África do Sul se defende de "campanha de desinformação" de Trump sobre expropriação de terras de brancos
Descrita como "racista" por Elon Musk e sancionada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a África do Sul garante que "não vai se deixar intimidar", mas tende a sair perdendo se o republicano levar adiante as ameaças a Pretória. Neste sábado (8), as animosidades entre os dois países tiveram um novo capítulo.
Usando o pretexto de uma lei de expropriação que ele considera discriminatória contra a minoria branca, o presidente americano assinou um decreto na sexta-feira (7) congelando toda a ajuda do seu país à África do Sul. Pretória denunciou neste sábado (8) uma "campanha de desinformação e propaganda" de Washington, onde "histórias" que carecem de "precisão factual" parecem "ser favorecidas pelos tomadores de decisão", acusou.
A presença na equipe de Trump do bilionário Elon Musk, que cresceu na África do Sul durante o apartheid e denuncia uma lei de terras "abertamente racista", é um sinal de turbulências para o maior parceiro comercial dos Estados Unidos na África, apontam especialistas. As sanções dos EUA impostas ao Tribunal Penal Internacional (TPI), que Trump acusa de tomar medidas "infundadas" contra seu "aliado próximo" Israel, também correm o risco de aumentar as tensões geopolíticas. Pretória se colocou como protagonista dos esforços internacionais para que a guerra em Gaza fosse rotulada como "genocídio".
A África do Sul denunciou no sábado a "campanha de desinformação e propaganda" que, segundo o governo sul-africano, motivou o fim da ajuda americana ao país, em retaliação a uma lei de expropriação que Washington considera discriminatória em relação à minoria branca. O Ministério das Relações Exteriores disse estar "muito preocupado" com "a premissa básica deste decreto", que "carece de precisão factual e não reconhece a profunda e dolorosa história de colonialismo e apartheid da África do Sul".
A presidência sul-africana negou nos últimos dias qualquer intenção de "confiscar terras". A grande maioria das terras na África do Sul continua sendo propriedade de famílias brancas, um legado de uma política de expropriação da população negra durante o apartheid ? que terminou há cerca de 30 anos ? e, antes, durante a colonização.
"Estamos preocupados com o que parece ser uma campanha de desinformação e propaganda com o objetivo de deturpar nossa grande nação", disse o ministério em seu comunicado. "É decepcionante que tais narrativas pareçam encontrar aceitação entre os tomadores de decisão nos Estados Unidos da América", acrescentou.
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Pretória considera particularmente "irônico" que o decreto americano preveja "a concessão de status de refugiado" a "um grupo de sul-africanos que estão entre os mais privilegiados economicamente", enquanto, ao mesmo tempo, "pessoas vulneráveis ??de outras partes do mundo são expulsas para os Estados Unidos e têm o asilo negado, apesar das dificuldades reais".
O decreto dos EUA promete especificamente fornecer assistência à "minoria étnica africâner", descendentes dos primeiros colonos europeus, inclusive oferecendo-lhes status de refugiado.
A porta-voz do Serviço de Relações Exteriores dos EUA, Tammy Bruce, reiterou no sábado que seu país estava pronto para receber "fazendeiros brancos perseguidos e outras vítimas inocentes visadas apenas por causa de sua raça".
"Os Estados Unidos estão prontos para ajudar os descendentes de colonos sul-africanos que estão enfrentando desapropriação e abuso pelo governo sul-africano", disse ela, à The X Network. "Agricultores sul-africanos perseguidos e outras vítimas inocentes visadas apenas por causa de sua raça que escolherem se estabelecer na América serão bem-vindos", completou. "Não ficaremos mais parados enquanto os direitos dados por Deus são tão cruelmente violados", continuou.
Influência de grupos supremacistas brancos
Antes de Trump, senadores bipartidários "já questionavam o relacionamento com a África do Sul", observa Dawie Roodt, economista-chefe do Efficient Group. Em 2023, eles pediram que Joe Biden punisse Pretória por não condenar a invasão da Ucrânia pela Rússia. Mas com o retorno de Donald Trump ao poder, "de repente, essas vozes minoritárias ganham mais peso", observa o analista.
A disputa começou com declarações de Donald Trump acusando a África do Sul de querer prosseguir, como no Zimbábue nos anos 2000, com o confisco de terras pertencentes a fazendeiros brancos. Ele disse que a África do Sul estava tratando "certas categorias de pessoas MUITO MAL". Como resultado, ele anunciou que cortaria "todo o financiamento" ao país.
