Trump x Harvard: os motivos da briga e como universidade 'peita' presidente
O governo do presidente Donald Trump e a Universidade Harvard, a mais antiga e prestigiada dos EUA, estão em um impasse que ameaça não só a autonomia da instituição de ensino superior, mas a liberdade de pensamento e os avanços nas pesquisas de ponta no país.
O que Trump quer de Harvard?
Departamento de Educação do presidente congelou US$ 2,3 bilhões (R$ 13,5 bilhões) de recursos destinados à universidade. Apesar de Harvard ser uma instituição privada, o governo federal paga por bolsas de pesquisas e contratos dos quais se beneficia indiretamente. Eles custeiam inovações médicas e científicas.
Medida é tentativa de Trump de obrigar instituições de prestígio a se alinharem à sua agenda política. Esta é a sétima ordem do tipo; ele já havia feito o mesmo com a tradicional Universidade Columbia, em Nova York, por exemplo. Em março, o governo Trump prometeu revisar cerca de US$ 256 milhões (R$ 1,5 bi) em contratos e subsídios federais em Harvard, e mais US$ 8,7 bilhões (R$ 51,1 bi) em compromissos de subsídios plurianuais.
Em carta à universidade, o governo Trump detalhou exigências para voltar a receber os financiamentos. O texto afirma que "Harvard falhou em corresponder às expectativas intelectuais e às condições de direitos civis que justificam o investimento federal". Entre as medidas que deverão ser implementadas a partir de agosto de 2025 (e até, pelo menos, o fim de 2028) estão:
- Reformas de lideranças da universidade: "dando poder" a professores "comprometidos com as mudanças descritas na carta";
- Reforma de contratações baseadas em mérito: é exigido que acabem medidas de diversidade e inclusão de minorias raciais, étnicas, religiosas, de gênero ou nacionalidade
- Reforma da admissão de alunos internacionais: governo quer que universidade não aceite mais alunos "hostis aos valores norte-americanos", como aqueles considerados apoiadores de antissemitismo. Trump já deportou estudantes de outras instituições que defendem a integridade de território para a Palestina e pedem o fim da guerra em Gaza. Esta reforma exigiria que Harvard denunciasse comportamentos de estudantes internacionais ao Departamento de Estado e Segurança Nacional.
- "Diversidade de pontos de vista": Trump elimina a autonomia educacional de Harvard ao proibir a aplicação de testes considerados "ideológicos" para a contratação de professores e funcionários ou para admissão de alunos e exige que haja reforma de cada departamento para que possa incorporar quantidades iguais de membros de opiniões distintas. O texto é deliberadamente vago e pode dar abertura para uma obrigatoriedade de declaração de aliança político-partidária de alunos e professores.
- Reforma de disciplina: também são exigidas mudanças no processo de investigação e punição de estudantes que quebram regras no campus e cobra o fim de clubes e associações estudantis pró-palestinos.
- Reforma de programas educacionais "antissemitas": o texto lista uma série de institutos e departamentos da universidade cujos projetos acadêmicos devem ser alterados. Entre eles estão os estudos de Oriente Médio, direitos humanos, cultura e línguas orientais, religião, saúde pública, as faculdades de medicina, direito, educação e a Kennedy School, que ensina política e administração pública.
- Reforma para proteção de "dedo-duros": a carta ainda cobra que aqueles que delatarem ao governo federal quaisquer violações destas exigências estejam protegidos de "ações adversas" ou sanções da universidade.
- Exigência de relatórios e monitoramento: a universidade terá que manter o governo atualizado a respeito destas cobranças, ainda de acordo com o documento.
Harvard não se curvou à vontade de Trump
A universidade perde muito dinheiro com a medida, mas é a mais rica dos EUA. Harvard possuía um fundo de US$ 53,2 bilhões (R$ 312,5 bi) ao fim de 2024. O dinheiro vem de doações de 14.600 fontes diferentes, como ex-alunos, pais e amigos. Em comparação, o custo de operação da universidade foi de US$ 6,4 bilhões (R$ 37,6 bi) em 2024.
Além disso, Harvard recebe dinheiro das altas mensalidades pagas por alunos. Apenas um aluno de graduação contribui, ao ano, com cerca de US$ 86 mil (R$ 505 mil). O relatório financeiro da instituição indica que o governo injeta 11% dos gastos anuais, pagando por pesquisas.
Presidente da universidade afirmou que exigências de Trump "representam uma regulação governamental direta das condições intelectuais em Harvard". Ele afirmou que as exigências de auditar os pontos de vista de alunos, professores e funcionários para "reduzir o poder" de alguns por causa de suas opiniões ideológicas não foram aceitas. O time de advogados da universidade enviou sua recusa ao governo.
A universidade não vai entregar sua independência ou abrir mão de seus direitos constitucionais. A instrução do governo vai além do poder federal. [...] Ela ameaça nossos valores como uma instituição particular dedicada à busca, produção e disseminação de conhecimento. Nenhum governo, não importa de qual partido está no poder, deveria ditar o que universidades privadas podem ensinar, quem eles podem aceitar ou contratar e quais áreas de estudo ou pesquisa podem perseguir.
Alan M. Garber, presidente da Universidade Harvard, em carta aberta.
Universidade afirmou que leva a sério o dever moral de lutar contra o antissemitismo e que já toma medidas para lidar com o problema no campus. O presidente ainda se comprometeu a seguir combatendo a questão, mas garantiu que o corpo discente respeita o direito à liberdade de expressão, desde que protestos aconteçam em horários e locais que não perturbem as aulas.
Garber ainda acredita que o congelamento arrisca "a saúde e bem-estar de milhões", além da "segurança econômica e vitalidade" dos EUA. Cortes impactam o desenvolvimento de tratamentos para Alzheimer, Parkinson, diabetes, avanços em inteligência artificial, engenharia e física quântica.