Preso pela ditadura será indenizado pela União: 'Me jogaram nu em uma cela'

A União foi condenada a indenizar em R$ 60 mil um homem que foi preso e torturado na ditadura militar. A decisão da 24ª Vara Federal do Rio de Janeiro é de 27 de fevereiro.
O que aconteceu
Luiz Carlos de Sousa Santos, 81, foi perseguido, preso e submetido a torturas físicas e psicológicas durante o regime militar (1964-1985). Anistiado politicamente, ele entrou na Justiça pedindo indenização por danos morais. O pedido inicial era de R$ 500 mil, mas a Justiça fixou o valor em R$ 60 mil.
Economista, Luiz Carlos foi integrante do MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro). O grupo guerrilheiro que atuou contra a ditadura ficou conhecido pelo sequestro do embaixador dos EUA, Charles Elbrick, em 1969, e por assaltar bancos para financiar suas atividades. Com a forte repressão do regime, muitos de seus membros foram presos, torturados e mortos.
Ele ficou preso entre 1969 e 1973, período em que sofreu torturas físicas e psicológicas. Uma das prisões por onde passou foi a base naval da Ilha das Flores, em São Gonçalo (RJ), um dos principais centros de repressão do regime. Depois, foi levado para Ilha das Cobras e para Ilha Grande. Libertado, continuou sendo vigiado e perseguido pelo governo até, pelo menos, 1979.
Em entrevista ao UOL, ele relata como foi sua prisão e as torturas que sofreu:
Chegaram na minha casa e arrombaram tudo, roubaram tudo. Ficamos apenas com a roupa do corpo. Nos levaram presos para a Polícia Federal, onde começaram as torturas: pau de arara, choques elétricos, palmatória. Fiquei nu e depois me jogaram em uma cela, sem comida, por uma semana
Minha esposa, Zileia, também foi presa. Passou dois anos encarcerada. Trabalhava na reitoria da Universidade Federal Fluminense. Também sofreu danos morais
O economista lamenta o impacto da prisão na sua vida profissional.
Tive um apoio muito grande dos meus amigos, mas venho de uma família pobre. Meu pai era operário e, quando fui preso, eu trabalhava em um escritório de construtora e em uma consultoria. Mas a prisão interrompeu tudo.
Hoje morando no Rio de Janeiro, Luiz Carlos celebra a vitória na Justiça.
Apesar de os danos sofridos serem irreparáveis, essa decisão representa algo. De certa forma, estou satisfeito, porque consegui retomar minha vida como economista depois de 1973. Atuei no Sebrae e encerrei minha trajetória no Ipea
Ele destaca o fato de muitas famílias nunca terem descoberto o paradeiro de parentes mortos na ditadura.
Há famílias que sequer sabem onde estão os corpos de seus entes queridos, como no caso de Rubens Paiva. Ele não foi o único
Os advogados do economista vão recorrer para tentar aumentar o valor da indenização.
Embora o prazo prescricional de ações contra a União seja de cinco anos, a decisão é importante por reafirmar a jurisprudência que está se construindo nos tribunais de que as ações de indenização pelos danos perpetrados pelo Estado brasileiro durante a ditadura empresarial-militar não prescrevem, por se tratarem de violação de direitos humanos perpetrada durante regime de exceção.
Maria Isabel Tancredo, advogada de Luiz Carlos
A advogada também destacou a dificuldade de mensurar os impactos sofridos por ex-presos políticos. "A quantificação desses danos é desafiadora, mas o que se busca demonstrar é a devastação na vida do preso ou perseguido político e de sua família. Desde a perseguição por órgãos estatais, o medo constante, o exílio, até as prisões, torturas e violências. Tudo isso é grave e precisa ser considerado para fixação de justa indenização."
Para Maria Isabel, o caso de Luiz Carlos é um entre muitos que aguardam reparação. "Ainda há muitas vítimas e famílias que seguem sem ressarcimento. É um dever do Estado e da sociedade reparar esses danos, reconhecendo a sua gravidade, para que se reafirmem os valores democráticos e de dignidade. Ditadura nunca mais."