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Sujeira ou abandono: como perícia no IML-Vet age para salvar pets de crimes

Scooby foi resgatado em péssimo estado e com sinais de maus-tratos - Reprodução/Instagram
Scooby foi resgatado em péssimo estado e com sinais de maus-tratos Imagem: Reprodução/Instagram
do UOL

Colaboração para o UOL, em São Paulo

18/04/2025 05h30

Casos de agressão a animais como o do cão resgatado envolto em uma crosta de 3 kg de pelos e sujeira em Fortaleza (CE) ou o da cadela espancada e morta ao tomar banho em um pet shop em Belo Horizonte (MG) impulsionam um movimento que vem ganhando força nos últimos anos: a formação, pelos estados, de equipes de perícia animal ou de Institutos Médicos Veterinários Legais.

O objetivo é realizar necropsias, exames toxicológicos e laudos técnicos que ajudem a esclarecer crimes contra animais e punir os responsáveis.

O que aconteceu

Ação de peritos veterinários ajuda a esclarecer casos de suspeita de abandono como o da atriz Letícia Sabatella. O trabalho fornece laudos sobre o estado físico dos animais e permite buscar evidências que corroborem ou refutem alegações de maus-tratos — foi o que a veterinária alegou ao dar para adoção dois cães que moravam com a atriz no Rio de Janeiro. Sabatella diz que isso foi feito sem autorização e nega violência.

Serviço é oferecido em ao menos quatro estados, e tendência é de expansão. Minas Gerais foi o primeiro a ter uma equipe focada em perícia animal, em 2020, realizado por meio de parcerias entre órgãos. Pará e Santa Catarina também contam com peritos especializados. Em 2023, Goiás recebeu seu IML-Vet, com capacidade para exames em animais vivos ou mortos. No Rio de Janeiro e no Maranhão, deputados analisam projeto de lei para seguir o mesmo caminho.

Como é o trabalho da perícia animal

Após denúncia na delegacia, equipe avalia situação antes de chamar a perícia. Se o animal está em situação de sofrimento, ele é retirado do local e levado para uma ONG parceira. "Mas, às vezes, basta melhorar as condições de higiene ou instalar telas", explica o delegado Pedro Ribeiro, da Deicfa (Delegacia Especializada de Investigação de Crimes Contra a Fauna) de Minas Gerais.

Em casos de violência ou envenenamento, os peritos veterinários entram em ação. Análises toxicológica e anatômica são feitas pelos peritos e levam cerca de uma semana.

Equipe visita o local da agressão, analisa vídeos, fotografias ou prontuários médicos e, se for o caso, realiza necropsia para definir causa da morte. Em Minas Gerais, a necropsia é feita por peritos veterinários da Polícia Civil na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), onde há mesa, refrigeradores e instrumental de patologia para a perícia. A Academia de Polícia Civil têm treinado peritos médicos veterinários aprovados no concurso da Polícia Civil para aumentar a demanda.

Cachorro, gato e cavalo são principais alvos; pauladas, chutes, tiros e envenenamento são comuns. É o que explica a perita criminal Flávia Armani, do Instituto de Criminalística de Minas Gerais.

Já teve caso de jogarem carne com caco de vidro. É a miséria humana. Não é só para o animal morrer, mas sofrer.
Delegado Pedro Ribeiro

Brumadinho mostrou urgência

Tragédia de Brumadinho, em 2019, evidenciou necessidade de serviço veterinário especializado. Cada animal precisava ser georreferenciado, fotografado e identificado pela espécie. "Se parte dos animais atingidos pela catástrofe é ameaçada de extinção, a pena aumenta", afirma Armani, que gerenciou as ações dos peritos criminais no desastre.

"Ninguém sabia, a princípio, o que fazer com os animais mortos", diz a perita. "Foi preciso criar um hospital para os vivos e um frigorífico para guardar os corpos. Foi montada uma grande estrutura, que gerou um documento nacional do Conselho Federal de Veterinária de resgate de animais", afirma. Desde então, ela diz que percebeu uma maior cobrança da sociedade e preocupação dos órgãos em estruturarem a perícia para nestes casos. "Cada vez mais somos cobrados para a realização de exames dessa natureza."

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Pitbull Sansão
Imagem: Reprodução/Instagram
Pitbull Sansão - Reprodução/Instagram ()

Estrutura para perícia em animais de Minas foi criada um ano depois, a partir de outro caso: a tortura de um pitbull. O animal, de 2 anos, foi amordaçado com arame farpado e teve as duas patas traseiras decepadas na região metropolitana de Belo Horizonte.

O caso resultou também na aprovação da Lei Sansão. A lei federal que leva o nome do cão tornou mais severa a pena em casos de maus-tratos a cães e gatos: reclusão de 2 a 5 anos, multa e proibição de ter animais. Em caso de morte, a pena aumenta em até um terço. O agressor de Sansão levou multa por prática de maus-tratos contra outros 13 animais que eram de sua responsabilidade, totalizando cerca de R$ 19 mil. Para outros animais, praticar abuso, agressão, mutilação e até experimentos cruéis resulta numa pena de 3 meses a 1 ano de detenção e multa, de acordo com lei de 1998.

Perícia gerou reviravolta em caso de morte em massa de pets

Em 2020, peritos solucionaram a morte de 69 cães em um lar temporário. Os animais morreram durante a transição para outro local. Foram três dias fazendo necropsia de 59 cães, e a equipe concluiu que os responsáveis, no início considerados vítimas, eram os suspeitos, diz Armani. A perícia mostrou que parte dos cães morreu sufocada no caminhão-baú usado para o transporte. Os que sobreviveram, receberam chumbinho para maquiar a negligência e responsabilizar outras pessoas.

Perícia já inocentou acusado de envenenar os cães de vizinho. Os animais morreram da mesma forma, mas em tempos diferentes. Os peritos descobriram que houve torção gástrica, uma doença grave que provoca dilatação no estômago e não tem relação com envenenamento.

Violência doméstica é contexto de muitos casos, diz delegado. Ribeiro, da Deicfa, explica a chamada "teoria do elo": quem maltrata animais tem maior propensão a agredir vulneráveis. "O agressor ataca o cachorro para intimidar a mulher ou a criança", afirma.

Especialistas orientam: é preciso denunciar. Retirar o animal do local e colocar para a adoção não é suficiente. "Tem que acionar a polícia. Após a perícia verificar a materialidade, a própria polícia ou a prefeitura tomará as providências. Essa não é uma responsabilidade da pessoa física", afirma Armani. As denúncias podem ser feitas pelo telefone 181.

Em MG, denúncias aumentaram mais de 70% em quatro anos. Os registros de maus-tratos no estado passaram 2.538 em 2020 para 4.531 em 2024, segundo a Secretaria de Segurança Pública de Minas Gerais. Neste ano, os meses de janeiro e fevereiro houve 960 ocorrências, contra 722 no ano passado —a pasta informa que os dados relativos a este ano são parciais e podem ser modificados.

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