'Febre' entre crianças, hidratante labial é alvo de boatos; ele é seguro?

Você já deve ter reparado que hidratantes e brilhos labiais tomaram conta de farmácias e lojas de cosméticos. São produtos com embalagens que estampam personagens, marcas de balas de goma e até cantoras e que viraram febre entre crianças e adolescentes.
Mas grupos de pais no WhatsApp ficaram preocupados com o uso recorrente após boatos de que esses hidratantes poderiam aumentar risco de câncer e até problemas endocrinológicos. As alegações partiam do pressuposto de que muitos desses produtos têm petrolato na sua composição.
Esse ingrediente é um derivado do petróleo e amplamente utilizado na indústria de cosméticos por suas propriedades emolientes. Outra vantagem que faz o petrolato ser muito usado em cosméticos é que ele forma uma espécie de barreira protetora na pele que impede a perda de água, o que prolonga a hidratação, ou seja, ele não hidrata a pele ativamente, mas evita a perda de água e o ressecamento.
Mesmo sendo bastante comum, talvez você nunca tenha visto o termo em algum rótulo. Isso porque o petrolato pode aparecer em outras formas, como parafina, parafina líquida, vaselina, petrolatum e óleo mineral, entre outras variações.
Segundo Marjorie Uber, especialista membro do Departamento Científico de Dermatologia da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria), a principal vantagem do petrolato é sua segurança, já que ele é inofensivo para a pele humana e não causa alergias.
O problema ocorre quando, durante o processo de refino do petrolato, ocorre a contaminação por hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, ou HPA, estas sim substâncias consideradas potencialmente cancerígenas.
Algumas pesquisas sugerem que os HPA também poderiam atuar como desreguladores endócrinos. "Eles são substâncias químicas que confundem o nosso corpo, imitando, bloqueando ou atrapalhando a ação dos hormônios que regulam funções importantes no nosso organismo", explica o endocrinologista pediátrico Luiz Claudio Castro, professor do Departamento de Pediatria da UnB (Universidade de Brasília) e membro da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia).
Isso quer dizer que, em contato com essas substâncias, o corpo poderia apresentar distúrbios do crescimento, da puberdade, ganho de peso e até problemas de fertilidade. Nesse sentido, a preocupação é maior durante a infância e adolescência, quando a pele é mais sensível e permeável do que a dos adultos.
"Indivíduos nessa faixa etária são particularmente suscetíveis à ação dos desreguladores endócrinos porque nesse período existe muita atuação do sistema endócrino no desenvolvimento e qualquer interferência podem trazer consequências", explica Maria Izabel Chiamolera, pesquisadora do Laboratório de Endocrinologia Molecular e Translacional da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e membro da SBEM.
Pensando nisso, a União Europeia, por exemplo, pede que os fabricantes que utilizam petrolato em seus produtos comprovem que o processo de refinamento é seguro. "O risco real disso [contaminação por HPA] em cosméticos é muito baixo devido aos processos modernos de refino", diz Uber.
No Brasil, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) exige testes para garantir essa segurança. Em resposta enviada ao VivaBem, a agência afirmou que, de acordo com a RDC 529/2021, "para que ocorra a utilização do petrolato como ingrediente cosmético, deve-se comprovar o conhecimento de todos os antecedentes de sua refinação e que a substância, a partir da qual foi produzida, não é cancerígena."
Então é seguro usar produtos com petrolato?
Sim. Se o petrolato foi produzido dentro dos padrões de qualidade e segurança e idealizados para uso humano, ele é seguro para o uso mesmo em crianças e adolescentes, "desde que usado corretamente e com produtos de marcas reconhecidamente confiáveis", pondera Castro.
O problema real em torno do petrolato é ambiental, já que a substância é obtida a partir de uma matéria-prima não renovável (petróleo) e pode levar muitos anos para se decompor no ambiente, contribuindo para a poluição de rios e solos.
É por esse motivo que muitas marcas de beleza veganas e/ou adeptas do "clean beauty" não utilizam mais o ingrediente em seus produtos e o substituem por ativos como óleos e manteigas vegetais.
Cuidados que os pais devem ensinar
O perfume utilizado nos hidratantes labiais é uma mistura de substâncias não detalhadas no rótulo para o consumidor, impedindo a sua avaliação objetiva. Corantes e conservantes também são ingredientes que podem aparecer nessa categoria de produto com frequência.
"Então, não sabemos se existe algum desses produtos. Se for optado pelo uso, o ideal é que não seja diário, porque a exposição crônica também pode ser pior", alerta Chiamolera.
Como falamos, a pele de crianças e pré-adolescentes é mais permeável e suscetível a irritações e alergias. Por isso, é sempre importante priorizar o uso seguro e consciente de qualquer produto cosmético.
