Topo
Notícias

Reforma constitucional prometida por Maduro ameaça levar Venezuela a deriva autoritária como na Nicarágua

11/01/2025 08h03

Os planos do presidente venezuelano Nicolás Maduro de reformar a Constituição podem levar o país a uma deriva autoritária como a da Nicarágua, temem a oposição e observadores internacionais. Durante a cerimônia de posse para um terceiro mandato, nesta sexta-feira (10), Maduro prometeu "uma grande reforma" para "embelezar" a Carta Magna.

Ele pediu para os parlamentares "acelerarem" a adoção de um pacote de leis que visam "preservar a paz", depois que protestos contra sua reeleição, em julho, deixaram 28 mortos e levaram a mais de 2,4 mil prisões.

"Maduro queria eleições como as de Hugo Chávez [ex-presidente de 1999 a 2013], realizadas pela multidão", mas "como isso não funcionou, optou pelo modelo de Daniel Ortega, que consiste em roubar uma eleição e "perseguir todos os opositores", denunciou à AFP Arturo McFields, ex-embaixador da Nicarágua na Organização dos Estados Americanos (OEA).

O presidente nicaraguense, Daniel Ortega, já alterou a Constituição 12 vezes desde que assumiu pela segunda vez o poder, em 2007. Entre outras medidas, as mudanças introduziram mandatos ilimitados no país.

O mais recente projeto de reforma, apresentado em novembro, pretende dar a ele e sua esposa, Rosario Murillo, que se tornará copresidente, o controle absoluto de todos os níveis do Estado. O casal é acusado ??pelos Estados Unidos, pela União Europeia e por países latino-americanos de ter estabelecido uma autocracia na Nicarágua, onde centenas de opositores foram presos, forçados ao exílio ou privados de sua nacionalidade, como Arturo McFields.

Ortega foi uma das únicas lideranças internacionais presentes na posse de Maduro. "Aqui está o herói, aqui está o revolucionário Nicolás Maduro, aqui está Chávez, aqui está Bolívar", exclamou ele em Caracas.

Também participaram da posse o presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, e o presidente do Parlamento russo, Vyacheslav Volodin. Durante a cerimônia, Nicolás Maduro afirmou "digam o que disserem, façam o que queiram fazer, mas esta posse não puderam impedir".

O líder chavista fez esta afirmação após o processo eleitoral venezuelano ser amplamente criticado pela falta de transparência. Até hoje o Conselho Nacional Eleitoral não publicou as atas da votação, documentos que comprovam a veracidade da vitória de Maduro na eleição de 28 de julho sobre o opositor Edmundo González.  

'Nicaraguização' da Venezuela já começou

Em novembro, a Assembleia Nacional da Venezuela aprovou uma lei que prevê penas de 25 a 30 anos de prisão para "qualquer pessoa que promova, incite, solicite, invoque, favoreça, facilite, apoie ou participe" da adoção de sanções internacionais contra Caracas.

 "Infelizmente, isso está abrindo caminho para uma 'nicaraguização' da Venezuela", disse Ali Daniels, diretor da ONG Acesso à Justiça, durante um encontro com correspondentes da imprensa internacional. Segundo ele, o pacote de leis em preparação vai "piorar ainda mais" a situação dos opositores políticos e fechar os espaços que a sociedade civil vem mantendo abertos.

Também estão em pauta a autorização de julgamentos à revelia, que, segundo Daniels, são proibidos pela constituição atual, bem como uma proibição por 60 anos de ocupação de cargos públicos, com multas que excedem o equivalente a US$ 1 milhão.

Assim como na Nicarágua, o Parlamento aprovou uma lei exigindo que organizações não governamentais declarem suas fontes de financiamento, especialmente se os fundos vierem do exterior. Com essa lei, mais de 5.600 ONGs foram forçadas a cessar suas atividades na Nicarágua.

"Isso formaliza a perseguição às organizações da sociedade civil", diz Oscar Murillo, coordenador da ONG de direitos humanos Provea.

Também está na pauta da Assembleia venezuelana uma "lei contra o fascismo", que visa proibir partidos políticos de promover atividades fascistas. "Somos todos contra o fascismo, o problema é que o governo tende a rotular seus oponentes como 'fascistas'", alerta Daniels, ao denunciar a "ambiguidade" desses projetos de lei.

