Justiça freia Trump e barra decretos contra trans, imigrantes e servidores

A Justiça norte-americana vem atuando como freio e contrapeso a ordens do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Já foram barradas decisões polêmicas do republicano, que concedeu "superpoderes" a si mesmo a fim de tirar do papel as promessas conservadoras que fez durante a campanha.
O que aconteceu
Já no dia da posse (20 de janeiro), Trump promoveu um "revogaço" de 78 medidas do antecessor Joe Biden. Suas primeiras canetadas retiraram os EUA do Acordo de Paris (contra mudançsa climáticas), acabaram com regras de combate à discriminação sexual e derrubaram a proibição de explorar petróleo no Alasca, entre outras.
Essas decisões unilaterais são conhecidas nos EUA como "ordens executivas". Semelhantes aos decretos brasileiros, são atos do presidente, sem a participação do Congresso, para organizar o serviço público. Trump também declarou emergência nacional, medida que lhe dá poderes extras para tomar decisões. Quando extrapolam suas atribuições, essas ordens podem acabar barradas pela Justiça.
É o que vem acontecendo. Promotores, organizações sociais e estados governados por democratas ajuizaram dezenas de processos contra as ordens executivas de Trump.
A primeira medida barrada foi a canetada que negava direito à cidadania a filhos de imigrantes nascidos nos EUA. O objetivo de Trump era reinterpretar a 14ª Emenda da Constituição, segundo qual "todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos e sujeitas à sua jurisdição são cidadãos dos Estados Unidos e do Estado em que moram".
Na última quinta-feira (6), o juiz federal John Coughenour considerou a medida "flagrantemente inconstitucional". Ele despachou após pedido feito por quatro estados, embora 22 unidades federativas e grupos de direitos civis tenham ido à Justiça. Trump afirmou que vai recorrer da decisão. A juíza Deborah Boardman — que havia feito o mesmo um dia antes — escreveu em sua decisão que a ordem executiva "contradiz" a história "de cidadania por nascimento em nossa nação".
A segunda canetada foi barrada pela juíza federal Loren AliKhan. Ela suspendeu uma ordem de Trump para congelar bilhões de dólares em ajudas financeiras, como socorro a desastres, compra de merenda escolar e empréstimos a pequenas empresas. Apoio a pacientes com Aids e planos de combate à pobreza seriam congelados. Após o despacho, a Casa Branca revogou a ordem.
No último dia 30, a Justiça impediu Trump de transferir uma detenta trans para um presídio masculino. A decisão contrariou determinação do republicano, que cortou o financiamento a programas de afirmação de gênero para detentos e determinou que só haveria dois gêneros nos EUA. Como se trata de uma decisão individual, porém, ela não impede a transferência de outras detentas trans a presídios masculinos.
Musk também na mira
Em outra derrota de Trump, o juiz Carl Nichols mandou suspender o afastamento de 2.200 funcionários da Agência para o Desenvolvimento Internacional (USAID), que se tornou alvo de Elon Musk. O bilionário foi encarregado de fechar agências que possam promover medidas progressistas.
Musk recebeu de Trump um órgão para "desmantelar a burocracia". Seu Departamento de Eficiência Governamental precisa "cortar regulamentos excessivos, eliminar gastos desnecessários e reestruturar agências federais". Musk já declarou sua intenção de "reduzir as agências governamentais" para cortar "pelo menos US$ 2 trilhões" (R$ 11 trilhões) do orçamento federal.
Uma das missões de Musk é dispensar servidores. O governo propôs uma indenização de oito meses de salário a funcionários federais que entregarem seus cargos. "Estimamos que de 5% a 10% dos funcionários vão pedir demissão, gerando uma economia de cerca de US$ 100 bilhões (R$ 580 bilhões)", afirmou o bilionário.
Por que Justiça atrapalha Trump?
Nem mesmo a maioria conservadora na Suprema Corte é garantia de vida fácil a Trump. Como muitas de suas decisões podem acabar no tribunal máximo dos EUA, o presidente espera alinhamento dos seis ministros indicados por republicanos (democratas indicaram três). Já nessa configuração, porém, a mais alta corte do país ignorou pedido de Trump para anular as eleições presidenciais de 2020 e barrou sua tentativa de acabar com um programa de proteção a imigrantes menores de idade que chegaram ao país sem documentos.
Democratas ainda nomearam 60% dos juízes dos tribunais distritais. "Muitas leis estaduais e municipais se sobrepõem às decisões de Trump, e os governos progressistas vão acionar a Justiça, que fará uma análise sobre o quanto as decisões presidenciais violam leis já implementadas em outros níveis", diz a professora de Relações Internacionais da ESPM Denilde Holzhacker.
Até o Congresso pode ser um contrapeso às ambições de Trump. Ele terá de recorrer ao Legislativo quando não conseguir decidir sozinho. Mesmo com maioria republicana no Congresso, a tarefa não será fácil, já que a vantagem é pequena — duas cadeiras na Câmara e três no Senado. "É muito fácil ele perder essa maioria: basta que poucos republicanos votem com os democratas para frustrá-lo", diz Paulo Feldmann, professor da FIA Business School.
Muitos republicanos devem resistir a mudar algumas leis de Biden. Trump quer derrubar, por exemplo, a Lei de Redução da Inflação, que injetou US$ 400 bilhões em projetos de energia renovável que beneficiaram principalmente estados administrados por republicanos: cerca de 60% dos projetos foram anunciados em estados administrado por eles, que receberam 85% dos recursos e geraram mais de 100 mil empregos, inclusive com a instalação de fábricas de carros elétricos, um dos principais alvos de Trump.