A lei sul-africana permitirá "a apreensão de propriedades agrícolas da minoria étnica africâner sem compensação", denunciou Donald Trump na sexta-feira, neste decreto que ordena o congelamento de todo o financiamento enquanto o governo sul-africano continuar com "suas práticas injustas e imorais".
A sequência continuou na quarta-feira com Marco Rubio anunciando que não viajaria a Joanesburgo para uma reunião de ministros das Relações Exteriores do G20 em fevereiro, acusando a África do Sul, que exerce a presidência rotativa do grupo este ano, de "antiamericanismo".
Riscos para Pretória
Pretória, membro fundador do BRICS, também foi acusada pelo senador republicano Ted Cruz de "fazer todo o possível para alienar os Estados Unidos", após pedir a Taiwan que transferisse sua delegação de sua capital, Pretória. Sem mencionar que Donald Trump ameaçou impor taxas alfandegárias de 100% aos membros do BRICS para dissuadi-los do projeto de abrir mão do dólar em seu comércio.
Em resposta a essa avalanche de críticas, a África do Sul "não se deixará intimidar", alertou seu presidente Cyril Ramaphosa na quinta-feira. Mas, além da retórica, o país não tem influência para se opor a Washington, dizem especialistas.
"Trump tem a economia americana, a tecnologia, vários bilionários e grandes movimentos políticos por trás dele", disse Roodt. Segundo ele, "o grande perdedor será a África do Sul".
Também há riscos na extensão dos acordos da Lei de Crescimento e Oportunidades para a África (AGOA), que devem ser renovados este ano. A África do Sul é uma das principais beneficiárias desses acordos, que dão a certos produtos africanos acesso ao mercado americano sem taxas alfandegárias.
"Se Trump conseguiu fechar a USAID do jeito que diz, afetando a vida de milhões de pessoas, a AGOA não tem grandes chances de sobreviver", disse à AFP Neil Diamond, presidente da Câmara de Comércio Sul-Africana nos Estados Unidos. Segundo ele, "seria necessária uma intervenção maciça dos líderes africanos para mudar a visão de Trump".
Mais otimista, a cientista política Susan Booysen acredita que "se for apenas pura provocação por parte de Trump, como ele sabe fazer, pode terminar a qualquer momento com um 'Ah! esquece o que eu disse'", explica à AFP.
Para seu colega Sandile Swana, por outro lado, "Trump está nos levando de volta à idade das trevas". Elon Musk, que deixou a África do Sul aos 17 anos, "desempenha um papel importante", ele acredita, e "alguns sul-africanos brancos de alto escalão estão sussurrando coisas no ouvido de Trump que não são verificadas". Segundo ele, "grupos supremacistas brancos estão ganhando poder e usando-o para impor suas visões conservadoras", sendo a África do Sul "um alvo fácil".
Africâners ou americâners?
A lei promulgada em janeiro esclarece o arcabouço legal das desapropriações, sem nenhuma mudança substancial na opinião da maioria dos advogados. Mas cristaliza os medos de uma pequena parte da minoria branca.
O texto permite que o governo sul-africano, como medida de interesse geral, decida sobre desapropriações sem indenização em certas circunstâncias excepcionais em que isso seria "justo e equitativo", sem maiores detalhes. Durante vários dias, nas redes sociais, muitos sul-africanos de todas as cores de pele expressaram sua indignação ou zombaram das posições americanas.
"Deveríamos chamá-los de Americaners agora?", perguntou ironicamente um usuário negro da internet no sábado. "Devemos esperar que vinícolas ou reservas de 'safáris privados' sejam evacuadas?", brincou outro, referindo-se ao fato de que a maioria delas é de famílias brancas.
A pequena organização Afriforum, que visa "proteger e promover a identidade africâner", agradeceu aos Estados Unidos por sua posição, ao mesmo tempo em que disse que o lugar dos sul-africanos brancos era em seu país.
O Afriforum expressou em um comunicado sua "grande satisfação com o reconhecimento de Trump e dos Estados Unidos da injustiça à qual os africâneres estão sujeitos". Mas a associação diz que continua "apegada ao futuro dos africâneres", que representam apenas uma parte dos menos de 7,3% de sul-africanos brancos contados em 2022, "no extremo sul da África".
Com informações da AFP