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Filho de Kadafi reafirma que ex-ditador financiou campanha de Sarkozy, ex-presidente francês

21/01/2025 10h57

Em entrevista exclusiva à RFI, o segundo filho do ditador líbio, Saif al-Islam Kadafi, reafirma que a campanha do ex-presidente francês Nicolas Sarkozy, em 2007, foi financiada pelo ex-ditador líbio. O julgamento de Sarkozy e de outros 11 réus começou há duas semanas em Paris.

Em entrevista exclusiva à RFI, o segundo filho do ditador líbio, Saif al-Islam Kadafi, reafirma que a campanha do ex-presidente francês Nicolas Sarkozy, em 2007, foi financiada pelo ex-ditador líbio. O julgamento de Sarkozy e de outros 11 réus começou há duas semanas em Paris.

 

O pedido de entrevista foi feito no dia 6 de janeiro a uma pessoa próxima do filho do ditador líbio, executado há 14 anos, após 42 anos de regime autoritário. Saif al-Islam respondeu que aceitaria apenas dar sua "versão por escrito" sobre o caso e enviou uma mensagem de duas páginas, em francês, com a ajuda de um tradutor automático. Em seguida, a reportagem da RFI trocou com ele mensagens em árabe, por intermédio da fonte, para obter mais precisões. A identidade de Saif al-Islam foi verificada.

O filho do ditador lembra que em 2018 transmitiu seu depoimento ao juiz Serge Tournaire, encarregado da investigação do caso. Ele alega que o ex-presidente francês o pressionou, por meio de intermediários e em várias ocasiões, para mudar seu depoimento no tribunal.

De acordo com Saif al-Islam, o primeiro pedido para que ele mudasse seu depoimento sobre Nicolas Sarkozy foi feito em 2021 por Souha al-Bedri, uma consultora que vive em Paris. Procurada pela RFI, Souha al-Bedri negou ter transmitido "esse tipo de mensagem" a Saif al-Islam em 2021. "Isso não é verdade", diz ela.

Em relação aos seus vínculos com o ex-presidente francês, Souha al-Bedri explica que Nicolas Sarkozy foi seu advogado nos anos 1980 e que ela era uma ativista da UMP, o partido do ex-presidente (hoje Os Republicanos). Ela apoiou a candidatura de Sarkozy nas eleições, mas acabou deixando o partido e perdendo o contato com o ex-presidente.

"Barganha"

Saif al-Islam afirma que recebeu a oferta de uma "barganha" para "negar tudo o que foi dito sobre o apoio líbio a Sarkozy nas eleições". Em troca, as acusações contre ele no Tribunal Penal Internacional seriam arquivadas, o que nunca aconteceu. Saif al-Islam ainda é procurado pelo TPI por crimes de guerra.

De acordo com Saif al-Islam, um novo emissário de Nicolas Sarkozy abordou a família no final de 2022. Segundo ele, o representante do ex-presidente também entrou em contato com Hannibal Kadafi, seu irmão mais novo, que estava preso há vários anos no Líbano. 

O emissário, um marfinense conhecido como Noël Dubus, é citado no caso do financiamento da campanha eleitoral de Nicolas Sarkozy e no processo de Karachi, sobre contratos de armas.

Noël Dubus, especifica Saif al-Islam, viajou a Beirute e pressionou Hannibal, "assegurando sua libertação, se Saif al-Islam mudasse seu testemunho a favor de Sarkozy". 

Hannibal, o filho mais novo de Gaddafi, está preso em Beirute desde 2015, acusado de envolvimento no desaparecimento de Moussa el-Sadr, um clérigo libanês visto pela última vez na Líbia em agosto de 1978. O O Líbano exige informações sobre seu desaparecimento de Trípoli. Hannibal Gaddafi, questionado por meio de um de seus advogados sobre esse encontro com Noël Dubus, confirma a oferta feita de 2022.

Segundo Saif al-Islam, um outro francês de origem árabe, cuja identidade ele não quis revelar, se aproximou dele na tentativa de influenciar seu depoimento.

Ele afirma que esse emissário não é Alexandre Djouhri ou Ziad Takieddine, os dois principais intermediários nas negociações que envolvem o suposto financiamento líbio da campanha de Nicolas Sarkozy. Djouhri e Takieddine são réus neste caso.

O filho do "guia líbio" diz que "recusou categoricamente" todos esses pedidos. A RFI não conseguiu verificar de forma independente as alegações de Saif al-Islam, mas os documentos que constam no inquérito enviado ao tribunal penal mencionam vários casos de pressão exercida sobre testemunhas.

Cinco milhões de dólares transferidos? 

Saif al-Islam afirmou ter tomado conta pessoalmente no financiamento líbio. "Sarkozy", diz ele, "recebeu US$ 2,5 milhões da Líbia para financiar sua campanha eleitoral" durante a eleição presidencial de 2007. Em troca, ele deveria "concluir acordos e realizar projetos em favor da Líbia".

Outros US$ 2,5 milhões de dólares, também em dinheiro, foram transferidos ao clã Sarkozy, afirma. Saif al-Islam não especificou quando, mas disse que, em troca, as autoridades líbias esperavam que o ex-presidente pusesse fim ao caso do atentado ao voo da companhia aérea francesa UTA (União de Transportes Aereos) que matou 170 pessoas, incluindo 54 franceses, em 1989.

