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'Ruas cheias de cadáveres': alauitas se escondem e narram massacre na Síria

(11.mar.2025) Manifestantes fazem passeata nas ruas de Qamishli, cidade no norte da Síria, carregando fotos de alauitas mortos em massacre  - Delil SOULEIMAN/AFP
(11.mar.2025) Manifestantes fazem passeata nas ruas de Qamishli, cidade no norte da Síria, carregando fotos de alauitas mortos em massacre Imagem: Delil SOULEIMAN/AFP
do UOL

Do UOL, em São Paulo*

12/03/2025 05h30Atualizada em 12/03/2025 07h41

Com a morte de ao menos 745 civis durante um massacre no litoral da Síria, membros da minoria alauita — um "terceiro braço" do islamismo — descreveram as cenas que tomam redutos da comunidade religiosa, a qual o ex-presidente Bashar al Assad, deposto em dezembro, também pertence.

O cenário, segundo civis, é de morte por todos os cantos: corpos estariam espalhados nas ruas de cidades portuárias, como Baniyas, cidade na província de Tartus, no oeste do país, que tem uma das maiores concentrações da população alauita.

Como alauitas descrevem o massacre?

Rihab Kamel, uma alauita do oeste da Síria, ficou escondida por dois dias no banheiro de casa. Ela dividiu o cômodo com a família enquanto homens armados que apoiam o novo governo buscavam membros da minoria religiosa, que seriam supostamente leais ao regime deposto de Assad.

"Apagamos as luzes e nos escondemos. Quando conseguimos fugir do nosso bairro, Al Qusur, vimos as ruas cheias de cadáveres.Que crime as crianças cometeram? Será que elas também apoiam o regime [derrubado]? A comunidade alauíta é inocente", defendeu a mulher de 35 anos, após fugir de Baniyas para uma região próxima à fronteira libanesa, onde foi acolhida por uma família cristã

"Mataram meu único vizinho, se tivesse esperado mais 5 minutos, também teria morrido". Um alauita opositor de Assad perdeu 3 parentes. Samir Haidar, 67, também vive Em Baniyas e escapou por pouco do massacre. Ele conseguiu fugir pouco antes da chegada dos homens armados, mas seus dois irmãos e seu sobrinho não tiveram a mesma sorte. O homem passou mais de 10 anos nas prisões do ex-ditador sírio, a quem ele e seus irmãos se opunham.

Eles reuniram todos os homens no telhado e atiraram neles. Todos morreram, inclusive meu irmão.
Samir Haidar, à AFP

"Recolheram corpos com escavadeiras e enterraram em valas comuns, até jogaram alguns no mar." Um morador da cidade de Jablé falou em anonimato no domingo (9) que estava há quatro dias sem sair de casa, sem comida ou água, por medo dos grupos armados. Dividindo espaço com mais 5 pessoas, ele disse que mais de 50 conhecidos morreram.

Somos seis pessoas na casa, com meus pais e meus irmãos. Não há eletricidade há quatro dias, não há água, não temos nada para comer e não nos atrevemos a sair.
Morador de Jablé, que pediu para não ser identificado

Após 14 anos de Guerra Civil na Síria, o novo conflito leva mais pessoas a planejar deixar o país. Jaafar Ali, um alauíta de 32 anos, disse que teve que fugir para o Líbano com seu irmão. "Acho que não voltarei para a Síria tão cedo. Queremos ser recebidos em um país seguro, onde não sejamos reprimidos como alauitas, ou queremos proteção internacional", declarou.

Como ataques começaram?

As violências começaram após um ataque na quinta-feira (6) por partidários do antigo regime de Assad. Os grupos resistentes teriam ido contra as forças de segurança na costa oeste da Síria, reduto da comunidade alauita, uma minoria muçulmana da qual o ex-presidente Bashar Al Assad é originário.

A intervenção de grupos aliados ao novo governo matou mais de 200 membros da luta armada, mas também deixaram um grande número de civis alauitas mortos. Segundo a AFP, essa é a pior onda de violência desde que a coalizão de rebeldes dominada por islamistas sunitas tomou o poder em 8 de dezembro.

Durante o governo de Assad — que substitui o pai e governou por 24 anos — os alauitas tiveram mais acesso a cargos públicos importantes, segundo estudo da União Europeia. Ainda assim, desde 2016, documentos de lideranças da minoria religiosa já apontavam um afastamento em relação ao ditador.

Professor destaca que é importante não generalizar posição da minoria religiosa em relação ao ex-presidente. "(...) Não é como se a minoria alauita fosse toda monolítica e todo mundo apoiasse o Assad", disse Leonardo Paz Neves, analista do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da FGV, ao UOL.

Na segunda-feira, após quatro dias de ataques, o Ministério da Defesa da Síria anunciou o fim da operação militar nos redutos alauitas. A decisão aconteceu após acusações de uma tentativa de limpeza étnica contra a minoria religiosa.

*Com informações da AFP

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