PM envolvido na morte do menino Ryan foi denunciado por tortura em 2013
O cabo da PM Michel Rodrigues da Silva, 39, que esteve na ação que terminou na morte do menino Ryan da Silva Andrade Santos, 4, em Santos (SP), já foi alvo de uma denúncia do Ministério Público em 2013 que apurou suposto crime de tortura praticado contra um auxiliar de limpeza. Em 2017, o sistema judiciário absolveu o policial.
O que aconteceu
Ryan foi morto em novembro de 2024 durante uma operação policial no Morro de São Bento. Ele brincava próximo de sua casa com cerca de 15 crianças quando foi atingido por uma bala de uma espingarda calibre 12 na barriga. O laudo balístico apontou que o disparo foi feito por um PM.
Apenas o PM Clovis Damasceno de Carvalho Junior, 41, portava uma arma calibre 12 na ação. Mesmo assim, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) afastou das atividades operacionais os sete policiais militares envolvidos na ação. Entre eles, Michel Rodrigues da Silva, mesmo com a investigação identificando que ele não disparou nessa ocorrência.
Além de Ryan, Gregory Ribeiro Vasconcelos, 17, também foi morto na ação do Morro de São Bento. Laudo do IML (Instituto Médico Legal) apontou que o adolescente foi baleado pelo menos sete vezes, sendo quatro delas pelas costas. Um outro jovem, de 15 anos, que estava com Gregory, também foi baleado.
Na delegacia de Santos, os PMs Clovis e Michel fizeram uso de uma prerrogativa do Código de Processo Penal para "se manifestar posteriormente com relação aos fatos ocorridos nesta ocasião". A reportagem pediu entrevistas aos policiais por meio da assessoria de imprensa da SSP, mas o pedido não foi atendido.
Lesão corporal e abuso de autoridade
Em 2013, um auxiliar de limpeza foi agredido por PMs na Unifesp. Na tarde de 31 de julho de 2013, Ricardo Ferreira Gama, 30, que trabalhava no campus da Universidade Federal de São Paulo, em Santos, foi agredido por policiais militares porque quis observar os PMs vasculhando uma casa ao lado da faculdade.
Uma testemunha, ouvida em juízo sob proteção, afirmou que Gama estava em horário de almoço, encostado em um muro, fumando um cigarro, quando os PMs o abordaram, o empurraram para dentro da casa e começaram a agredi-lo.
Depois do trabalho, o auxiliar de limpeza foi até o 4º DP (Distrito Policial) de Santos para registrar um boletim de ocorrência contra os policiais, sem saber identificá-los. Uma aluna da Unifesp corroborou a denúncia, informando ter presenciado as agressões.
Gama tinha sido condenado anteriormente por tráfico de drogas. Desde quando saiu da prisão após ter cumprido sua pena por completo, passou a ser frequentemente abordado por policiais militares em Santos, segundo familiares e amigos.
Dois dias depois das agressões, o auxiliar de limpeza foi assassinado na porta de casa, na Vila Mathias, com oito tiros. O policial militar responsável por conduzir a ocorrência foi Michel Rodrigues da Silva.
Na ocasião, o policial militar afirmou à Polícia Civil que foi ao local depois de Gama já ter sido morto. Ele disse que encontrou o corpo coberto, com pessoas rezando em volta. Disse, ainda, que testemunhas disseram que os atiradores estavam em duas motos e um carro nunca localizados.
Absolvido por juíza
Michel e outros dois policiais militares foram denunciados pelo MP pelo crime de tortura contra Gama. Em agosto de 2017, a juíza Carla De Bonis, da 3ª Vara Criminal de Santos, absolveu os três PMs por não entender que havia provas concretas de que eles eram os autores do crime.
Os PMs afirmaram, à época, que Gama estava "proferindo frases desconexas" e que "debateu-se para não ser abordado, acabando por se machucar". Os policiais disseram que estavam em uma patrulha contra traficantes e sempre negaram as agressões e a suposta prática de tortura.
"Observa-se a ausência de comprovação de que os réus, na qualidade de policiais militares, constrangeram a vítima, causando-lhe sofrimento físico e mental com o fim de obter confissão ou informações sobre o delito de tráfico de drogas", escreveu a juíza à época.
Após a sentença, a defesa dos PMs, que sempre disse que os PMs denunciados não participaram da suposta agressão ocorrida dois dias antes do homicídio, afirmou que "a Justiça foi feita".
Desses três policiais envolvidos, um foi demitido da PM em 28 de agosto de 2020. Os outros dois, incluindo Michel, permanecem na ativa. Moradores de favelas de Santos reconhecem Michel como "Michel da Rocam". Eles narram temer a presença do policial.
Secretaria da Segurança Pública diz que Michel "se encontra afastado da atividade operacional": "em decorrência dos fatos recentes e assim permanecerá até a conclusão das investigações, que são conduzidas pela PM e Deic de Santos".
Já a Polícia Militar afirma que "todos os casos envolvendo mortes ou lesões praticadas por policiais são rigorosamente investigados": "com acompanhamento da Corregedoria. E os elementos arrecadados submetidos à apreciação da Justiça, responsável pelo julgamento e decisão final".