França: Air France é convocada pelo governo após denúncias de violências sexuais contra comissárias
O setor de aviação francês, e a Air France em particular, está em polvorosa desde a publicação de uma investigação feita pela Radio France, que revelou incidentes de assédio e agressões sexuais e sexistas entre os funcionários da companhia aérea francesa. O assunto chegou ao governo, que convocou a diretoria da Air France para prestar esclarecimentos na quarta-feira (19).
O setor de aviação francês, e a Air France em particular, está em polvorosa desde a publicação de uma investigação feita pela Radio France, que revelou incidentes de assédio e agressões sexuais e sexistas entre os funcionários da companhia aérea francesa. O assunto chegou ao governo, que convocou a diretoria da Air France para prestar esclarecimentos na quarta-feira (19).
Os executivos da Air France acusados de violência sexual serão recebidos na quarta-feira pelo ministro francês dos Transportes, Philippe Tabarot, após denúncias de casos de violências sexuais na companhia aérea. Na sexta-feira (14), a unidade investigativa da Radio France revelou testemunhos, especialmente de comissárias de bordo e esposas de pilotos, além de documentos. Várias pessoas apontam para a impunidade dos acusados.
"Levo muito a sério as conclusões dessa investigação", assegurou Tabarot ao portal de notícias Franceinfo. Segundo o ministro, a reunião com membros da direção da Air France tem como objetivo obter "informações muito precisas sobre essas acusações, que não podem ficar sem resposta se forem confirmadas".
Entre os casos de assédio ouvidos pelos jornalistas está o de Mathilde. "O comportamento sexista faz parte da minha vida diária e aprendi a lidar com isso", disse a comissária de bordo, funcionária da Air France há mais de vinte anos. Mas em outubro de 2021, em uma viagem de dois dias entre Paris e Casablanca via Londres se transformou em um calvário para a comissária. O chefe de cabine, seu superior direto, a assediou e agrediu sexualmente durante todo o voo. "Quando eu estava preparando meu equipamento, me agachei, ele me segurou pelos quadris com as mãos e pressionou seu pênis contra minhas costas. Eu disse para ele parar e ele respondeu: 'Você não percebe o quanto você me excita.' Ele me pressionou contra os fornos com as duas mãos nos meus seios, eu o empurrei para longe antes de me refugiar na cabine", relata.
Ao chegar em Casablanca, o assédio continuou. Se sentindo mal pelo ocorrido, Mathilde decide não se juntar ao resto da equipe para beber e foi sozinha ao spa do hotel. Na saída, o chefe de cabine que a agrediu no avião a esperava na recepção.
"Ele me puxou para perto dele e me beijou, na frente dos funcionários do spa. Eu o empurrei, dizendo: 'Você está bem? O que está fazendo?' Ele então desfez o nó do meu roupão, eu fiquei de maiô e então ele me disse: 'Ah, eu tinha certeza que você era gostosa'. E no voo de volta, a mesma coisa, eu estava preparando meu equipamento, ele agarrou minha mão e a colocou em seu pênis ereto", conta a comissária da Air France.
Impunidade
Na época, Mathilde teve medo. "Eu estava fazendo meu trabalho, os passageiros estavam bem do meu lado, eu não podia gritar, nem pular pela porta do avião, nem me trancar no banheiro, eu tinha que cuidar dos passageiros", disse.
De volta a Paris, ela alertou imediatamente uma de suas superiores diretas. "Eu disse a ela que não estava me sentindo muito bem, que fiz uma viagem com um chefe de cabine que me deixou muito mal e ela respondeu: 'Sério, qual é o nome dele?'" Eu dei o nome dele e ela me disse: 'Ah, ele, com todos os problemas que tem, realmente vai acabar tendo problemas'", sem realmente dar uma resposta à comissária.
Em junho de 2022, Mathilde apresentou uma queixa à polícia, que caracterizou os atos do colega como "assédio e agressão sexual". A denúncia está sendo investigada pelo Ministério Público. Mas dentro da Air France, o caso foi rapidamente encerrado sem maiores ações. "Me disseram que ele negou. É a palavra dele contra a minha. E, claramente, a palavra dele vale mais que a minha", diz Mathilde.
Questionada, a Air France rejeitou completamente as alegações de Mathilde e especificou que "a investigação interna da Air France levou a uma classificação pura e simples" do caso e garante que "nunca vivenciou comportamento desse tipo dentro da empresa". No entanto, dois comissários de bordo contaram aos jornalistas da Radio France que testemunharam assédio por parte do chefe de cabine que assediou Mathilde.
O caso da comissária é apenas um exemplo entre muitos outros que, segundo a investigação, não encontraram apoio da direção da companhia aérea.
Violência sexual no setor aéreo: "cultura corporativa"
Segundo a advogada Marjolaine Vignola, especializada nesse tipo de violência no local de trabalho, é difícil para as vítimas trabalhadoras do setor aéreo denunciarem, "principalmente quando a equipe está em escalas". Ela explicou, em entrevista à RFI, que dormir no mesmo hotel, tomar um drinque no bar, são momentos informais que se tornam "áreas cinzentas com alto risco de assédio sexual, pois há uma confusão entre o profissional e o privado".
Como as profissões do setor aéreo ainda são altamente marcadas pelo gênero, isso proporciona um terreno fértil para esse tipo de violência. "As vítimas podem achar difícil se manifestar porque não querem perder o emprego dos seus sonhos", considera a especialista.
"Existe uma cultura corporativa com uma hierarquia de cargos, em que as posições de responsabilidade geralmente são ocupadas por homens. Os empregos ainda são altamente estereotipados. O trabalho em si, com sua imagem da mulher troféu e da submissa e dedicada comissária de bordo de uniforme, contribui para o nível de risco", detalha Vignola.
"O silêncio predominante é sintomático de uma cultura corporativa que tolera esse tipo de comportamento. A investigação da Radio France e a cobertura da mídia certamente darão esperança às vítimas de que as coisas mudarão", considera a advogada.
Sindicato de pilotos quer acompanhar de perto
De acordo com informações do portal Franceinfo, o Alter, o sindicato dos pilotos da Air France e da Transavia France, também pediu para ser recebido pelo ministro dos Transportes. Em uma carta enviada ao Ministério, o Alter afirma que as declarações divulgadas pela investigação "destacam práticas que, além do sexismo e do assédio, revelam a má administração da Air France em termos de proteção aos funcionários". O sindicato diz querer "propor soluções concretas para garantir a segurança e o respeito aos direitos de todos os funcionários da empresa".
Conforme revelado pelos jornalistas investigativos, o sindicato havia alertado a gerência em várias ocasiões em cartas desde 2021, denunciando a "banalização" de comportamentos que podem levar a situações "dramáticas" e até mesmo colocar em risco a "segurança de voos".
Em resposta à investigação jornalística, a Air France disse entender "a emoção legítima que os testemunhos coletados podem ter despertado e condena firmemente qualquer ato de violência sexista e sexual". "Tal comportamento é inaceitável e não tem lugar na Air France. A empresa está firmemente comprometida com a luta contra a violência sexual e baseada em gênero e está ao lado das vítimas em todos os momentos. E aplica o princípio de tolerância zero em todas as circunstâncias", declarou a companhia aérea.
De acordo com a empresa, "em 2023 e 2024, a Air France conduziu 18 investigações sobre relatos de assédio sexual ou comportamento sexista (...) 11 medidas disciplinares foram tomadas, incluindo três demissões".