De olho em 2026, Bolsonaro reúne militância no Rio para defender anistia
Inelegível até 2030, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) vai reunir sua militância pela primeira vez neste ano na praia de Copacabana, no Rio. O ato ocorre neste domingo.
O que aconteceu
O slogan oficial é a defesa da anistia, mas o evento tem um objetivo que remete ao passado e outro ao futuro. Será a primeira manifestação desde que Bolsonaro foi denunciado pela PGR (Procuradoria-Geral da República) por tentativa de golpe de Estado.
A anistia é a parte do evento que mira o retrovisor. Os maiores expoentes da direita subirão em um carro de som para pedir a redução das penas dos presos no 8 de Janeiro. Bolsonaro jura que não pretende se beneficiar da medida, mas a promessa não convence os políticos de Brasília.
A parte que aponta para o futuro foi omitida do slogan, mas estará nos discursos. Lideranças da direita protestarão contra o pedido do PT para apreensão do passaporte do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
A eleição do ano que vem é o sujeito oculto para o qual os dois temas dos discursos convergem. Aprovar a anistia enfraquece a tese de que Bolsonaro liderou uma tentativa de golpe de Estado. A atuação do deputado Eduardo é considerada determinante para o ex-presidente recuperar os direitos políticos.
Jair Bolsonaro insistirá até o final em disputar a próxima eleição. O lobby exercido pelo deputado junto ao governo Donald Trump é visto como crucial para a reversão da inelegibilidade do ex-presidente.
Uma demonstração massiva de apoio popular no domingo é importante. Acusado de golpe de Estado, Bolsonaro pode pegar pena superior a 30 anos. Uma foto áerea com Copacabana lotada aumenta o capital político e serve de pressão contra o STF (Supremo Tribunal Federal), que não dá sinais de que irá recuar.
Também há possibilidade de o ex-presidente participar de uma motociata. Bolsonaro avalia ir ao evento que está marcado para antes do ato. Quando discursou no Rio na campanha de 2022, ele chegou a Copacabana numa motociata.
Liberdade para falar
Não haverá assunto proibido. A afirmação é de Silas Malafaia, pastor responsável por organizar os atos bolsonaristas. Conhecido por discursos virulentos contra a esquerda e a Justiça, ele disse que sua fala vai se "ater ao que causou a prisão dessas pessoas, vai ser pesado".
A previsão é que, além dele e de Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) discursem. O líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante, e o deputado federal Gustavo Gayer também deve fazer pronunciamentos. Este último se envolveu numa polêmica na última semana depois de postagens machistas.
Michelle Bolsonaro será ausência. A ex-primeira-dama não participará no ato em Copacabana, já que se recupera de uma cirurgia estética feita recentemente.
Os governadores que forem ao ato poderão discursar. "O governador Tarcísio [de Freitas, do Republicanos-SP] está previsto [para discursar], só se ele não quiser falar", disse Malafaia, comentando o mesmo para o governador do Rio, Cláudio Castro (PL). O governador de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL), também irá ao evento.
Malafaia disse que não combina com o ex-presidente o discurso, mas acredita que Bolsonaro não falará do STF. "Pelo que estou vendo, ele vai centrar o discurso nessa questão da anistia humanitária, creio que ele não vai falar de STF, de Alexandre de Moraes, nada disso", sugeriu o líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo.
Flávio Bolsonaro é crítico das investigações sobre o golpe de Estado. O senador, que subirá no carro de som para falar, alega que o ex-presidente é vítima de um movimento político para ser tirado das eleições de 2026.
Valdemar Costa Neto, presidente nacional do PL, disse ao UOL que vai "agradecer tudo o que Bolsonaro" fez pelo partido. Liberado por Moraes para voltar a conversar com o ex-presidente, ele afirmou que seu discurso terá como foco "pátria, família e liberdade".