Kadhafi também exigiu que o nome de seis líbios fosse retirads do mandado de busca da Interpol, incluindo o de Abdullah Senussi, chefe dos serviços secretos líbios e cunhado de Kadafi. O filho do ditadir afirma que ele mesmo ofereceu os US$ 2,5 milhões ao ex-chefe de Estado francês e que supervisionou pessoalmente a transferência do dinheiro.

De acordo com Saif al-Islam, as malas de dinheiro foram entregues a Claude Guéant, então chefe de gabinete de Nicolas Sarkozy. "O dinheiro", diz ele, "foi repassado a ele por Bashir Saleh", ex-tesoureiro de Muammar Kadafi e seu confidente, que também é réu no caso. O pagamento, diz o filho de Kadafi, ocorreu por intermédio de Alexandre Djouhri, um empresário de origem argelina.

De acordo com Saif al-Islam, esse dinheiro foi colocado em uma conta bancária em Genebra. Ele afirmou à RFI que US$ 5 milhões em dinheiro foram transmitidos a Nicolas Sarkozy.

O filho do ex-líder líbio relata a famosa cena - originalmente relatada por Bashir Saleh - e que, segundo ele, "fez rir todos os presentes". Claude Guéant, então ministro do Interior francês, teve dificuldade em fechar uma mala cheia de dólares e que não teve outra solução a não ser sentar na mala. Claude Guéant ainda nega seu envolvimento.

Reunião na tenda do ditador

Neste testemunho, escrito em árabe, Saif al-Islam afirmou que, durante uma reunião ocorrida em 6 de outubro de 2005 em Trípoli, debaixo da tenda de Kadafi, Sarkozy e o ex-ditador discutiram o apoio financeiro ao futuro candidato às eleições presidenciais francesas. 

Saif al-Islam reafirma que o apoio a esta campanha "resultou no pagamento de € 2,5 milhões". Segundo os juízes, Saif al-Islam explicou que "é por isso que Nicolas Sarkozy enviou seu chefe de gabinete, Claude Guéant, para receber o dinheiro. A confirmação da entrega de fundos a Claude Guéant foi feita por Béchir Saleh.

Claude Guéant teria então voltado à França com o dinheiro. "Ziad Takieddine foi informado dos fatos", diz. Ele afirma também que Nicolas Sarkozy, então ministro do Interior, entrou em contato com Abdallah Senussi, antigo ministro do Interior líbio, na sua visita à Líbia em 2005, e prometeu que retiraria o seu nome da lista da Interpol assim que fosse eleito presidente.

O filho do "Guia Líbio" garante que as gravações dessa conversa telefônica existem e ainda estão em posse de Senussi. Ele especifica que tudo isso foi relatado em 2018 ao juiz encarregado do caso. Os documentos da Justiça trazem vários elementos que confirmam a existência de múltiplos canais de entrega de dinheiro e descreve um suposto dispositivo que vai além da versão de Saif al-Islam.

Outro lado

Questionado pela RFI sobre essas alegações, o advogado de Nicolas Sarkozy, Christophe Ingrain, disse que as declarações eram "infundadas e oportunistas". As acusações, afirmam, aparecem de maneira oportuna, "quando o julgamento está apenas começando. Elas vêm de alguém que, desde o início do caso, há dez anos, apresenta acusações sem fundamento e confirmação possível", reitera.

"Essas acusações são feitas por alguém que, na época da Primavera Árabe e da intervenção da Otan na Líbia, perdeu tudo. Essa intervenção da Otan foi iniciada pelo presidente Sarkozy, é uma vingança objetiva."

Para o advogado do ex-presidente, "há dez anos que se prometem documentos, que obviamente nunca são entregues, e por uma boa razão, não existem, e por uma boa razão, os chamados pagamentos nunca foram feitos". Para Ingrain, as acusações do filho de Kadafi "não vão mudar nada" porque "não se baseiam em nada".

Desde o início do julgamento em 6 de janeiro de 2025, Nicolas Sarkozy sustentou que nem "um único centavo líbio" financiou sua campanha presidencial de 2007.  "Eu nunca precisei disso", diz ele. O ex-presidente diz ter sido vítima de "dez anos de calúnia". 

Onde está Saif al-Islam?

Saif al-Islam Kadafi foi preso em Zentan em novembro de 2011, após a execução de seu pai, por seu papel na repressão do povo líbio e ameaças contra os rebeldes. Ele foi libertado em junho de 2017 sob uma anistia geral, mas sua pena de morte ainda é reinvidicada na Líbia.

Desde então, ele mora em Zentan e se mudou para o sul do país, onde conta com o apoio das tribos locais.

Ele ainda é alvo de um mandado de prisão emitido pelo TPI por crimes de guerra, mas a Líbia não pretende entregá-lo. Os seus advogados consideram que, por ele ter sido julgado em seu país, o TPI não poderá julgá-lo uma segunda vez pelos mesmos motivos. O promotor deste órgão, Karim Khan, que foi seu advogado no passado, continua exigindo sua extradição.

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