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Embate sobre 'mototáxi' mostra racha de Nunes com aliados e divide petistas

Protesto reuniu motociclistas contra a proibição da prefeitura do serviço de "mototáxi" - Gabriel Silva/Ato Press/Estadão Conteúdo
Protesto reuniu motociclistas contra a proibição da prefeitura do serviço de "mototáxi" Imagem: Gabriel Silva/Ato Press/Estadão Conteúdo
do UOL

Do UOL, em São Paulo

24/01/2025 05h30Atualizada em 24/01/2025 11h04

A regulamentação ou não do serviço de "mototáxi" na cidade de São Paulo escancara a primeira crise do prefeito Ricardo Nunes (MDB) com a base aliada na Câmara dos Vereadores.

O que aconteceu

Vereadores de partidos da base protocolaram projetos diferentes sobre o tema. Enquanto o mais votado da cidade, Lucas Pavanato (PL), propõe a regulamentação do serviço, o líder do MDB na Câmara, Marcelo Messias, sugere uma proposta que proíbe a liberação da modalidade de transporte até as mortes no trânsito diminuírem.

O movimento ocorre antes mesmo de a Câmara retornar do recesso. Conforme o UOL noticiou, Nunes criou uma estrutura para garantir a aprovação dos projetos de lei de seu interesse —isso porque, mesmo a base sendo maioria, parte dos vereadores se diz independente, como é o caso do Pavanato.

Além de coautor do projeto do Pavanato, o vereador Kenji Palumbo (Podemos) protocolou proposta para suspender o decreto de Nunes. O texto proíbe o serviço de "mototáxi" na cidade e é usado pelo prefeito hoje para dizer que a operação das empresas é ilegal. "Precisamos de 37 assinaturas para avançar, mas vamos encapar essa luta. Queremos saber quantos se dizem independentes e vão se posicionar agora", disse Kenji.

Vereadores a favor da regulamentação falam em garantir segurança e defender o trabalhador. Pavanato disse, por exemplo, que as plataformas terão de controlar a velocidade das motos. "As pessoas que mais utilizam são aquelas que não têm disponibilidade do serviço público, quem mora na periferia e precisa chegar ao ponto mais distante", justifica o vereador do Podemos.

O texto protocolado por Messias recebeu o aval de Nunes. "Alinhei com o prefeito tamanho o barulho que esse assunto está tomando. Não quero ver uma criança chorando, nem uma mãe ou uma avó", disse o líder do MDB em referência a um possível aumento de mortes no trânsito com a liberação do serviço. O prefeito tem se irritado com a postura de vereadores como Pavanato.

Presidente da Câmara vai pautar tema no início da legislatura. Ricardo Teixeira (União) afirmou em entrevista na quarta-feira (22) que concorda com prefeito e que "não é estalando o dedo, sem uma regulamentação, que vai começar um serviço como esse" na cidade. O UOL apurou que a ideia do presidente é chegar num consenso entre os projetos apresentados —os textos, entretanto, caminham para visões diferentes do assunto.

Os vereadores da base têm evitado se posicionar publicamente nas redes sociais. A expectativa, nos bastidores, é que Teixeira consiga mediar o primeiro "conflito" interno da Casa e também entre o Executivo já nas primeiras semanas desta legislatura.

O que dizem os envolvidos

A prefeitura tem uma visão muito estreita sobre o serviço. Ela falhou na regulamentação e na atuação desse assunto, mas agora aposta em uma tentativa de proibir e impedir que as pessoas trabalhem. No momento que o prefeito tiver uma pauta nobre e legítima, ele não precisa me pagar nada, eu vou apoiar, mas no momento ele atua contra o trabalhador.
Lucas Pavanato (PL), vereador

Precisamos discutir para chegar em um consenso. A maioria das pessoas que usa essa modalidade é da periferia. Não estamos a favor das empresas, mas sim do trabalhador e de quem precisa do transporte para se locomover.
Kenji Palumbo (Podemos), vereador

Sou a favor da vida, da família e estamos abertos para discutir a melhor solução para cidade. Essa guerra ninguém ganha: nem o prefeito, nem a 99, nem a população. Eles [vereadores] têm a opinião deles e quando acabar o recesso vamos conversar: "você tem pai, você tem mãe? Você pensou pelo lado de alguém da previdência? Das nossas unidades de saúde ficarem sobrecarregadas?".
Marcelo Messias (MDB), vereador

Petistas divididos

A oposição também não tem consenso sobre o tema, segundo apurou o UOL. Parte da bancada do PT apoia as medidas tomadas por Nunes, enquanto outros vereadores avaliam que o prefeito está penalizando trabalhadores com o cerco aos "mototaxistas".

