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Ex-presidente argentino nega ter agredido sua mulher e pede arquivamento do processo por violência de gênero

04/02/2025 17h43

O ex-presidente argentino Alberto Fernández (2019-2023), indiciado por violência de gênero, se exprimiu no final da manhã desta terça-feira (4) no processo movido pela ex-primeira-dama, Fabiola Yañez, que o acusa de tê-la agredido física e psicologicamente. O acusado negou ter exercido qualquer violência e pediu o arquivamento do processo. Enquanto Fernández é acusado de agressões contra a mulher, o atual chefe de Estado, Javier Milei, quer diminuir - ou mesmo abolir - o peso legal da violência de gênero do código penal argentino.

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Alberto Fernández não aceitou perguntas, apresentando uma declaração escrita com mais de 200 páginas nas quais rejeita todas as acusações de violência de gênero, incluindo lesões e ameaças, e nas quais distribui acusações contra a própria ex-mulher, contra o promotor público e contra o juiz. A declaração foi divulgada pelo ex-presidente em perfil na rede social X.

"Jamais exerci violência física sobre Fabiola Yañez", garantiu o acusado. "Nenhuma das testemunhas viu ou conheceu de algum modo que eu tenha tido tal conduta", prosseguiu. "Solicito que me desvinculem deste processo, determinando o meu arquivamento", pediu.

Ao mesmo tempo que pediu para se livrar do processo, Alberto Fernández distribuiu acusações contra a sua ex-mulher por falso testemunho, contra o promotor público, Ramiro González, cuja destituição Fernández disse que poderia pedir, e contra o próprio juiz, Julián Ercolini, com quem o ex-presidente disse ter uma "inimizade manifesta". Na defesa, ele ainda acusou a ex-mulher de pedir mais de US$ 3 milhões para não registrar uma denúncia penal.

A audiência estava marcada para as 11 da manhã, mas, para fintar os jornalistas, Alberto Fernández chegou ao tribunal às 10 da manhã, retirando-se às 11h20, tendo a audiência durado 40 minutos. Durante esse tempo, e ex-presidente exerceu o direito de manter silêncio, mas apresentou a defesa por escrito.

"A minha decisão de não responder perguntas que não provenham da minha advogada de defesa não tem o objetivo de não me submeter à verdade. Simplesmente, como disse antes, acredito que o juiz e o promotor carecem de condições éticas para me julgarem ou para me acusarem", defendeu-se Fernández, quem, nesta audiência, também não respondeu perguntas da sua advogada.

A partir de agora, o juiz tem 10 dias úteis de prazo para tornar Alberto Fernández réu, para determinar a falta de mérito ou para arquivar a acusação. O ex-presidente é acusado de "lesões leves e graves e de ameaças, agravadas por um contexto de violência de gênero e de assimetria de poder". O Ministério Público pediu 18 anos de prisão.

Investigado por corrupção

Na segunda-feira (3), o ex-presidente tentou o terceiro adiamento da audiência, mas o juiz Ercolini rejeitou o pedido. Depois dos dois adiamentos em dezembro (dias 11 e 19) passado, um tribunal de segunda instância, a Câmara Federal, confirmou Ercolini como juiz do processo.

O juiz é o mesmo que investiga Alberto Fernández por corrupção num processo conhecido como "Seguros". Quando era presidente, Fernández decretou que dependências e empresas do Estado estavam obrigadas a contratar seguros através de determinados intermediários, coincidentemente com os quais mantinha uma amizade encoberta.

Nesse processo, Alberto Fernández ainda não foi indiciado porque seria o último ponto da trama. Porém, durante as investigações, o juiz encontrou uma mensagem da ex-mulher, Fabiola Yañez, à secretária do ex-presidente, María Cantero, na qual a ex-primeira-dama desabafava a Cantero que o marido a agredia fisicamente, mostrando-lhe fotos dos olhos completamente inchados. Após o caso vir à tona, Fabiola Yañez fez a denúncia penal em 6 de agosto de 2024, levando o ex-marido ao indiciamento.

"Num contexto de violência de gênero, marcado pela particular relação de assimetria de poder, o indiciado (Alberto Fernández) teria aproveitado a especial situação de vulnerabilidade da mencionada (Fabiola Yañez) para exercer com habitualidade e de modo contínuo, violência psicológica contra Yañez, sob as formas de assédio, perseguição, controles, indiferença, insultos, atribuição de culpa, destrato e hostilidade", escreveu o juiz ao intimar o ex-presidente.

O Ministério Público acusa Alberto Fernández de nove episódios comprovados que incluem duas lesões leves no contexto de violência de gênero, uma lesão grave pelo enfraquecimento permanente da saúde de Fabiola Yañez e ameaças caso a ex-primeira-dama denunciasse os episódios à Justiça.

Violência de gênero sob questão na Argentina

Mas enquanto o ex-presidente é acusado de bater na própria mulher, o atual chefe de Estado, Javier Milei, quer diminuir - ou mesmo abolir - o peso legal da violência de gênero no país. Para Milei, o agravante em crimes contra mulheres, o chamado feminicídio, deve ser retirado do código penal argentino.

"Chegamos ao ponto de acharmos normal que, em muitos países supostamente civilizados, se alguém matar uma mulher chama-se feminicídio, levando a uma pena mais grave do que se alguém matar um homem, legalizando assim que a vida de uma mulher vale mais do que a de um homem", disse Milei em discurso no Foro Econômico Mundial de Davos, em 23 de janeiro, quando também concluiu que "o feminismo radical é uma distorção do conceito de igualdade" e que, no fundo, "procura privilégios", "pondo uma metade da população contra a outra".

Esse tipo de visão provocou uma manifestação no sábado (1°) na qual mais de cem mil pessoas protestaram contra os conceitos do presidente.

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