Cafezinho nas alturas! Setor prevê mais aumentos nas próximas semanas

Produto tradicional na mesa dos brasileiros, o cafezinho deve continuar mais amargo para os amantes da bebida. Sem reajuste compatível com o custo do grão nos últimos anos, a indústria prevê que o repasse de parte do prejuízo aos consumidores chegue às prateleiras dos supermercados nos próximos meses.
O que aconteceu
Alívio no bolso dos amantes de café segue distante. A recente disparada de preço nas prateleiras ocorreu mesmo sem a recomposição dos valores entre a cadeia produtiva. "Tivemos aumentos superiores a 180% para a indústria, que absorveu essas altas e repassou apenas parte disso para os supermercados, chegando a 37% ou 39%", afirma Pavel Cardoso, presidente da Abic (Associação Brasileira da Indústria de Café).
Repasses são previstos para os próximos meses. A perspectiva de Cardoso é de que o encarecimento do café ainda persistirá. "Parte desses aumentos [absorvidos pela indústria] será transferida para o varejo supermercadista e, por consequência, aos consumidores", ponderou. O presidente da Abic estima que a alta ainda pode alcançar os 25%, com a possibilidade de variações superiores, a depender das cotações futuras do grão.
A saca [dos cafés] arábica e robusta no [início do] ano passado custava R$ 800, e terminamos 2024 com um valor superior a R$ 2.000. A indústria não repassou tudo isso, então imaginamos que um aumento em torno de 20% a 25% será ainda transferido nos próximos dois meses.
Pavel Cardoso, presidente da Abic
Valor das sacas de 60 kg atinge patamar recorde. Dados atualizados pelo Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada) mostram que cada saca dos cafés arábica e robusta negociados por, respectivamente, US$ 462,17 (R$ 2.666,28) e US$ 359,63 (R$ 2.074,71) na última quinta-feira (6). Ambas variedades figuram no maior valor da série do instituto.
Projeções futuras também permanecem desafiadoras. Entre os contratos futuros negociados pela Bolsa de Nova York, a cotação do café para o mês de março alcançou US$ 4,04 por libra-peso. O valor representa o maior patamar de todos os tempos, após um aumento de 26,3% somente neste ano. "Essa escalada em algum momento vai parar. Não se sabe quando", afirma Cardoso.
Inflação do café ocorre em meio a problemas no campo. O cenário climático adverso, marcado por seca, geadas, chuvas e um El Niño rigoroso, prejudicou as últimas lavouras. "Já estamos há praticamente quatro safras no Brasil sem a renovação do recorde de produção", afirma Renato Garcia Ribeiro, pesquisador do Cepea.
Colheitas do Vietnã também apresentaram problemas. Segundo maior produtor de café do mundo, atrás apenas do Brasil, o país asiático viveu cenário adverso semelhante ao nacional. "Como o consumo global não caiu, houve uma menor oferta e, consequentemente, redução de estoques. Se você tem pouca oferta, os preços sobem", explica Ribeiro.
Demanda por café permaneceu estável no ano passado. A fala de Ribeiro sobre o cenário é confirmada pelos números revelados na última quarta-feira (5) pela Abic. Conforme a associação, os brasileiros consumiram 21,9 milhões de sacas de café entre novembro de 2023 e outubro de 2024. O total equivale a um aumento de 1,1% na comparação com o mesmo período do ano anterior.
Outros alimentos
Inflação de outros alimentos deve perder força a curto prazo. A safra recorde e o arrefecimento do dólar são vistos como benéficos para a produção e os preços ainda neste ano. "A perspectiva é positiva e tudo leva a crer que vamos recuperar o nível de produção perdido no ano passado. Exceto na existência de um choque cambial forte, esperamos que o preço dos alimentos não seja o protagonista da pressão sobre a inflação", diz Renan Pieri, professor de economia da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
Preço das carnes tende a se estabilizar nos próximos meses. Após disparar mais de 20% e aparecer entre os vilões da inflação no ano passado, o preço das proteínas deve perder força e subir em ritmo mais contido. "Comparativamente com o que foi no ano passado, não devemos esperar um aumento tão expressivo no preço das carnes", avalia Pieri.
Políticas contra a inflação dos alimentos tendem a ser ineficazes. As propostas idealizadas pela equipe econômica surtiriam efeito apenas no longo prazo, com o equilíbrio do mercado. "O melhor a ser feito é esperar, porque a própria oferta vai se adequar à realidade e os preços vão se estabilizar, exceto em casos de produtos que tiveram a produção podada por efeitos climáticos, a exemplo do café", afirma ele.