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'Médica falou que dor era ansiedade, mas saí do hospital com 2 cirurgias'

do UOL

Sofia Pilagallo

Colaboração para VivaBem

04/02/2025 05h30

Um diagnóstico errado colocou em risco a vida da alagoana Maria Rita Broussaud, 26, que hoje mora no Recife. No início de janeiro, ela foi ao hospital depois de sentir falta de ar e fortes dores do lado direito do tórax.

A suspeita inicial foi de ansiedade, mas era, na verdade, um pneumotórax, condição em que o ar, que deveria estar dentro do pulmão, consegue escapar para fora.

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Depois de obter o diagnóstico correto, Maria Rita teve de fazer duas cirurgias. "Fui para o hospital com [sintoma de] ansiedade e saí com duas cirurgias torácicas", resumiu Maria Rita, no TikTok.

A VivaBem, ela optou por não dizer o nome do hospital ou dos médicos que a atenderam.

'Parecia que era uma facada'

Naquele dia, Maria Rita conta que foi a um hospital particular em Recife e, sem examiná-la, a médica disse que ela provavelmente estava com ansiedade. A profissional pediu um eletrocardiograma —um dos exames realizados para a avaliação da saúde cardiovascular—, que teria vindo sem alterações.

Maria Rita pediu à médica outro exame, mas ela achou desnecessário, reiterando que não passava de ansiedade. Então, a jovem voltou para casa e tomou dois calmantes naturais. À noite, os sintomas pioraram.

"Comecei a sentir uma dor terrível no tórax", conta.

Quando fui dormir, não conseguia me deitar de lado. Parecia que estava levando uma facada. Acordei às seis e meia da manhã e voltei ao hospital, sem falar nada para minha família.
Maria Rita Broussaud

Maria Rita foi atendida por outra médica e relatou novamente a dor intensa —a nova profissional entendeu que não se tratava de um quadro de ansiedade.

Maria Rita teve quadro agravado por problema no diagnóstico - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Maria Rita teve quadro agravado por problema no diagnóstico
Imagem: Arquivo pessoal

A médica lhe aplicou três injeções e pediu a ela que aguardasse por 40 minutos. Maria Rita esperou duas horas, sempre sentindo muita dor, e começou a ficar aflita.

"Eu disse à médica que não sabia o que podia ser. Falei que tinha asma quando criança e perguntei se podia ter alguma relação", afirma. "Estava entrando em desespero porque minha falta de ar piorava a cada segundo. Então ela me receitou uma bombinha de ar."

Passou mais uma hora e Maria Rita não melhorava. Ela então voltou a ser atendida pela mesma médica, que solicitou um raio-X, um novo eletrocardiograma e um hemograma. A profissional encerrou o expediente, e um colega dela assumiu o caso.

O eletrocardiograma apontou que Maria Rita estava sofrendo um princípio de infarto. O médico solicitou um novo exame, que apontou o mesmo diagnóstico.

Àquela altura, a falta de ar era tamanha que, no caminho para fazer o exame de raio-X, a jovem parou no meio do corredor e sentou-se no chão. Então, pediu uma cadeira de rodas.

O médico disse que o resultado do raio-X havia vindo sem alterações, mas que iria esperar o resultado do hemograma para dar um parecer. Em paralelo, ele estava em contato com um cardiologista de fora para avaliar o quadro de Maria Rita.

Em dado momento, o cardiologista retornou e, assustado, pediu que a jovem fosse levada à ala intensiva, onde os médicos constataram um pneumotórax já avançado.

Maria Rita teve de passar por duas cirurgias - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Maria Rita teve de passar por duas cirurgias
Imagem: Arquivo pessoal

A condição, nesse estágio, afeta o funcionamento do coração, o que explica as alterações no eletrocardiograma. Por causa da demora em chegar a um diagnóstico preciso, o pneumotórax, inicialmente simples, estava prestes a evoluir para um pneumotórax hipertensivo.

Imediatamente, Maria Rita foi submetida a uma cirurgia de emergência para cobrir a ferida que a saída de ar do pulmão causava. A operação foi bem-sucedida. Por alguns dias, ela teve de ficar com um dreno no tórax, o que lhe causou muita dor, a ponto de ter de tomar morfina.

