Oposição quer apurar se direitos humanos de presos do 8/1 foram violados

Se foragidos presos pelos ataques dos Três Poderes reclamam das condições das carceragens na Argentina, o líder da Oposição na Câmara, Luciano Zucco (PL-RS), representante da direita bolsonarista, conseguiu aprovar, no Brasil, uma subcomissão para "fiscalizar, 'in loco'" denúncias de violações de direitos humanos no sistema penitenciário brasileiro contra presos do 8 de Janeiro.
A subcomissão — que ficará vinculada à Comissão de Segurança Pública da Câmara — terá 12 titulares e deve começar a funcionar após os líderes partidários indicarem os membros.
No requerimento, Zucco disse que mais de 150 presos por causa dos ataques de 8 de janeiro recebem "tratamento discriminatório de privação deliberada de direitos fundamentais na execução penal, nucleares à garantia da dignidade da pessoa humana, como se constituíssem categoria de presos de menor valor dentro do sistema penal, categorizados como inimigos e por isso destinatários de tratamento ultrajante e humilhante".
Segundo a assessoria de Zucco, a comissão avaliará se as condições dos demais presos nas mesmas instalações prisionais serão analisadas.
A iniciativa da Oposição contou com apoio da Asfav, a associação de familiares dos investigados pelo 8/1. A entidade fez relatórios que mostram situações de perigo à saúde dos detentos. A associação listou 20 casos considerados mais graves.
Zucco também mencionou o caso do empresário Cleriston "Clezão" Cunha, 46, que "morreu em decorrência de mal súbito dentro do presídio da Papuda, mesmo já tendo recebido parecer favorável do Ministério Público Federal para transferência ao regime domiciliar". Segundo sua família, ele tinha uma doença hereditária que foi desencadeada pela covid-19, a vasculite na aorta, uma inflamação nos vasos sanguíneos.
O principal temor é com a possibilidade de morte de mais um presidiário do grupo. As preocupações recaem sobre a saúde de Jorge Luiz dos Santos, 60, de Conselheiro Lafaiete (MG). Pastor condenado a 17 anos por tentativa de golpe de Estado, associação criminosa e outros crimes, ele está preso na Papuda, em Brasília. O caso também foi descrito pela Asfav, que embasou o requerimento de Zucco para criação da subcomissão.
Um laudo da Secretaria de Administração Penitenciária do DF diz que ele precisa de uma cirurgia no coração e que deve se recuperar da operação fora da cadeia (veja mais abaixo).
"O médico do presídio disse que ele tem uma bomba relógio no peito", afirmou a universitária Luísa Cunha, 21, filha de Clezão. "Eu temo muito por isso. É muito idêntico o caso", disse ela, que participa de movimentos para soltura de presos do 8/1 por questão de direitos humanos e por acreditar que eles são inocentes.
Em 18 de outubro de 2024, Guilherme Modtkowski, médico do SUS que atende presidiários na Papuda, afirmou em relatório que Santos "possui como comorbidades hipertensão arterial sistêmica e crises de hemorroida, as quais estão em acompanhamento na unidade de saúde".
Baseada em relatório do médico Gilberto Vidal feito em 2023, a Asfav afirma que Santos "tem hemorroida interna nível quatro e necessita de cirurgia". A entidade também diz que ele possuiria "hipertensão arterial grave" e "sopro cardíaco de grau 6, o que faz com que sua pressão não seja controlada por medicamentos".
Em dezembro passado, a PGR (Procuradoria-Geral da República) pediu que a Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal apresentasse um laudo feito por uma junta médica para avaliar melhor a situação dele. O laudo ficou pronto em 25 de fevereiro e deve ser anexado ao processo nesta semana.
O médico legista Marco Egberto Brasil, da secretaria, afirmou que Santos "apresenta uma condição cardíaca que requer monitoramento e intervenção cirúrgica para correção da valva mitral, dada a gravidade da insuficiência mitral".
Sendo realizada a cirurgia cardíaca, o ambiente prisional não é adequado para o período de recuperação pelos cuidados contínuos e riscos de complicações pós-cirúrgicas, como infecção.
Marco Egberto Brasil, médico legista do GDF, em laudo
Apesar disso, a PGR afirmou ontem que Jorge dos Santos deve ser tratado na cadeia e sair apenas para fazer a cirurgia. Os relatórios da penitenciária "não alertaram da impossibilidade de acompanhamento médico na unidade prisional", escreveu o procurador Paulo Gonet. O PGR disse ainda que o relatório não afastou a possibilidade de o pastor se recuperar no próprio hospital onde fará a cirurgia.
Gonet defendeu outra avaliação médica após a operação do coração, para a definição do "ambiente recomendado" para o pós-cirúrgico.
A advogada Carolina Siebra disse ao UOL hoje que a lei garante a dos Santos a prisão domiciliar humanitária. "Esse senhor vai morrer, e a culpa vai ser deles [PGR]", afirmou ela, ao comentar sobre o parecer de Gonet.
Mais de 17 mil presos morreram nas cadeias em dez anos
A falta de condições humanitárias nas prisões brasileiras não é exclusividade dos bolsonaristas. Entre 2013 e 2023, o Brasil teve 17 mil mortos em presídios —- um deles era Cleriston Cunha. De 2018 a 2022, metade das vítimas morreu com menos de 48 anos de idade.
Carolina Siebra, advogada da Asfav, avalia pedir auxílio aos mutirões carcerários do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para o caso de Jorge Santos e de outros condenados presos pelos ataques aos Três Poderes.
O CNJ informou ao UOL que os mutirões carcerários não atingiram os investigados pelo 8/1, porque eles não trataram de processos em tribunais superiores. A instituição não informou se os próximos mutirões vão incluir detentos vinculados a processos em tribunais superiores.
Em 2008, o CNJ iniciou os mutirões para verificar denúncias de violações aos direitos humanos no país. No final do ano passado, o conselho fez um mutirão, no qual um dos critérios foi determinar a soltura ou prisão domiciliar de pessoas com prisão preventiva e sem condenação há mais de um ano — uma das queixas dos advogados dos acusados por tentativa de golpe em 8 de janeiro.
Em janeiro, o ministro do STF Gilmar Mendes determinou que o CNJ faça mutirões para colocar em prisão domiciliar mulheres presas que sejam mães de crianças menores de 12 anos.
No final de março, o relator dos processos sobre golpe de Estado no STF, ministro Alexandre de Moraes, mandou uma mulher - que tem filhos - conhecida por pichar a estátua da Justiça na praça dos Três Poderes com batom para cumprir pena em sua casa.
Ataques aos Poderes
Em 8 de janeiro de 2023, mais de 6000 pessoas que haviam chegado a Brasília em ônibus se aglomeraram em frente ao QG do Exército - onde se reuniam militantes do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), insatisfeitos com a derrota dele nas eleições. Dali, partiram para a Esplanada, derrubaram as barreiras da Polícia Militar e invadiram os prédios dos Três Poderes, provocando quebra-quebra. A Polícia Federal e o Ministério Público os acusaram de agir para tentar um golpe de Estado e reverter o resultado das eleições.
Os investigados e a Asfav dizem que não se tratou de tentativa de golpe de Estado, mas apenas de vandalismo. A associação também afirma que nem todos teriam cometido crimes patrimoniais e que as penas, algumas de 17 anos, seriam "duríssimas".
Jair Bolsonaro, militares e aliados deles foram denunciados por liderar uma organização criminosa que tentou dar um golpe de Estado e tirar Luiz Inácio Lula da Silva (PT) do poder logo no início de seu mandato.