Barroso fala em 'críticas injustas', mas gasto do Judiciário cresceu em 9%

O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, disse nesta segunda-feira (3), em discurso na abertura dos trabalhos deste ano, que as críticas às despesas do Judiciário "muitas vezes são injustas" e que o orçamento é o mesmo desde 2017. Entretanto, de 2022 a 2023, último dado disponível, o custo do Poder cresceu 9%, acima da inflação, segundo relatório do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
O que aconteceu
Ministro defendeu atuação da classe. "Nós somos contra qualquer tipo de abuso, e a Corregedoria Nacional de Justiça, liderada pelo querido amigo Mauro Campbell Marques, está atenta. Mas é preciso não supervalorizar críticas que, muitas vezes, são injustas ou fruto da incompreensão do trabalho dos juízes", declarou.
Barroso disse ainda que o orçamento do Judiciário se mantém desde 2017, corrigido apenas pelo percentual da inflação. "Em 2024, teve um pequeno aumento decorrente da lei do arcabouço fiscal", acrescentou.
Último dado disponível do CNJ, do relatório Justiça em Números, publicado em 2024, mostra que despesas aumentaram 9% entre 2022 e 2023. O gasto, que era de R$ 121,77 bilhões, passou a R$ 132,75 bilhões —elevação superior à inflação acumulada daquele ano, que foi de 4,62%.
A maior parte dos gastos é em pessoal. Em 2023, a despesa com recursos humanos foi de R$ 119,72 bilhões, o que corresponde a 90% do custo total. Desse montante, R$ 75,6 bi (63%) foram com servidores ativos, e R$ 22,5 bi (19%), inativos. O restante das despesas inclui benefícios, estagiários e funcionários terceirizados.
Custo do serviço da Justiça foi de R$ 653,70 por brasileiro em 2023. O valor também cresceu em relação ao ano anterior (11,5%), quando foi de R$ 586,12. Desde o início da série histórica, em 2009, o valor da despesa do Judiciário por habitante só aumentou ano a ano.
Arrecadação do Judiciário caiu no mesmo período. Em 2023, a receita foi de R$ 68,74 bilhões, pouco mais da metade (52%) do valor gasto. No ano anterior, havia sido de R$ 70,84 bilhões, um decréscimo de cerca de 3%. A Justiça arrecada com recolhimento de custas de processos e execuções, por exemplo.
É possível conferir que os gastos por habitante cresceram a partir de 2021, e que o patamar atualmente verificado é o maior encontrado desde o início da série histórica. Ao analisar as despesas por habitantes sem computar os gastos com profissionais inativos, observa-se crescimento constante entre os anos e mais acentuado nos últimos dois.
Relatório Justiça em Números, do CNJ
Para a advogada associada à Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político) Leticia Lacerda, é preciso olhar também para "o retorno que o Judiciário dá à sociedade". "Todos nós cidadãos queremos eficiência, melhores decisões, melhores juízes, uma Justiça célere, tecnológica. Isso tem impacto orçamentário", opinou.
Casos de abusos são "constrangimento", disse Lacerda. "É evidente que tem casos de supersalários que trazem até um constrangimento, e o CNJ deveria ser mais vigilante com o que os tribunais autorizam", falou. "Mas eu concordo que as críticas à despesa, de forma isolada, são enviesadas e injustas."
Já para Juliana Sakai, diretora-executiva da Transparência Brasil, o isolamento está na forma de pensar do ministro. "Como presidente do STF e do CNJ, ele precisa ter um posicionamento não só de representação dos funcionários, mas do Poder Judiciário, que serve à população, e não a seus membros", declarou. "A visão do Barroso é a visão de uma elite que defende seus próprios benefícios."
Ela diz que, para reduzir o total dos gastos, seria necessário que os pagamentos dos magistrados ficassem dentro do que a Constituição define. A lei manda que o teto do funcionalismo público é o salário dos ministros do STF, atualmente em R$ 46,3 mil. Magistrados, porém, burlam esse limite com benefícios aprovados pelo próprio Judiciário.
No ano passado, o governo tentou incluir uma trava para o pagamento desses penduricalhos na PEC do Teto de Gastos. Após pressão das entidades de classe e a tramitação no Congresso, o texto foi desidratado, e a redução dos supersalários ficou para outro momento.
Barroso contestou reportagem. Nesta quarta (5), após a publicação deste texto, o ministro ressaltou que prestou as informações corretas. "Matéria recentemente publicada contesta esses números, sem ser capaz de distinguir o Judiciário federal do Judiciário dos estados. Estes não estão sujeitos ao teto e ao arcabouço fiscal, que só vale no plano da União", disse ele durante abertura da sessão plenária. Entretanto, na segunda-feira, o ministro falou apenas em Judiciário, e não em Judiciário federal. Assista abaixo: