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Tema de música, por que 'terra da garoa' não serve mais como apelido de SP?

De bote, bombeiros resgatam ilhados em enchente de São Paulo - Rahel Patrasso/Reuters
De bote, bombeiros resgatam ilhados em enchente de São Paulo Imagem: Rahel Patrasso/Reuters
do UOL

De Ecoa, em São Paulo

03/02/2025 05h30

São Paulo não é mais a "terra da garoa", como já foi cantado por Tonico e Tinoco e tantos outros músicos. Chuvas fortes, como a da última sexta-feira (24), mostram que a capital paulista virou uma cidade das tempestades, segundo o climatologista Carlos Nobre, também colunista de Ecoa.

Por que São Paulo é chamada assim?

Apelido devido à fina chuva na cidade. Fenômeno era comum nas décadas de 1950 e 1960, principalmente, em horários ainda no meio da tarde. Brisa marítima avançava com bastante umidade em direção ao continente pela Serra do Mar —passando por cidades do litoral, como Santos e São Vicente.

O ar muito úmido chegava ao topo da Serra do Mar e encontrava uma temperatura mais baixa, o suficiente para condensar vapor d'água e formar gotículas, que dão origem à garoa. Carlos Nobre, climatologista

Cidade já não é mais a "terra da garoa" desde a década de 1990. A garoa ainda se forma em regiões da Serra do Mar, onde existe concentração da Mata Atlântica. Um estudo conduzido por pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo) e divulgado em 2002 trazia a possibilidade de a cidade recuperar o status em dez anos.

A expectativa era que mudanças nos ciclos do Oceano Atlântico baixassem a temperatura. Por consequência, reduziriam em 10% o volume de chuvas anuais. Mas não foi o que aconteceu.

O climatologista Carlos Nobre - Mariana Pekin/UOL - Mariana Pekin/UOL
O climatologista Carlos Nobre
Imagem: Mariana Pekin/UOL

Ex-terra da garoa

Intensa urbanização impediu a continuidade do fenômeno. As mudanças causadas pelo processo levaram ao aumento da temperatura em São Paulo. Com isso, a brisa marítima não encontra mais um clima propício à formação de garoa quando atinge o topo do Serra do Mar. "Quando o ar mais está mais quente, não condensa o vapor d'água e forma gotículas. A garoa foi sumindo, sumindo até desaparecer", explica Carlos Nobre.

Falta de plantas também contribui para a temperatura subir. Presença verde resfria o ar por meio da transpiração e da evaporação, jogando vapor d'água na atmosfera. Isso facilitando a formação de garoa. "São Paulo cresceu muito, e a vegetação diminuiu, mesmo dentro das casas, com jardins, plantas", afirma Carlos Nobre.

Esse cenário faz com que a cidade seja um bom ambiente para a "explosão de fenômenos extremos", como os temporais. Por isso, o impacto costuma ser maior em São Paulo do que em cidades onde a urbanização é menor.

Mulher caminha no Vale do Anhangabaú sob forte garoa, em foto de 2009 - Fabio Braga/Folha Imagem - Fabio Braga/Folha Imagem
Mulher caminha no Vale do Anhangabaú sob forte garoa, em foto de 2009
Imagem: Fabio Braga/Folha Imagem

Por que tantos temporais?

Dois fatores principais ajudam a explicar isso:

Formação de nuvens de tempestades. São as cumulunimbus, combinação de palavras em latim que significam "amontoado de chuva". Essas nuvens ocorrem devido ao excesso de calor na atmosfera junto à umidade elevada do ar. Elas são as responsáveis pela chuva intensa com trovões, granizo, rajadas de vento e funcionam como uma "grande fábrica de raios".

Ilhas urbanas de calor. São uma das consequências do desmatamento pela intensa urbanização: há variações entre 3 e 12°C mais altos em comparação aos ambientes naturais. Sem vegetação, a energia solar aquece o cimento, concreto e asfalto, por exemplo, o que eleva a temperatura e propicia a formação das nuvens de tempestades.

Como São Paulo é uma cidade muito quente, o ar com umidade sobe rápido e forma nuvens, as cumulunimbus, caracterizadas por chuvas com pancadas, rajadas e até turbulências intensas que perturbam aviões. Carlos Nobre

Mais dias no ano com chuva alta. O cientista Carlos Nobre explica que a forte precipitação é cada vez mais comum na cidade. "Na década de 40 São Paulo não tinha mais de um dia ao ano com mais de 80 mm, chuva muito alta. Agora, são duas vezes por ano, pelo menos." A cidade registrou 125,4 mm acumulados no dia 24. É o terceiro maior volume da história, segundo o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia).

Reverter situação é difícil

É "muito difícil" São Paulo voltar a ser a "terra da garoa", segundo o cientista. "Até porque tem o aquecimento global, como um todo. É muito difícil baixar a temperatura para condensar novamente o vapor d'água", explica. O pesquisador integra um estudo na USP que quer responder a essa questão. A ideia é medir o impacto que as "cidades-esponja", grandes espaços verdes, teriam na cidade.

Mesmo aumentando muito a área verde, o meu conhecimento de meteorologia diz que é muito difícil ter aquele quadro de temperaturas mais baixas, que formam a garoa. Carlos Nobre

Reflorestamento é aposta para melhorar a qualidade de vida nos grandes centros. De acordo com Nobre, mesmo que as cidades-esponja não consigam suprimir os danos de décadas, a proposta tem benefícios ao baixar as temperaturas em 3 ou 4°C. A implementação dos espaços verdes seria um benefício contra as enchentes, pois o solo teria maior capacidade de absorção. "Além de a vegetação absorver de 20 a 30% dos poluentes e criar microclima muito mais saudável, principalmente para crianças, idosos e pessoas com doenças, o que restauraria muito a qualidade de vida em São Paulo", afirma.

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