Opositor no exílio e líder detida

Após a contestação dos resultados da última eleição, o candidato opositor Edmundo González Urrutia vive forçado no exílio. Nesta sexta-feira, a líder Maria Corina Machado reapareceu horas após ter sido interceptada na tarde anterior, ao sair de uma manifestação opositora. Em vídeo, ela afirmou que Nicolás Maduro consolidou "um golpe de Estado ao tomar posse", relata a correspondente da RFI Brasil na Venezuela, Elianah Jorge.

Segundo a líder opositora, "eles cruzaram uma linha vermelha que pisa na Constituição". Ela reiterou que Maduro "viola a Constituição apoiado pelos ditadores de Cuba e da Nicarágua".

"Maduro não colocou a faixa presidencial no peito hoje. Ele colocou uma algema no tornozelo que vai apertá-lo mais a cada dia", sentenciou a opositora, horas após chavista prestar juramento para um terceiro mandato. Maduro deve governar o país até 2031.

Corina explicou em detalhes a operação que quase a colocou atrás das grades. Ela disse que ao sair do ato opositor de moto, membros da Polícia Nacional Bolivariana (PNB) a perseguiram até determinada parte de uma via expressa da capital venezuelana. Enquanto ouvia disparos, foi interceptada pela PNB.

Um policial a abordou e perguntou sua identidade. Enquanto isso, outro "a arrancou abrupta e violentamente" e a colocou em outra moto, entre dois homens. 

Segundo Corina, ela estava sendo levada a um lugar de Caracas onde estão localizadas várias prisões. A opositora afirmou que um dos policiais recebeu uma ligação com ordens para que ela fosse solta. Como prova de vida, ela foi obrigada a gravar um vídeo que circulou nas redes sociais nesta quinta-feira.

Corina disse estar com hematomas e dores no corpo após a violência policial. A opositora destacou que um dos homens de sua equipe foi baleado na perna, e mesmo assim levado preso. 

Riscos a retorno de Gonzáles

Machado também falou sobre Edmundo González. Segundo ela, o opositor "virá à Venezuela para tomar posse como presidente constitucional do país no momento certo, quando as condições forem adequadas".

Gonzáles afirmou que estaria na Venezuela para tomar posse, apesar do risco de ser preso. Uma recompensa de US$ 100 mil foi oferecida a quem entregar o paradeiro do opositor.

O ministro de Interior e Justiça mostrou em seu programa semanal de TV as algemas que seriam usadas para prender o ex-diplomata de 75 anos, caso ele pise em território venezuelano. Em setembro passado, Edmundo fugiu para a Espanha, onde pediu asilo alegando sofrer pressões do governo da Venezuela.

Um dos fatores que impediram a entrada de González no país foi o fechamento do espaço aéreo da Venezuela e a ativação do sistema de defesa aérea no dia da posse de Maduro. Caracas fechou a fronteira com o Brasil e a Colômbia e o acesso por terra será reaberto na segunda-feira (13).

Leia também"As relações entre Brasil e Venezuela estão por um fio", diz especialista sobre posse de Maduro

"Pedi que ele não fizesse isso [entrasse na Venezuela] porque sua integridade é essencial para a derrota final do regime e a transição para a democracia, que está muito próxima", detalhou Corina.

Pelas redes sociais, Edmundo González enviou uma mensagem aos seus seguidores e também às Forças Armadas: "Como comandante em chefe, ordeno ao alto comando militar que ignore as ordens ilegais daqueles que tomaram o poder e prepare as condições de segurança para eu assumir o cargo de presidente", disse.

Corina afirmou que a pressão internacional aumentará: são esperadas novas sanções à Venezuela e a membros do chavismo. Nesta sexta, a União Europeia e o Canadá sancionaram pelo menos 20 membros do governo de Maduro. Os Estados Unidos oferecem recompensas que variam entre 15 e 25 milhões de dólares pelo paradeiro dos ministros da Defesa, do Interior e Justiça e o do próprio Nicolás Maduro.

Notícias