Senival Moura (PT), João Ananias (PT) e Nabil Bondouki (PT) defendem a regulamentação, mas concordam com medidas de fiscalização. Para Nabil, o prefeito "está certo de ser duro" contra a 99 e a Uber. "Essas empresas tentam trabalhar com um fato consumado. Implantam o serviço, um monte de motoqueiro adere, as pessoas passam a achar que é bom, depois fica muito difícil voltar atrás", disse.

Debate deve ser mais amplo pela vulnerabilidade do tema, diz Senival. O vereador afirmou ao UOL que operação está colocada de "forma genérica". Para Ananias, a chegada do serviço traz "riscos significativos". Nas redes sociais, ele disse que os motociclistas então entre as principais vítimas de acidentes graves de trânsito.

Já os petistas Luna Zarattini e Dheison criticam a postura do prefeito e afirmam que Nunes tem "onerado os trabalhadores". A vereadora defende que penalização deve ser feita diretamente às empresas, e não aos motociclistas, mas pondera que 99 e Uber agem de forma "imprudente". Na avaliação dela, é preciso debater uma regulamentação que dê mais segurança a usuários e trabalhadores e que as plataformas ofereçam melhores condições para os motoristas atuarem.

Discussão é inevitável e pressão é da sociedade, não das empresas, diz vereador. Para Dheison, o papel da Câmara nas primeiras semanas será discutir como a regulamentação será feita. "Temos que ver a questão da velocidade das motos, a higiene do capacete, se vai liberar um perímetro primeiro da cidade", exemplifica.

Vereador da família Tatto defende a proibição. Jair Tatto (PT) disse por nota que "devido ao perigo e aos riscos da modalidade de transporte de passageiros por moto, nosso mandato é a favor de que ele seja proibido. Há muitos acidentes envolvendo motociclistas na cidade".

Debate sobre o serviço une Pavanato e Amanda Paschoal (PSOL), que são de campos antagônicos. Assim como Pavanato, a vereadora afirmou que Nunes tem "perseguido e penalizado" os trabalhadores com multas e apreensões. Ao UOL, ela disse que votaria em um projeto do vereador. "Não digo que me uniria e pediria votos para o projeto, mas, se esse for o único projeto na Casa tratando do assunto, eu não teria problema em votar a favor", disse.

Embate entre prefeitura e empresas

A operação do serviço na capital começou no último dia 14 pela plataforma 99. Logo após o anúncio, Nunes criticou a decisão, chamou a empresa de "assassina" e disse que a implementação do transporte causaria uma "carnificina".

Nunes cita um decreto municipal que proíbe "mototáxi", já a 99 usa uma lei federal. A administração municipal justifica também com dados que mostram o aumento de acidentes envolvendo motos e o impacto disso no sistema de saúde. Já a empresa de aplicativo afirma que a lei federal de 2018 permite a funcionalidade em várias cidades pelo Brasil.

A Justiça de São Paulo declarou que o serviço na capital é ilegal, enquanto a 99 processou a prefeitura pelo direito de oferecer a opção de transporte. O pedido da empresa foi negado na semana passada. O desembargador Eduardo Gouvêa, da 7ª Câmara de Direito Público, alegou que a Constituição Federal dá autonomia aos municípios para legislar sobre assuntos locais.

A prefeitura também perdeu na Justiça o pedido para multar a 99 em R$ 1 milhão por dia de desobediência. A decisão também nega o pedido de indenização feito pela gestão Nunes no valor de R$ 50 milhões por dano moral coletivo.

A Uber anunciou a retomada do serviço na cidade nesta quarta (22). A empresa citou em seu anúncio a decisão da Justiça que negou liminar para prefeitura multar a 99. O prefeito afirmou que entrará com queixa-crime contra as duas empresas e disse que ficou sabendo da estreia do serviço da Uber pela imprensa.

Mototáxi e transporte por moto via aplicativo são diferentes. Mototáxi é uma versão de táxi em moto e é regulado por lei municipal. Os veículos podem ter placa vermelha, devem seguir uma série de itens de segurança e os condutores são submetidos a treinamentos e podem ter ponto fixo para apanhar passageiros.

O transporte de passageiros por moto via app é como o UberX ou 99pop, só que para motos. A modalidade é regulamentada por lei federal, mas cada cidade decide regras específicas para a modalidade (em São Paulo, por exemplo, há uma taxa por km rodado). Condutores são autônomos e têm alguns requisitos para seguir (como ter carta e moto de até determinado ano).

O que diz a 99

Em nota, a empresa voltou a dizer que o decreto municipal que proíbe o serviço de mototáxi é inconstitucional. A 99 argumentou que o transporte de passageiros por aplicativo, seja via carro ou moto, é permitido por uma lei federal de 2018. "A legislação federal estabelece que as prefeituras podem regulamentar e fiscalizar a atividade com exigências específicas, mas não têm o poder de proibi-la", afirmou a plataforma.

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