Túneis suspensos em SP: o que acontece agora com obras na Sena Madureira

Após o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), afirmar que irá romper o contrato milionário para a construção de dois túneis na Rua Sena Madureira, no bairro Vila Mariana, zona sul da capital, pairam dúvidas sobre o futuro das obras na região.
O que aconteceu
Prefeito acatou recomendação do Ministério Público para rompimento do contrato. A orientação é resultado de um dos três inquéritos que tramitam no MP desde o ano passado para investigar as obras dos túneis na Sena Madureira.
"Essa licitação está completamente contaminada por crimes. Não tem o menor cabimento dar continuidade nessas obras", disse o promotor Silvio Marques ao Estadão. A gestão municipal tem o prazo de dez dias para concluir a rescisão.
Prefeito diz que irá "adequar" obras. "Se a gente for ficar brigando na Justiça, as coisas não vão andar. (...) Vamos sentar com o pessoal do Ministério Público, ver o que eles querem que coloque, que não coloque. Vamos adequar", afirmou Nunes, em coletiva de imprensa na última quarta-feira (6).
Promotor afirma não haver "possibilidade de acordo" com empresa investigada por fraude. No documento do MP, Silvio Marques alega que o contrato firmado entre a prefeitura e a construtora Álya Construtora S.A., antiga construtora Queiroz Galvão S.A., "decorre de fraude da qual a empresa participou e que envolve outras licitações do Programa de Desenvolvimento do Sistema Viário Estratégico Metropolitano de São Paulo".
Prefeitura diz que nova licitação será anunciada "em breve". Procurada pelo UOL, a Secretaria Executiva de Mobilidade e Trânsito do município não informou detalhes sobre os prazos de abertura e conclusão do certame. Com isso, também não é possível prever quando as obras no local voltariam.
Obras começaram em setembro de 2024, com um custo estimado em R$ 531 milhões. Desde então, as construções foram paralisadas algumas vezes após determinações judiciais. Para além de possíveis irregularidades na licitação, a obra também é investigada por descumprimento de normas socioambientais relacionadas ao corte de árvores centenárias e à expulsão de cerca de 200 famílias que vivem há décadas na região.
Nunes garante que processo será iniciado do zero, com nova licitação. "Vai ser anulada essa contratação, e vamos lançar outra licitação e, se ficar bom para todo mundo, a gente toca. Não estou para perder tempo, preciso ganhar tempo para entregar uma cidade com mobilidade melhor", disse ele a jornalistas, sem comentar as irregularidades no contrato apontadas pelo MP.
Falei para o promotor que, se não tem acordo, estou cancelando o contrato e a gente vai soltar uma outra licitação. (...) Vou aproveitar para ajustar as questões das árvores (...) e manter a questão do verde que é super importante
Prefeito Ricardo Nunes, em coletiva de imprensa na última quarta-feira
Sobre a obra e seus obstáculos
Projeto de túneis é antigo e foi retomado por Nunes. No ano passado, a promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da capital já havia pedido esclarecimentos à Prefeitura sobre a motivação para ter seguido o projeto.
Plano para região foi anunciado na gestão Gilberto Kassab (2006-2012) e embargado durante a Lava Jato. Nunes retomou projeto com a mesma construtora, a antiga Queiroz Galvão, rebatizada como Áyla. Na ocasião, o MP destacou que a empresa foi demandada em ação civil de improbidade administrativa do Ministério Público Federal e ação civil pública do MPSP.
Projeto prevê a construção de dois túneis com duas faixas cada. Segundo a prefeitura, eles seriam dispostos em sentidos contrários, no cruzamento da Rua Sena Madureira com a Rua Domingos de Morais, e beneficiariam "mais de 800 mil pessoas" que circulam na região diariamente.
Área é de interesse social e proteção ambiental. Além da derrubada de árvores centenárias que compõem hoje um corredor verde na Rua Sena Madureira, moradores criticam as intervenções em uma área que, conforme a versão mais atualizada do Plano Diretor, de 2023, são de interesse social para moradia popular e de proteção ambiental. Cerca de 200 famílias que vivem em uma comunidade na Rua Sousa Ramos terão de sair para dar lugar aos túneis. Na época em que o projeto foi criado e o contrato assinado, há mais de dez anos, as marcações socioambientais ainda não existiam.
Parte das obras de túneis na Vila Mariana seria na Zona Especial de Proteção Ambiental. A área fica entre as ruas Maurício Francisco Klabin, Afonso Celso, Coronel Luis Alves e Souza Ramos, por onde passa o córrego Embuaçu, que está sendo canalizado pela Prefeitura, além de dezenas de árvores. Esse tipo de zona, segundo o Plano Diretor, "possui vegetação significativa" e é "destinada à preservação e proteção ambiental";
Ao lado da área de vegetação, está a comunidade Souza Ramos. A região é considerada no Plano Diretor como Zona Especial de Interesse Social 1, quando há "ocupações irregulares aptas à regularização fundiária". Pelo tempo em que vivem ali, boa parte dos moradores têm direito à usucapião. A obra dos túneis, por outro lado, envolveria a retirada de população desta comunidade.
Em novembro, Nunes afirmou que Prefeitura estava "fazendo tudo certo" na retomada do projeto. Após uma liminar do Tribunal de Justiça do Estado que determinou a suspensão das obras e a interrupção no serviço de derrubada de árvores, o prefeito afirmou: "Nós vamos recorrer, não tenho dúvidas de que a gente vai derrubar essa decisão e que vamos dar continuidade nessa obra, porque estamos fazendo tudo certo".
O que dizem moradores da região
Moradores da Sousa Ramos afirmam que não foram avisados pela prefeitura sobre retomada das obras. "Quando chegaram, em meados de setembro, vieram muitos tratores, caminhões. Eles foram se espalhando e os funcionários diziam para a gente que era limpeza de boca de lobo", disse ao UOL em novembro Eduardo Canejo, presidente da associação de moradores da comunidade.
Liderança comunitária disse que representantes da prefeitura ofereceram indenizações. O valor oferecido, segundo Canejo, é de cerca de R$ 60 mil, ou um auxílio aluguel até um imóvel ser cedido pelo município. "Isso para mim é terrível. Eu nem faço 'plano b' porque intuo que nós vamos ficar", afirmou.
Moradores da comunidade Coronel Luis Alves tentam na Justiça conseguir a usucapião para adquirir os imóveis. Segundo eles, que querem negociar com a prefeitura, as casas estão em terreno privado.
A Prefeitura de São Paulo não respondeu aos questionamentos enviados pelo UOL em novembro. O espaço segue aberto para manifestação.
*Com Estadão Conteúdo