R$ 1 milhão pelo assassinato: o que se sabe da morte de galerista no Rio

As autoridades dos EUA anunciaram nesta terça (11) a prisão de Daniel Carrera Sikkema, de 54 anos, acusado de contratar um assassino de aluguel para matar seu marido, o renomado galerista nova-iorquino Brent Sikkema, de 75 anos, no início de 2024 no Rio de Janeiro. Caso seja condenado no país, ele pode pegar a prisão perpétua pelo crime.
O que aconteceu
Brent Sikkema foi morto com facadas no rosto e tórax dentro da própria casa. O galerista foi encontrado no dia 15 de janeiro de 2024 com sinais de perfurações: ao todo, foram 18 golpes a faca.
Casa do americano ficava em bairro nobre da cidade do Rio. Ele morava no Horto, na rua Abreu Fialho, na altura do número 15. Sua residência era um sobrado do início do século 20, reformado por ele, mantendo as características originais.
Vídeo das câmeras de segurança mostrou suspeito saindo da casa da vítima. O homem foi gravado deixando o local e tirando luvas, que teriam sido utilizadas no assassinato. A suspeita da polícia é de que ele tenha contado com ajuda de comparsas, pois passou mais de 12 horas de campana na frente da casa até agir e saiu com reais e dólares da casa de Brent.
Suspeito de executar Brent foi preso em Minas Gerais. Detido na manhã de 18 de janeiro de 2024 em um posto de combustíveis na BR-050, entre Uberaba e Uberlândia (MG), o suspeito é o cubano Alejandro Triana Trevez, informou na época a Polícia Civil.
O cubano morava em São Paulo há um ano e meio e foi para o Rio de Janeiro somente para cometer o crime. Depois, ele voltou a São Paulo, se desfez do carro usado no Rio e comprou um veículo novo para fugir, informou o delegado responsável Alexandre Herdy. Alejandro não tinha parentes no país. Além do veículo de fuga, US$ 3 mil foram encontrados com ele pela polícia mineira.
Polícia acredita que o crime foi premeditado. "Foi uma ação premeditada e cruel. Ele esperou o melhor momento para entrar na casa da vítima. Não arrombou a porta. Ficou 15 minutos lá", afirmou o delegado Felipe Curi.
Inicialmente, crime foi investigado pela polícia como latrocínio, ou seja, roubo seguido de morte. O suspeito do crime levou entre US$ 30 mil e US$ 40 mil da casa da vítima, e mais R$ 30 mil. O homem também roubou joias e outros objetos da casa do galerista, segundo a polícia.
Brent tinha comprado um imóvel novo no Leblon, e usaria esse dinheiro em espécie para mobiliar a nova casa. Segundo a polícia, por isso ele tinha alta quantia em casa.
O envolvimento do assassino com o marido mandante
O cubano Alejandro Triana Prevez, de 30 anos, conhecia o ex-marido da vítima. Foi o que apontaram as investigações lideradas pelo delegado Alexandre Herdy.
Alejandro trabalhou para Brent e Daniel há cinco anos, em Cuba. Atuava como um "faz tudo" do então casal. Após se mudar para o Brasil, o suspeito esteve com o norte-americano por ao menos duas vezes, em julho e dezembro de 2023, no Rio. Apesar dos indícios obtidos pela polícia, Alejandro inicialmente negou conhecer Brent e que tivesse matado o galerista.
Polícia acreditava que questões financeiras tivessem levado ao assassinato, assim como o interesse de Alejandro em ficar com os bens da vítima.
Prevez confessou, explicou por que e como cometeu o crime, e voltou a apontar o mandante. "Mostro muito arrependimento com respeito a isso. Porque a minha intenção não foi matar. Foi mais dar um susto", disse em abril de 2024, em entrevista ao Domingo Espetacular, da RecordTV.
O cubano negou que seu interesse na morte de Brent fosse financeiro. "Basicamente, eu não o fiz por dinheiro. Eu o fiz por uma questão de que ele [Daniel Sikkema, ex-marido do galerista] começou a me manipular. Eu via o abandono que sofria o filho, como o abandono que eu sofri com o meu pai", justificou.
Presença de outra pessoa no local. Segundo o cubano, ele atingiu Sikkema com quatro facadas. Mas o laudo da perícia mostrou que o galerista sofreu 18 golpes de faca. Para Alejandro Prevez, uma outra pessoa esteve no local, deu mais 14 facadas e pegou o dinheiro que estava guardado na casa.
A primeira, eu dei com tanto medo, que eu entrei em pânico. Quando eu dei a primeira, ele começou a se defender. Começou a dar chutes, com os seus pés no meu peito. Então, eu dei a segunda, no estômago. A terceira, a quarta foi para imobilizá-lo, porque ele não ficava quieto. Seguia dando golpes, golpes e golpes. Chegou um momento que eu comecei a chorar e depois desci. Confessou Alejandro Prevez.
Brent Sikkema foi o "culpado" pela própria morte, segundo o cubano. "Quem mandou foi o Daniel. O instrumento fui eu. Mas quem se matou foi ele mesmo."
Cubano disse que não teve mais contato com Daniel. "Ele tentou entrar em contato comigo. Eu não entrei em contato com ele", garantiu. Alejandro segue preso há mais de um ano.
Defesa do marido do galerista negou envolvimento no crime
Em 2 de fevereiro de 2024, a Polícia Civil do Rio de Janeiro indiciou Daniel Sikkema como autor intelectual do assassinato. Na época, a Justiça autorizou a prisão preventiva dele.
