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"Engenheiros franceses são considerados os melhores do mundo em IA", diz inventor da Siri

10/02/2025 17h04

A Cúpula para Ação sobre Inteligência Artificial (IA), promovida pelo presidente Emmanuel Macron nesta segunda (10) e terça-feiras (11), em Paris, traz ao país os maiores especialistas franceses do setor, alguns radicados há anos no Vale do Silício, na Califórnia (EUA). O engenheiro franco-americano Luc Julia, 59 anos, atualmente diretor científico da Renault, tem dito em entrevistas que "os franceses são os melhores do mundo" em IA.

"Do ponto de vista científico, no Vale do Silício, a maioria dos diretores de IA são franceses", afirma Luc Julia. "Somos muito bons em ciências da computação e matemática [...] Mas quando se trata de desenvolver e vender IA, não somos tão bons assim", ele admite. 

Julia se instalou na Califórnia há cerca de 30 anos. Ele é o coinventor da Siri, o assistente de voz da Apple, junto com o amigo informático americano Adam Cheyer. Formado em matemática e ciência da computação na Universidade Pierre e Marie Curie, em Paris, Julia começou sua carreira nos Estados Unidos, nos laboratórios do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e do SRI Internacional, onde nasceram a Siri e outras tecnologias de reconhecimento de voz, assim como o 'mouse', o 'copiar e colar', o banco-online, a ultrassonografia médica e tratamentos oncológicos. 

Em 1994, a convite de Steve Jobs (1955-2011), Julia levou o projeto Siri para a Apple. Quatro anos depois, fundou um laboratório de inteligência artificial (Computer Human Interaction Center - CHIC), sempre fazendo pontes com o mundo corporativo, com passagens na Samsung e na Renault, desde 2021, entre outras empresas. 

Julia reconhece que na área de IA generativa, os concorrentes americano e chinês - ChatGPT (Open AI) e DeepSeek - estão monopolizando o mercado. Entretanto, pelo número de engenheiros e matemáticos de altíssima qualidade que a França forma anualmente, ele considera que Paris está longe de ter perdido a corrida tecnológica do século. Como tem defendido o presidente Macron, Julia acredita que chegou a hora de dar um salto em escala e reunir fundos europeus, públicos e privados, para financiar empresas locais. 

Em entrevista na noite de domingo, Macron anunciou investimentos privados de € 109 bilhões para projetos de IA na França, principalmente para a construção de data centers - estruturas gigantescas projetadas especialmente para permitir o treinamento de modelos de IA.

Celeiro de talentos

De acordo com Luc Julia, existem 55 mil franceses trabalhando no Vale do Silício e muitos pensam em voltar para atuar na França. Esse movimento reflete o ambiente de inovação que começou a ser estimulado no final do governo do ex-presidente François Hollande e dá resultados animadores atualmente.

Um dos principais celeiros desses cérebros brilhantes é o Instituto Politécnico de Paris, instituição que reúne seis universidades de ponta nas áreas de matemática, engenharia, ciências da computação, telecomunicações, economia e finanças.

Na opinião do presidente do instituto, Thierry Coulhon, os talentos franceses que despontam na era da inteligência artificial herdaram um ambiente de ensino enraizado em escolas de matemática, estatística e engenharia criadas no início do século 18. As de telecomunicações se estruturaram no século 20. 

"Estamos capacitados para enfrentar a concorrência dos Estados Unidos e da China porque dispomos de uma base científica muito profunda, que ensinamos há anos, e se mostra, atualmente, como extraordinariamente relevante", garante o presidente do Instituto Politécnico de Paris.

França tem sua plataforma conversacional avançada

Uma das figuras em ascensão na França, que está conseguindo desenvolver seus projetos no país, é Arthur Mensch. Este engenheiro francês de 32 anos tem sólida formação em matemática aplicada, ciência da computação e um doutorado em aprendizado de máquina e imagem por ressonância magnética funcional nas escolas do Instituto Politécnico de Paris. Em 2023, Mensch fundou a startup Mistral AI, ao lado dos sócios Guillaume Lample e Timothée Lacroix, todos com experiências em big techs como Meta e DeepMind.

A Mistral AI desenvolveu Le Chat, um aplicativo comparável ao ChatGPT e ao DeepSeek, disponível em versões para Android e iOS. A empresa já firmou acordos com gigantes da tecnologia, como Google, Microsoft, Amazon e IBM, para integrar seus modelos em seus respectivos serviços. Atualmente, a startup francesa constrói o primeiro centro de dados dedicado à IA na França, em Essone, subúrbio ao sul de Paris. 

Mensch e seus sócios querem controlar toda a cadeia de valor, da infraestrutura ao software. Com escritórios em Paris, Londres, Palo Alto e Singapura, a Mistral AI foi avaliada em cerca de € 6 bilhões em fevereiro de 2025. Na avaliação de Macron, a rápida capitalização da empresa prova que a França e a Europa ainda têm condições de enfrentar a concorrência internacional nesse setor. A Mistral AI adota o sistema de código aberto, convencida da necessidade de fornecer ferramentas acessíveis ao público e aos profissionais.

IA para combater o câncer

Os franceses também têm descoberto, nos últimos dias, os avanços da Owkin, uma empresa de biotecnologia franco-americana especializada em IA aplicada ao desenvolvimento de diagnósticos e tratamentos médicos, principalmente do câncer. Na semana passada, a Owkin anunciou que a primeira molécula encontrada por meio dos algoritmos desenvolvidos por seus colaboradores foi administrada a uma paciente que integra a primeira fase de um ensaio clínico contra o câncer realizado nos Estados Unidos, no Reino Unido e na Austrália. "Esta é uma nova abordagem que pode ter sucesso onde os laboratórios farmacêuticos falharam", disse o hematologista Thomas Clozel, cofundador e atual diretor da Owkin. 

O médico francês, de 42 anos, estudou medicina na Universidade Paris Descartes. Em 2016, ele criou a Owkin nos Estados Unidos junto com Gilles Wainrib, professor de IA aplicada à biologia, que também passou pela Escola Politécnica de Paris. A abordagem adotada por eles para descobrir novos tratamentos contra o câncer revelou-se tão inovadora, que Clozel recebeu em 2021 um investimento de US$ 180 milhões do grupo farmacêutico Sanofi para dar continuidade às pesquisas de diagnóstico por IA. 

Atualmente, a Owkin colabora com o maior centro europeu de combate ao câncer, o Hospital Gustave Roussy, na região parisiense, além de instituições acadêmicas e empresas farmacêuticas. Os principais produtos já desenvolvidos pela startup são uma ferramenta de diagnóstico para o câncer colorretal e uma segunda ferramenta para prever recidivas em pacientes com câncer de mama. 

Segundo o diretor de desenvolvimento comercial da Owkin, Alban de La Sablière, que também veio a Paris para a cúpula, a empresa estuda atualmente deixar os Estados Unidos para se instalar na França. O principal empecilho, mas que está em estudo por advogados tributaristas, são os impostos mais altos pagos na França, um fator que interfere na capacidade de investimento da empresa.

Clozel vê o retorno para casa como algo lógico, uma vez que 80% dos colaboradores da startup estão na França e, na área do câncer, o Hospital Gustave Roussy não deixa nada a dever para os principais centros de pesquisa do câncer espalhados pelo mundo. 

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