Diferentemente dos outros atos, o presidente do PL não precisará descer do carro de som após discursar. Em manifestações anteriores, Valdemar se juntava aos militantes e assistia do asfalto os pronunciamentos de colegas de partido por causa das restrições impostas pelo Supremo Tribunal Federal.
Divergências sobre slogan
A escolha da anistia como mote da manifestação não agradou a todos. Havia pessoas advogando por outros temas. No final, prevaleceu a posição de Bolsonaro, que prefere este slogan.
Os críticos da escolha argumentam que a militância não sairá de casa pela anistia. Esta fatia da direita considera que o evento não vai atingir o tamanho que poderia por este motivo. Acrescentam que a rejeição à esquerda é a principal força que movimenta a militância —há dez anos, o grupo foi às ruas para pedir o impeachment de Dilma Rousseff (PT).
Estas lideranças da direita preferiam que o slogan fosse o impeachment de Lula. Eles argumentam que há muito descontentamento latente contra o presidente, que foi despertado e potencializado com a inflação. Na opinião destes políticos, o movimento ficará aquém de seu potencial.
O Bolsonaro falou: não, isso está errado [sobre ato para impeachment de Lula em São Paulo]. 'Impeachment agora não resolve nada, nós estamos no negócio da anistia'. Então, a turma saiu na frente, Zambelli, o tal do Marco Antônio, seu Nikolas saíram com essa conversa e Bolsonaro pegou as rédeas.
Silas Malafaia, organizador do ato bolsonarista
Malafaia disse que pediu para Bolsonaro dizer que o tema é "Anistia já e fora Lula 2026 para não ficar chato". O ex-presidente teria sido contra o slogan de impeachment do petista para não dar um "presente a Alckmin", o vice-presidente.
Governo pretende ignorar
No Planalto, o assunto tem sido ignorado. Integrantes do alto escalão de Lula dizem nem lembrar que haverá manifestação por terem "prioridades e problemas" maiores no momento.
Segundo palacianos, não houve uma recomendação expressa do ministro Sidônio Palmeira, da Secom (Secretaria de Comunicação), sobre o ato. A atitude foi adotada porque o ato "simplesmente não é um assunto" no Planalto.
A avaliação é que não haverá alta participação. Para o governo, por mais que a popularidade do presidente passe por seu pior momento, não há "inflamação" nas ruas, como havia contra Dilma.
Um exemplo usado é o pronunciamento recente de Lula na televisão. Quando o presidente foi à TV aberta para falar sobre Pé-de-Meia, bolsonaristas disseram que poderia haver panelaço. Não houve registro, fora manifestações pontuais, porém sem viralizar nas redes sociais.
Mas não custa espiar, admitem alguns palacianos. Alguns ministros (e o próprio presidente, especulam) devem ficar de olho no noticiário para acompanhar o desenvolvimento da manifestação. Eles consideram improvável a chance de aderência em diversas cidades e torcem para que o ato com Bolsonaro seja esvaziado.
Os ministros também dizem não se preocupar com os pedidos de impeachment. Articuladores do governo afirmam entender que a inflação, que bateu recorde em fevereiro, é o maior problema da gestão e uma ameaça real a uma possível reeleição de Lula. Ocorre que o afastamento do poder antes do período eleitoral é avaliado como "muito distante, quase impossível".
Julgamento de Bolsonaro e condenações
Ministro do STF, Cristiano Zanin marcou para o dia 25 de março o julgamento do ex-presidente. O trâmite ocorrerá na Primeira Turma da Corte para decidir se aceita a denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República) e o torna réu junto com mais outros sete denunciados por tentativa de golpe.
Até março, foram 480 sentenciados pelos atos golpistas contra as sedes dos três Poderes, em Brasília. As penas variam de um ano a 17 anos de detenção. No total, os atos resultaram em denúncias contra 1.687 envolvidos.
Ao todo, 155 réus estão presos. Outros 527 réus optaram por assinar os chamados acordos de não persecução penal. No total, há 1.552 ações penais em curso.