blogueiro bolsonarista Oswaldo Eustáquio dividiu especialistas no direito internacional sobre se houve uma extrapolação do papel do Supremo ao antecipar um debate que, tradicionalmente, é feito por meio da diplomacia.

O que aconteceu

Moraes pediu explicações à embaixada da Espanha no Brasil. Essa seria a instância máxima de representação do país europeu. Ele quer saber se vale o princípio de reciprocidade entre os dois países. Diplomata, Rubens Barbosa achou que Moraes extrapolou.

O ministro suspendeu o processo de extradição de um traficante após a Justiça da Espanha negar o pedido de extradição de Eustáquio. Na decisão de anteontem, ele suspende o processo envolvendo traficante búlgaro detido no Brasil —acusado pela justiça espanhola de tráfico de drogas— até que seja esclarecido pelo governo espanhol se a decisão de não extraditar Eustáquio não compromete o princípio da reciprocidade entre os países.

Brasil e Espanha possuem um tratado de extradição bilateral, com regras para extraditar presos. Ele prevê que os dois países possam extraditar presos desde que os crimes sejam reconhecidos por ambos. Além disso, as penas aplicadas devem ser semelhantes.

Também devem ser preservados os direitos humanos do extraditado. A Espanha usou o princípio da reciprocidade em 2017, para negar a extradição de um investigado na Lava Jato que tinha cidadania espanhola.

Especialista não viu descumprimento. Para Vladimir Aras, professor da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e especialista em cooperação internacional, a decisão da Justiça espanhola não representa um descumprimento da reciprocidade. No X, ele explicou que o tratado prevê que cabe a cada país analisar se o crime pode ser considerado "delito político ou fato conexo". Procurado pela reportagem, ele não quis ampliar sua manifestação sobre o caso.

Decisão da Espanha aponta que Eustáquio poderia ser "perseguido" por suas opiniões políticas no Brasil. Essa é uma das condições previstas no tratado para negar a extradição. O pedido de extradição aponta que o blogueiro teria utilizado seus filhos menores de idade para realizar uma campanha de difamação e ataques ao delegado da PF responsável pelas investigações contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados no STF.

Pesou para a Justiça espanhola o contexto da situação de Eustáquio. Para os magistrados europeus, o blogueiro é acusado de crimes considerados "menos graves" pelo Código Penal espanhol, além de ter sido preso três vezes já no Brasil e contar com apoio da oposição ao governo Lula. A defesa de Eustáquio disse que vai usar a decisão para pedir asilo no país.

Corte espanhola viu "risco elevado" de blogueiro bolsonarista ter sua situação agravada pelas opiniões políticas. A decisão, porém, ainda não é definitiva. O Brasil pode recorrer dela na própria Justiça da Espanha.

Como a decisão espanhola fundou-se no direito vigente e está sujeita a recurso, não há razão nem espaço para retaliação ao Estado espanhol, ainda mais pela via judicial. De mais a mais, esta medida, se fosse cabível, seria de competência da Presidência da República.
Vladimir Aras, procurador regional da República e professor de direito da UFBA, em postagem em seu perfil no X

Ampliação da atuação do STF

Professor da FGV Direito, Rubens Glezer vê como normal a intimação do embaixador. Para ele, é normal o ministro pedir a manifestação de uma das partes do processo.

Ao entrar na análise da reciprocidade, porém, professor cita extrapolação da atuação. Segundo Glezer, tradicionalmente, o Supremo tem o papel de analisar se os pedidos de extradição cumprem os requisitos legais. Neste decisão, porém, ele já indica que quer discutir se está havendo a reciprocidade estabelecida em acordo entre os dois países.

Professor relaciona os dois casos e fala em moeda de troca. "A peculiaridade deste caso é a tentativa de barrar essa extradição [do búlgaro] como uma moeda de troca, um modo de barganhar a extradição do Eustáquio. Então precisamos contextualizar que a mudança não está sendo explicada pelo direito em si. O direito parece um instrumento, mas a motivação está sempre neste contexto mais amplo."

Já para a advogada Raquel Santoro, especialista em direito internacional, as extradições acabam sendo um processo político-jurídico. Para ela, é normal que as extradições acabem sendo definidas, em último caso, pelos governos locais e suas relações diplomáticas com outros países.

Por isso, o pedido de explicações de Moraes ao governo espanhol não fugiria da normalidade. Como é autor do pedido de extradição do traficante búlgaro, cabe ao país europeu demonstrar que está cumprindo os requisitos previstos no acordo, segundo a especialista.

Espanha poderia ter usado outra alternativa. Mestre em direitos humanos pela USP, a advogada Priscila Pamela aponta que a Espanha não usou uma das possibilidades previstas no tratado. O acordo bilateral prevê que um país pode consultar o outro e exigir o compromisso de que o extraditado não sofra perseguições, o que a Espanha não fez neste caso.

Este caso com a Espanha é diferente, porque existe um tratado internacional, que foi pontualmente descumprido. Essa é uma análise de reciprocidade diferente daquela que o Supremo vinha fazendo. É diferente inclusive da análise realizada nos casos citados na decisão do ministro Alexandre de Moraes. Na prática, é uma ampliação da atuação do Supremo.
Rubens Glezer, professor da FGV Direito SP e coordenador do Supremo em Pauta

A especificidade da negativa apresentada pelo Judiciário espanhol justifica o ministro Alexandre de Moraes ter ido além da mera análise jurídica apenas sobre o pedido extradição e ter pedido esclarecimentos e atuação diplomáticos no caso.
Raquel Santoro, advogada e pós-doutora em direito internacional privado

As autoridades espanholas entenderam por eventual crime político e, com base nessa exceção, afastou a extradição. Contudo, o Decreto 99.340/90 (Tratado de Extradição entre Brasil e Espanha) prevê, expressamente que, para casos que envolvam suspeita de delito político ou fato conexo, bastaria a solicitação ao país requerente, no caso o Brasil, a prestação de compromisso formal atestando que o fim ou o motivo político não seria considerado para agravar a pena.
Priscila Pamella, advogada criminalista e mestre em direitos humanos pela USP

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