Dias depois, uma tomografia constatou que, ao contrário do esperado, o pneumotórax não havia se fechado por conta própria. O exame também indicou que Maria Rita estava com pequenas bolhas de ar no pulmão, conhecidas como blebs. Então, ela precisou passar por nova cirurgia. Hoje, na reta final da recuperação, avalia ter havido negligência médica no seu caso.

Não sou da área da saúde, mas, depois de ter conversado com alguns médicos, percebi que, se eu fosse uma pessoa idosa, poderia ter morrido. O fato de os médicos não terem feito uma simples ausculta [termo técnico para a escuta dos sons internos do corpo, normalmente usando um estetoscópio] é absurdo.
Maria Rita Broussaud

Ela cogita processar o hospital. "Ainda não tomamos uma decisão sobre isso."

O que é pneumotórax

VivaBem ouviu dois médicos, que opinaram sobre o caso de Maria Rita a partir do seu relato, publicado nas redes sociais.

A dor aguda, sentida em pontadas —descrita por Maria Rita como semelhante a uma facada— é um "sintoma clássico do pneumotórax", diz o pneumologista Philippe Colares, coordenador da Comissão Científica de Doenças Pleurais da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT). A falta de ar, por sua vez, é inespecífica e pode estar atrelada a muitas doenças. Esse tipo de dor, no entanto, geralmente indica um acometimento pleural, da membrana que reveste os pulmões.

O pneumotórax é uma condição em que há presença de ar fora do pulmão, mais especificamente entre as duas membranas que recobrem o órgão, chamadas de pleuras. A doença pode ser causada espontaneamente, como foi o caso de Maria Rita, ou a partir de um trauma, como a fratura de uma costela.

No caso de um pneumotórax espontâneo, o paciente apresenta pequenas bolhas pulmonares, que se rompem e geram passagem de ar para a cavidade pleural. Este pode ser enquadrado como primário ou secundário. O primeiro ocorre em pacientes sem doença pulmonar subjacente ou evidente, enquanto o segundo surge em decorrência de complicação de doença pulmonar previamente conhecida, como enfisema pulmonar.

O pneumotórax espontâneo primário pode ocorrer a qualquer momento e acometer pessoas sadias. Não há uma causa específica. É mais comum em homens que fumam, mas pode se manifestar também em mulheres.
Philippe Colares, pneumologista

Ansiedade x problema pulmonar

Atualmente, muitos pacientes jovens com questões respiratórias são tratados como se estivessem em crise de ansiedade, o que pode, eventualmente, levar o paciente à morte, diz Colares. Um pneumotórax simples, como foi o caso de Maria Rita, poderia ter evoluído para um pneumotórax hipertensivo, que ocorre nos casos em que a quantidade de ar dentro do tórax já impede a circulação sanguínea. A evolução não é tão comum, mas pode ocorrer e ser fatal.

É muito mais fácil avaliar uma pessoa idosa ou alguém que já tenha uma comorbidade. Muitas vezes, em pessoas sadias, não se dá a devida importância aos sintomas apresentados. Por isso, o quadro pode ser confundido com ansiedade.
Philippe Colares

Durante uma ausculta, já é possível obter indícios de que o paciente pode estar com pneumotórax. O diagnóstico é fácil de ser confirmado clinicamente, podendo ser feito por meio de uma tomografia ou até mesmo de um ultrassom da parede torácica, explica o cirurgião torácico Daniel Bonomi, diretor científico da Sociedade Brasileira de Cirurgia Torácica (SBCT).

No caso de Maria Rita, ela apresentou falta de ar e dor intensas, então a suspeita de pneumotórax era bem evidente. Ainda assim, Bonomi ressalta que a dor é "relativa" e que cada um a sente de um jeito diferente.

Por isso, em alguns casos, os sintomas podem ser confundidos com outros quadros clínicos, inclusive com ansiedade. A ausência de suspeita pode levar determinados pacientes a conviverem semanas com um pneumotórax aberto até receberem o diagnóstico correto.
Daniel Bonomi

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