Topo
Notícias

Prender imigrantes ilegais em Guantánamo é como enviá-los a campo de concentração, diz especialista

03/02/2025 17h09

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, quer transformar a base americana de Guantánamo, conhecida por sua prisão militar inaugurada após os ataques de 11 de setembro de 2001, em um gigantesco centro de detenção para 30.000 imigrantes sem documentos. O anúncio provocou um debate acalorado e críticas de especialistas e ativistas dos direitos humanos, que temem pelos abusos cometidos na prisão. Brian Concannon, advogado nos Estados Unidos e diretor do Instituto para Justiça e Democracia no Haiti, compara Guantánamo a um "campo de concentração".

Anne Verdaguer, da RFI, em Paris

RFI - Situada em Cuba, a base americana de Guantánamo já serviu como centro de detenção para migrantes no passado. Na década de 1990, o presidente Bill Clinton enviou para lá 30.000 cubanos e haitianos ilegais que haviam sido interceptados depois de atravessar para os Estados Unidos em barcos improvisados. Como o senhor vê os planos de Donald Trump de abrir um novo centro de detenção para imigrantes no local?

Brian Concannon - Estou muito preocupado com esse projeto, primeiramente porque Guantánamo já foi usado como um campo de concentração com condições desumanas de detenção, e esse lugar está fora de qualquer jurisdição nos Estados Unidos. Mas também porque a política recente do governo Trump tem sido a de desrespeitar a lei internacional e defender os maus-tratos às populações de imigrantes nos Estados Unidos. De acordo com uma lei recente aprovada nos Estados Unidos, uma pessoa vinda do exterior poderia ser presa mesmo que tenha cometido um delito menor e, posteriormente, deportada para Guantánamo. É muito preocupante imaginar alguém sendo detido em condições de campo de concentração por um delito menor, do ponto de vista humano, legal e de direitos humanos.

RFI - O senhor fala em "campo de concentração", um termo bastante forte...

B.C. - É um termo muito forte, de fato, mas não o uso de forma banal. Lembro que a última vez que um grande número de pessoas foi detido lá, foram os haitianos na década de 1990. Eles era 20.000 deles e suas condições de detenção eram terríveis. Eles estavam em barracas superlotadas, sob luz solar direta, cercados por arame farpado, sem alimentação adequada e sem a possibilidade de fazer qualquer atividade física. Eles também não tinham nenhum recurso legal, pois os tribunais dos Estados Unidos diziam que não podiam fazer nada, já que a base de Guantánamo não está localizada nos Estados Unidos. Portanto, qualquer pessoa detida lá não tinha meios de denunciar as condições de detenção ou os maus-tratos que estava sofrendo. Então podemos até dizer que ser mantido nessas condições, em uma base militar em uma área sem lei, lembra os campos de concentração. E a perspectiva de que isso aconteça novamente é desumana e ilegal.

RFI - Se a base de Guantánamo é tão controversa, porque ainda não foi fechada?

B.C. - Essa foi uma das promessas de campanha de Barack Obama quando ele foi eleito em 2008. Mas estamos em 2025 e isso ainda não foi feito. Acho que há vários motivos para isso: em primeiro lugar, político, porque para muitos prisioneiros a questão de enviá-los de volta a seus próprios países é um problema, porque esses países não os querem de volta. Há também o fato de que tanto os republicanos quanto os democratas consideraram politicamente arriscado manter esses prisioneiros em solo norte-americano, pois há o risco de fuga e isso poderia ter um grande impacto político. Porém, a maioria dos advogados acredita que isso já deveria ter sido feito há muito tempo e que há maneiras de transferir os prisioneiros para seu país de origem ou para os Estados Unidos sem representar nenhum risco. E, de fato, foi o que aconteceu: a maioria dos prisioneiros de Guantánamo durante a era da Al-Qaeda e da guerra contra o terrorismo foi transferida para outros lugares. Mas, na verdade, uma das razões pelas quais essa base ainda existe é que os presidentes gostam de ter um lugar onde os tribunais não podem agir e um lugar onde podem manter os prisioneiros sem que eles tenham qualquer recurso legal.

RFI - Há algum tipo de recurso legal caso esse envio de imigrantes para Guantánamo seja implementado ?

B.C - Já existem grupos de advogados que estão planejando tomar medidas legais e que tentarão obter liminares de juízes para impedir os voos de deportação. Também há sinais de oposição da parte de alguns membros do Congresso, embora seja difícil para eles contestarem essas decisões, pois ambas as casas têm maioria republicana. É interessante notar que a decisão de deportá-los para Guantánamo não faz sentido do ponto de vista econômico, porque é muito longe dos Estados Unidos e vai custar muito dinheiro. Mas acho que o motivo pelo qual Donald Trump está fazendo isso é para mostrar o quanto ele pode tratar mal essas pessoas e também para mostrar à sua base [política] que ele é capaz de ser tão cruel como prometeu.

Notícias