Ao UOL, sua defesa disse que as suspeitas de que ele teria sido o mandante do crime não tinham "fundamentos legais". O escritório Fabiana Marques Advocacia e Consultoria alegou que a acusação refletia preconceitos contra LGBTs.
É imperativo destacar que, apesar da proximidade e do relacionamento tanto profissional quanto pessoal entre Brent Sikkema e quem lhe tirou a vida, não há fundamentos legais que justifiquem as suspeitas lançadas sobre o Sr. Sikkema. A conjectura de seu envolvimento nesse ato horrendo reflete, lamentavelmente, os preconceitos estruturais ainda persistentes em nossa sociedade, especialmente contra membros da comunidade LGBTQIA+
Trecho da nota de defesa de Daniel Sikkema
A defesa ainda garantiu que Daniel se prontificou a ser interrogado por e-mail e disse não haver registro de contato direto entre Daniel e Alejandro Prevez. Segundo a advogada Fabiana Marques, a estratégia do cubano de acusar o marido do galerista visava garantir uma "sentença mais branda". "A natureza do crime, marcada por indícios de passionalidade, demanda uma investigação meticulosa e isenta, que considere todas as possíveis vertentes sem recorrer a estigmatizações prejudiciais", disse.
Prisão nos EUA foi "acidente"; Justiça do Rio quis Daniel de volta no país
Daniel evadiu a prisão no Brasil, mas acabou preso nos EUA no fim de março após tentar falsificar seu passaporte. O suspeito alegou que teria perdido o documento durante uma viagem à Europa. No entanto, os investigadores descobriram que o passaporte estava em posse dele.
Ele pagou fiança de US$ 1 milhão. Desde então ele cumpria prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica.
O Tribunal de Justiça do Rio encaminhou em 1º de abril de 2024 um pedido de extradição ao Ministério de Justiça. O pedido foi assinado pela juíza Tula Correa de Melo, que rejeitou derrubar o pedido de prisão preventiva em aberto contra Daniel. Para ela, há indícios suficientes que o apontam como mandante do crime.
No entanto, Daniel nunca foi extraditado e as autoridades dos dois países passaram a colaborar no caso. Agentes do FBI vieram ao Rio para examinar a cena do crime na casa de Brent Sikkema. A Polícia Civil do Rio de Janeiro confirmou ao UOL em julho que trocava de informações com as autoridades dos EUA e estiveram na casa ainda promotores americanos.
O marido do galerista foi finalmente preso nos EUA nesta terça (11). Ele compareceu nesta terça diante de um juiz do Distrito Sul de Nova York para ouvir acusações formais de conspiração para cometer assassinato por encomenda, de assassinato por encomenda no exterior e de falsificação de passaporte após a investigação das autoridades americanas ter se concluído.
Daniel pode pegar prisão perpétua ou ser condenado à pena de morte. Segundo a promotora Danielle R. Sassoon, ele enviou dinheiro ao assassino - que usava uma identidade falsa - por meio de intermediários, tentando ocultar a origem dos pagamentos. Ela ainda descreveu o crime como "um complô frio para assassinar".
O advogado do assassino de aluguel disse que Daniel havia oferecido US$ 200 mil dólares (quase R$ 1 milhão na cotação de janeiro de 2024) pelo assassinato de Brent.
Daniel e o galerista passavam por divórcio conturbado
Horas antes de ser morto no Rio, o galerista norte-americano Brent Sikkema criticou o ex-marido, o cubano Daniel Carrera, por impedi-lo de conviver com o filho. O relato foi encaminhado a amigo por mensagem no WhatsApp.
Custódia de filho foi dada ao ex-marido de Brent. Na mensagem, o galerista explica que o tribunal dos EUA deu a custódia do filho de 13 anos, do relacionamento dele com Daniel, ao cubano. Mas explicou que a Justiça concedeu bastante tempo para Brent conviver com o garoto. As mensagens foram obtidas pelo Fantástico (TV Globo) com o amigo, que preferiu não se identificar.
Norte-americano disse ter concordado com decisão judicial. Ele explicou que não conseguiria dedicar tanto tempo ao filho, já que viajava o tempo todo e por ter 75 anos. Atualmente, Daniel vive com o adolescente em Nova York, nos EUA.
Brent acusou ex de impedir contato dele com o filho. Nas palavras do galerista, Daniel "fazia de tudo para impedir" o adolescente de vê-lo, mesmo com a decisão da Justiça. Uma reportagem do jornal Folha de S. Paulo mostrou que o galerista e o ex-marido, que ficaram juntos por 15 anos, passavam por uma separação conturbada, com brigas por divórcio milionário e pelo filho.
Galerista deveria voltar ao tribunal dos EUA no dia 17 de janeiro 2024, dois dias depois de sua morte. Na ocasião, Brent poderia relatar a situação vivida com o ex-marido e o filho. Na mensagem, o norte-americano ainda citou que essa situação é "cara e uma loucura" e que Daniel estaria interessado no "controle total".
Ex-marido de Brent lamentou morte nas redes sociais. No dia 19 de janeiro de 2024, Daniel publicou fotos ao lado do ex-marido e escreveu: "Descanse em paz. Nosso filho e eu vamos lembrar de você para sempre"; e "sempre lembraremos dos nossos momentos felizes".
*Com informações de matérias publicadas em 19/01/2024, 21/01/2024, 13/02/2024, 03/04/2024, 14/04/2024, 01/07/2024 e da AFP.