Isso significa, por exemplo, ensinar desde cedo a importância de se escolher produtos testados dermatologicamente e próprios para a faixa etária. "Cosméticos voltados ao público infantil e adolescente tendem a ter formulações mais suaves, com menor risco de alergias", afirma Daniel Coimbra, coordenador do Departamento de Cosmiatria da SBD (Sociedade Brasileira de Dermatologia).
Ele recomenda que o uso de itens de maquiagem seja feito de forma gradual e apenas em ocasiões especiais, e que os pais se lembrem de ensinar a importância de hábitos de higiene, como retirar os produtos do rosto antes de dormir e não compartilhar itens com os colegas para evitar contaminações.
Em caso de alergia, os sintomas mais comuns são vermelhidão, coceira, descamação, ardência, inchaço ou aparecimento de pequenas bolhas na pele logo após o uso do produto. A recomendação é suspender o uso do produto imediatamente e, se os sintomas persistirem por mais de 24 ou 48 horas, ou se houver piora progressiva, é fundamental procurar orientação médica.
"Crianças com histórico de alergias, dermatite atópica ou pele sensível devem ter ainda mais cautela no uso de cosméticos", complementa o especialista.
O que dizem as marcas?
O VivaBem entrou em contato com algumas marcas de hidratantes e brilhos labiais com foco em crianças e pré-adolescentes.
A Carmed, marca de hidratantes labiais da farmacêutica Cimed, afirmou em nota à reportagem (veja íntegra abaixo) que "os petrolatos, quando utilizados em sua forma altamente refinada, tal como se observa em todos os produtos Carmed, são ingredientes seguros e bem tolerados". A empresa também afirmou que, ao tomar conhecido dos vídeos publicados que citavam a marca Carmed, notificou extrajudicialmente os profissionais por disseminarem informações falsas sobre seus produtos. Após esse contato, os vídeos foram retirados do ar.
A Vizzela, marca de skincare que se descreve como "100% brasileira, vegana e cruelty free" e que possui uma linha de brilhos labiais voltados para crianças, disse que não utiliza o petrolato em suas fórmulas, mas que faz uso de outro derivado de petróleo aprovado pela legislação brasileira para uso em cosméticos. "A linha Vizzela Kids possui todos os testes de segurança necessários e registros indicados para o uso infantil. Para crianças, recomendamos o uso de nossos produtos sob a supervisão de um adulto, sempre atentos a qualquer sinal de irritação", respondeu a marca, por meio de sua assessoria de imprensa.
A Nivea, que possui uma linha de hidratantes labiais em collab com a Disney, afirmou que não possui petrolato em suas fórmulas, mas não respondeu aos questionamentos da reportagem.
O Boticário, que possui a linha Sophie de produtos infantis (como perfumes e maquiagem), não respondeu aos questionamentos da reportagem. O espaço segue aberto.
"Posicionamento Cimed - Carmed | Petrolato
A Cimed reforça que os petrolatos, quando utilizados em sua forma altamente refinada, tal como se observa em todos os produtos Carmed, são ingredientes seguros e bem tolerados. As revisões sistemáticas, dados toxicológicos e evidências clínicas indicam ausência de efeitos carcinogênicos, mutagênicos, reprodutivos ou endócrinos atribuíveis ao petrolato em condições normais de uso, e desde que sejam eliminadas impurezas nocivas, o que é garantido dentro do processo produtivo.
Além disso, todos os produtos da Cimed são submetidos a rigorosos testes de segurança e eficácia antes de sua comercialização, especialmente aqueles cuja
utilização também é estendida ao público infantil, como é o caso de Carmed. Importante ressaltar, ainda, que essa utilização é referendada pela ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que em âmbito nacional, autoriza a utilização de petrolatos nos moldes estabelecidos pela RDC 529/2021, norma essa seguida pela Cimed. Outros órgãos sanitários mundiais como FDA (Agência americana responsável pela regularização de cosméticos) / Agência Europeia de cosméticos - ECHA2, também referendam o uso de petrolatos em produtos cosméticos.
A Cimed tomou conhecimento de vídeos publicados por profissionais da saúde em seus perfis no Instagram abordando o tema, entretanto, por conterem informações inverídicas acerca de seus produtos, a Cimed notificou extrajudicialmente referidos profissionais, os quais, de pronto, reconhecendo o direito da Cimed, removeram os referidos vídeos de circulação.
A Cimed tem se deparado com um número crescente de autointitulados 'influenciadores digitais' (curiosamente, profissionais de saúde) que, com o escuso intento de viralizar vídeos, angariar seguidores e, via reflexa, obter ganho financeiro, divulgam inverdades acerca de seus produtos. Tais condutas não serão toleradas e serão tratadas com o rigor necessário e legalmente aplicável."