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'Tudo 2, tudo 3': emojis viram código secreto de PCC e CV nas redes sociais

Comunicados supostamente ligados a grupos criminosos nas redes sociais - Reprodução/Redes sociais
Comunicados supostamente ligados a grupos criminosos nas redes sociais Imagem: Reprodução/Redes sociais
do UOL

Do UOL, em São Paulo

14/04/2025 05h30

Uma mudança no perfil das lideranças de facções criminosas promoveu uma série de transformações no organograma do crime organizado, criando códigos, gestos e até comportamentos nas redes sociais. Em comunidades na internet, membros de grupos utilizam emojis com significados próprios.

O que aconteceu

Emojis foram adotados por facções para identificação nas redes sociais. É difícil precisar o que realmente foi estipulado pelo crime ou surgiu a partir da cultura de símbolos das redes sociais. Mas segundo o OSP (Observatório da Segurança Pública da Unesp), essa produção simbólica das organizações está fortemente ligada às culturas locais e regionais de seus territórios e realidades e a necessidade de demonstrar poder na internet.

Ao redor do Brasil, com a existência de dezenas de organizações, muitos emblemas se popularizaram. Facções criminosas adotaram gestos e sinais como uma forma de identificação dos grupos, por vezes criando símbolos, por vezes adotando outros já usados por comunidades em redes sociais.

Práticas de pessoas envolvidas com o mundo do crime podem ser semelhantes com práticas e saberes de culturas de jovens, de periferias e de outros recortes sociais, segundo Eduardo Dyna, cientista social e membro do OSP. Portanto, pode haver conexão entre os dois mundos, mas a utilização de determinados símbolos não necessariamente significa que uma pessoa tenha envolvimento com práticas criminosas.

O UOL visitou fóruns nas redes sociais, grupos no Telegram e conversou com fontes ligadas ao tema. Com o levantamento é possível inferir que alguns dos emojis são utilizados por integrantes de grupos criminosos na internet, contudo, nem sempre o uso destes sinais está relacionado ao crime, já que eles são públicos e compartilhados por usuários de redes sociais no mundo todo, muitas vezes com significados distintos para grupos diferentes.

Os emojis

O Primeiro Comando da Capital costuma ter atuação mais discreta na internet, contudo, também carrega seus símbolos. Nas redes, o OSP aponta que a bandeirinha branca, que remete ao lema "paz, justiça e liberdade" e o símbolo de Yin-Yang, que representa o bem e o mau, costumam ser usados nos "salves" digitais. A depender do grupo coligado ao PCC, o sinal com três dedos também é utilizado.

Comando Vermelho costuma usar o número dois. Nas redes sociais, a maior facção carioca usa a bandeirinha vermelha, referente ao próprio nome, o 2, de "tudo 2", e o emoji das mãos fazendo paz e amor.

emojis - Reprodução/Redes sociais - Reprodução/Redes sociais
Mensagens ligadas ao CV nas redes sociais
Imagem: Reprodução/Redes sociais

O Terceiro Comando Puro, facção criminosa com atuação no Rio de Janeiro, costuma dizer nos seus comunicados que está "tudo 3". Três é de terceiro, que também virou ícone dos informes nas redes sociais com os emojis com três dedos erguidos. Em áreas específicas de controle do TCP no Rio, como áreas controladas pelo traficante Peixão, costuma-se ter como símbolo a bandeira de Israel — que dá nome ao complexo controlado pelo homem mais procurado da facção.

Na Bahia, a facção Bonde do Maluco, BDM, também costuma usar o "tudo 3", já que por tempos foi considerado um grupo de coalizão com o TCP. Por lá, o BDM costuma usar o três em formato de Rock and Roll.

Milícia costuma usar como metáfora uma bandeira preta e o desenho de uma caveira. Tem quem goste de falar que está tudo 5 — usando o emoji de uma mão com todos os dedos. O UOL apurou que a referência é ao 5.5, um sinal que significa "tudo tranquilo", que foi herdado de códigos militares em transmissões via rádio, em que o primeiro cinco significa "alto" e o segundo "claro".

O ADA, ou "Amigo dos Amigos", outra facção com atuação no Rio de Janeiro, costuma usar o "L". O símbolo é uma referência a um dos fundadores da facção, chamado de Paulo César Silva dos Santos, conhecido como Linho. Na campanha presidencial de 2022, circulou um boato que traficantes faziam o símbolo com as mãos em referência ao então candidato Lula. Contudo, a informação era falsa. O ADA surgiu a partir de uma dissidência do CV e do TCP no final da década de 90.

Confira os emojis símbolo dos grupos:

emojis - Arte UOL - Arte UOL
Emojis adotados por grupos criminosos nas redes sociais
Imagem: Arte UOL

Como se tratam de movimentos em redes sociais, novos símbolos surgem ou deixam de ser usados constantemente. Há, também, ícones utilizados apenas em regiões específicas, como bandeiras de países e silhuetas de animais. Em áreas controladas pelo CV, por exemplo, membros fazem menção ao urso, apelido de Edgar Alves, tido como um dos líderes da facção. Em áreas de controle do TCP, utiliza-se o emoji do peixe, em referência ao Peixão, apontado pela polícia como um dos cabeças do grupo.

Disputas ideológicas

Disputas geopolíticas e ideológicas entre as facções podem explicar o apego aos símbolos e o aumento da violência por conta disso. Ao UOL, o investigador da Polícia Civil da Bahia que atua em operações especiais contra organizações criminosas, Douglas Pithon, narrou que lideranças mais jovens são mais propensas a defenderem símbolos, explicando que há uma questão de "ego" entre os grupos.

Criam (o símbolo) com o intuito de envolver a sociedade no conluio da prática criminosa, nessa ideologia dos sinais. Tem o símbolo, tem a facção e tem a comunidade. Eu já cheguei a ouvir de morador, que é trabalhador, que em tal lugar é 3: 'aqui é tudo 3'. O cara é trabalhador, mas tem que se adaptar para não sofrer consequências.
Douglas Pithon, investigador da Policia Civil da Bahia

"Cortina de fumaça"

A discussão em torno dos símbolos nas fotos e a falsa ligação de inocentes com facções pode acabar escondendo um grande problema: o poder desses grupos criminosos. Ao UOL, Ana Gabriela Ferreira, professora de Direito Penal e Criminologia da UEFS (Universidade Estadual de Feira de Santana), explica que a questão em torno da simbologia não pode ser ignorada, mas que o Estado deve atuar nas causas reais da guerra do tráfico.

Parece ser um fenômeno recente, uma onda. As redes sociais têm muito impacto nisso, na busca desses gestos, mas também pelas divulgações dos próprios crimes. A divulgação potencializa essa sensação de insegurança. Nós não temos certeza sobre os gestos que saem gerando os homicídios. O que acontece é que temos muito receio de tudo isso que está gerando essa onda de homicídios, e as disputas são reais. Tudo que está associado a essa disputa acaba sendo muito assustador.
Ana Gabriela Ferreira, professora de Direito Penal e Criminologia na UEFS (Universidade Estadual de Feira de Santana)

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