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O que o discurso de Trump indica para os próximos 4 anos? Colunistas opinam

do UOL

Do UOL, em São Paulo

20/01/2025 19h44

Donald Trump assumiu a presidência dos EUA hoje (20) com um discurso de posse em que anunciou o início uma "era de ouro" no país e, entre os destaques, disse mais uma vez que tomará o canal do Panamá, renomeará o Golfo do México e deportará "milhões e milhões" de pessoas.

Veja a análise dos colunistas do UOL sobre o que indica o discurso de posse de Trump para os próximos quatros anos:

Ricardo Kotscho

Na posse, Donald Trump fez o mesmo discurso apocalíptico que tinha feito no comício para os devotos na véspera, repetindo as ameaças e promessas da campanha. Desafiou Deus e o mundo, inimigos internos e externos, e voltou com suas críticas ao governo de Joe Biden, que tinha acabado de acabar, reduzindo os Estados Unidos a uma república de bananas que ele vai reconstruir.

Vai chamar o Golfo do México de Golfo da América, retomar o Canal do Panamá na mão grande, reduzir os gêneros a homem e mulher, e dar todo o poder às big techs em nome da "liberdade de expressão". O mundo nunca mais será o mesmo.

Anotem: começamos a viver neste 20 de janeiro de 2025 a era do neofascismo nacionalista cibernético, sob o comando do imperador Donald 1º. É estarrecedor.

Leonardo Sakamoto

Trump pôs por terra os esforços globais para reduzir os impactos das mudanças climáticas ao prometer apoio total à exploração, ao uso e à exportação de petróleo e gás em seu discurso de posse. Contraditoriamente, afirmou que vai dar assistência às populações atingidas por desastres, como os incêndios na Califórnia. Omitiu que a frequência de eventos climáticos extremos está diretamente relacionada a jogar mais carbono na atmosfera.

E isso diz bastante sobre o seu discurso. Além da venda de sonhos aos trabalhadores, ele foi eficaz em oferecer uma realidade paralela. Ao final, é capaz de conseguir culpar migrantes trans pelos desastres e não a economia com base em carbono. A realidade fática e cientificamente comprovada importa cada vez menos. O que valem são as narrativas. É nesse contexto que Trump irá governar.

Raquel Landim

O republicano disse que começava com ele a "era de ouro" dos Estados Unidos e distribuiu os mais variados ataques diante de um sorriso amarelo de Joe Biden e sua vice Kamala Harris. Atacou o sistema de saúde, educação, e bradou uma censura que não existe nos Estados Unidos, para agradar seu eleitorado.

Fez levantarem-se das cadeiras para aplaudi-lo os magnatas das big techs, recém-convertidos ao trumpismo para não pagarem o custo da regulação na Europa. Defendeu um discurso abertamente anticientífico e homofóbico ao dizer que agora os americanos só vão poder se identificar com os gêneros masculino ou feminino, ignorando os direitos das pessoas LGTBQIA+.

Isso para, logo em seguida, na saída do recinto, esbarrar com um sorridente Tim Cook, o CEO da disruptiva Apple. Em 2014, Tim Cook admitiu ser gay —um dos primeiros presidentes de uma grande empresa a ter coragem para tanto. Haja contradições na "conversão" dos empresários do Vale do Silício.

Trump, portanto, teve uma posse de estadista e retribuiu ao país com um discurso de candidato com pitadas de homofobia.

Jamil Chade

O discurso de Donald Trump revelou uma ambição clara do novo presidente de radicalizar, tanto em termos de suas políticas domésticas como em sua relação com o mundo. Na prática, ele sinalizou uma expansão do território americano, a adoção de uma espécie de guerra contra os imigrantes, uma ruptura com os compromissos ambientais e uma guinada ultraconservadora.

Não foi um discurso de união nacional. Mas de vingança e ruptura. Uma declaração de força de um personagem que se apresenta como uma espécie de enviado divino.

O dia de sua posse também foi marcado por uma tentativa deliberada de rescrever a história, com sinalizações de um perdão aos invasores do Capitólio, em 2021, a insistência em classificar a eleição de 2020 como "roubada" e se posicionar como aquele que defenderá o "sentido comum" contra o radicalismo das alas progressistas da sociedade.

Reinaldo Azevedo

O discurso de posse de Donald Trump é uma caricatura do populismo autoritário de extrema-direita. É muito mais primitivo e previsível do que parece à primeira vista. Remeto os leitores a um pequeno e precioso livro de Raoul Girardet, que morreu em 2013, intitulado "Mitos e Mitologias Políticas" (1986). Nas suas 200 páginas da edição brasileira (Companhia das Letras -1987), Girardet antecipou, com 39 anos de antecedência, a impostura trumpiana. Por quê? Todo candidato a autocrata precisa, sustenta o autor, apostar em quatro mitos políticos: 1) "a conspiração"; 2) "o salvador"; 3) "a idade do ouro" e 4) "a unidade". As palavras vão entre aspas porque são nomes de capítulos do livro.

Não foi precisamente o que fez Trump? Os conspiradores, reunidos no governo Biden, teriam destruído "a América". Literalmente: "Durante muitos anos, o sistema radical e corrupto extraiu poder e riqueza dos nossos cidadãos". Ora, só um salvador, com características excepcionais, conseguiria dar uma resposta: "Muitas pessoas achavam que era impossível para mim operar esse retorno histórico. Mas, como vocês veem hoje, aqui estou eu". E ele volta com que propósito? Para anunciar, e isto é literal em seu discurso, a "idade do ouro". Estas são as primeiras palavras de seu discurso: "A era de ouro da América começa agora mesmo. Deste dia em diante, nosso país florescerá e será respeitado novamente em todo o mundo. Seremos causa da inveja de todas as nações e não permitiremos que tirem vantagem de nós por mais tempo." E como ele o fará: prometendo a unidade: "Somos um povo, uma família e uma nação gloriosa sob Deus."

Ocorre que o caos oriundo da suposta conspiração é falso: os EUA vivem um momento de notável prosperidade econômica. Não havendo o desastre, é evidente que a figura do salvador é uma falácia. A prometida Idade do Ouro, a exemplo de todas elas, em qualquer nação e em qualquer tempo, é uma construção ideológica, que embalou historicamente os discursos fascistas. Sendo assim, não pode haver unidade para a construção dessa mitologia política porque o discurso só é eficaz numa sociedade necessariamente dividida, marcada pela perseguição a adversários. E eles estão listados no discurso inaugural: dos defensores da diversidade às políticas ambientais, passando, claro!, pelos imigrantes. Encenou, com rigor e método, a farsa da extrema-direita.

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