STF vota ações contra violência em favelas e ocupa brecha de outros Poderes

O STF deve julgar nesta quarta-feira (5) um conjunto de ações cujo objetivo é reduzir a violência e a letalidade policial no Rio de Janeiro. Ao UOL, especialistas e autoridades afirmam que a votação das propostas no Supremo ocupa lacuna deixada pelos demais Poderes no debate da segurança pública.
O que aconteceu
Um dos principais pontos da ação é a votação de um plano de redução da letalidade policial. A proposta apresentada é um plano que visa reduzir 70% a letalidade policial no estado. "É necessário estabelecer um projeto de segurança pública que respeite os direitos da população, com maior fiscalização das polícias e que atenda aos critérios básicos dentro das favelas", diz o diretor da ONG Conectas Direitos Humanos, Gabriel Sampaio. O estado do Rio fixou uma meta de 20%. A divergência entre os percentuais deve gerar debate entre os ministros.
Julgamento está previsto para começar às 14h com a leitura do voto do relator, o ministro Edson Fachin. A ação, composta por um conjunto de medidas que busca frear a violência policial e fiscalizar os agentes de segurança pública no estado, será apreciada pelos 11 ministros da Corte.
Ação representa passo importante para a criação de uma política de segurança pública que respeite os direitos humanos, segundo a ONG. Diretor de litigância e incidência da entidade, que participou da etapa de sustentações orais da ação em novembro do ano passado, Sampaio afirma que a expectativa é que o julgamento tenha início e conclusão. "Ainda que não se encerre no mesmo dia, é necessário que seja concluído, mesmo que não em uma sessão única, mas em um tempo contínuo."
Ação é considerada complexa em razão da quantidade de pontos que serão analisados pelos ministros. Além da definição de um plano de redução da letalidade policial, a ação propõe ainda que sejam criados mecanismos de monitoramento, como uma sala de monitoramento, e uma comissão independente de supervisão da atividade policial.
Medidas também preveem mais transparência nas ações policiais, confirmando a obrigatoriedade no uso de câmeras nas fardas e o uso de gravadores de áudios. A ação também pede a presença de socorristas durante operações policiais, que investigações sobre abusos e mortes em operações policiais mais rigorosas e que sejam criadas medidas específicas para proteger crianças, adolescentes e grupos vulneráveis.
Após o fim do julgamento, os pontos votados pelos ministros começam a valer na prática. Sampaio explica que alguns pontos foram validados desde a aprovação das medidas cautelares em março de 2020. Para os novos pontos que serão decididos pela Corte, o governo deverá acatá-los ou poderá entrar com embargos declaratórios —recursos que não mudam o conteúdo da decisão, mas esclarecer eventuais inconsistências.
Omissão de outros Poderes
Situações de litígio como essa ocorrem quando outros espaços de discussão estão bloqueados, analisa o diretor da ONG Conectas. Isso porque o entrave na Justiça entre o estado do Rio, entidades da sociedade civil, Defensoria Pública do Estado e o PSB se arrasta desde 2017, quando o estado brasileiro foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (ver abaixo). "As soluções poderiam vir do Executivo, do Legislativo, que estão falhando para encontrar soluções para esses problemas", diz Sampaio. "Essa população tem sofrido de forma recorrente."
O senador Paulo Paim (PT-RS) diz que o STF deve agir diante da omissão dos demais Poderes. "Ninguém tem dúvida que a abordagem é feita de forma diferente dependendo da região que a pessoa esteja e da cor da pele", diz. "É na morosidade do Executivo e do legislativo que o Supremo tem que decidir." Ele presidiu a Comissão dos Direitos Humanos do Senado entre os anos de 2023 e 2024.
Há uma inércia do poder público no que diz respeito ao uso da força pelo Estado, diz o advogado Cristiano Maronna. "Essa ação discute uma necessidade de haver parâmetros operacionais que garantam a segurança pública e o respeito aos direitos humanos", diz o advogado e diretor do Justa, plataforma de pesquisa nas áreas de justiça e política.
Executivo e Legislativo não demonstram capacidade de construir uma agenda de segurança pública em consonância com a Constituição, avalia advogado. "O estímulo à violência policial se tornou uma bandeira política e é parte da política de segurança pública. Falta por parte da esquerda e do campo democrático, conseguir reagir de uma forma mais qualificada", afirma Maronna. "O ideal seria o Supremo não entrar em discussões como essa, mas se não entrasse estaríamos nas mãos de um grupo político que quer desgastar e desconstruir o que diz a Constituição."
O que diz a prefeitura
Prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD) se manifestou se forma contrária à ADPF. "Ela passou para o delinquente, para os marginais uma sensação de impunidade, está virando desculpa para não fazer nada na segurança pública no Rio de Janeiro"
Paes diz ter entrado com pedido no STF para prefeitura ser parte da ação. "É importante que a prefeitura entre formalmente nesse debate, nós somos parte interessada. Ontem ingressamos com um pedido ao ministro Fachin para participar da ação.
ADPF "estimula delinquentes" e "constrange forças policiais", segundo prefeito. "A culpa na minha opinião não é da ADPF, mas ela gera assim uma narrativa, uma sensação muito ruim acabando, estimulando os delinquentes e constrangendo as forças policiais', diz.
Prefeito disse vai vai apresentar dados que mostram, segundo ele, aumento da criminalidade da cidade. "Houve um aumento dos territórios dominados pelo crime organizado no Rio de Janeiro, o que impacta diretamente na vida da cidade."
Entenda a ação
A ação, conhecida como Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, começou a ser julgada em novembro do ano passado. Movida pelo PSB, a ação afirma que a política de segurança pública do Rio de Janeiro "em vez de prevenir mortes e conflitos armados, incentiva a letalidade da atuação dos órgãos policiais".
Desde 2019, quando a ação foi apresentada, o STF fez diversas determinações em decisões liminares, em caráter de urgência. A Corte determinou que o governo estadual elaborasse um plano para reduzir a letalidade policial. As liminares determinaram suspensão de operações policiais em comunidades do estado durante a pandemia da covid 19, instalação de câmeras nas fardas de policiais, restrição no uso de helicópteros em operações policiais em favelas e restrição de operações policiais próximo a escolas.
Grupo de trabalho do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apresentou relatório ao ministro Fachin. O grupo formado para acompanhar as ações para reduzir a letalidade policial concluiu que a única forma de fiscalizar a atuação da polícia e preservar os direitos humanos é promover a transparência dos dados das investigações, ocorrências e operações policiais, sob a supervisão do Ministério Público.
Em novembro do ano passado, pela primeira vez, organizações sociais acompanharam as discussões do tribunal e se tornaram parte do processo. Segundo a Conectas Direitos Humanos, cerca de 300 organizações de diversos setores da sociedade civil assinaram uma carta em apoio à ação.
Ação não tem efeito jurídico sobre o contexto de outros estados. Mas, segundo Sampaio, da Conectas, a manifestação do Supremo colabora para que órgãos executivos, policiais e o Ministério Público criem medidas para garantir direitos da população.
O que motivou a ação foi sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos que condenou o Brasil no caso da Favela Nova Brasília, no Complexo do Alemão. Em fevereiro de 2017, a sentença declarou responsabilidade internacional do Estado brasileiro pela violação do direito às garantias judiciais de independência e imparcialidade da investigação, devida diligência e prazo razoável, do direito à proteção judicial, e do direito à integridade pessoal de familiares das pessoas assassinadas e das vítimas de tortura sexual pelo Estado.