Suspensão de ações pelo STF prejudica combate ao fogo, diz chefe do MPF-PA
O chefe do MPF (Ministério Público Federal) no Pará, Felipe de Moura Palha de Silva, afirma que uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) suspendeu o andamento de todos os processos na Justiça Federal que tratassem de combate a incêndios na Amazônia e no Pantanal prejudicou o combate às queimadas no estado.
O procurador se refere a uma liminar (decisão provisória) do ministro Flávio Dino deferida em outubro e confirmada pelo Plenário do STF em 12 de novembro. O tribunal atendeu a pedido do governo federal, que queria centralizar na União todos os esforços de combate aos incêndios, e argumentou que permitir às varas federais tomar decisões esparsas poderia prejudicar as ações federais.
Mas, no Pará, estado mais afetado pelas queimadas, o efeito da decisão foi impedir que medidas mais urgentes fossem tomadas "na ponta" pelos órgãos competentes, resultando em menos ação contra os incêndios, segundo ele.
Em entrevista ao UOL, Palha disse que a decisão do Supremo "impede quem está na ponta, na primeira instância, de atuar de maneira mais enérgica contra essa clara omissão, tanto do governo federal quanto do governo local, no combate às queimadas".
O efeito prático da decisão de Dino, segundo o procurador, foi que os órgãos que atuam diretamente no combate a incêndios passaram a dizer que só poderiam atuar em resposta às ordens diretas do Supremo, e não mais às recomendações do MPF ou até a decisões judiciais de primeira instância.
Na visão de Palha, a omissão é de todos: das prefeituras locais, do governo do estado, da União, representada no caso pelos agentes do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).
E o motivo, diz ele, é que os órgãos não têm estrutura para atuar no Pará. São apenas 146 brigadistas para combater incêndios no Pará inteiro, por exemplo - "completamente inviável", segundo o procurador - e o Ibama nem sequer tem aviões à disposição para transitar pelo estado, que tem mais de um milhão de quilômetros quadrados de área.
Pará em chamas
Segundo dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), foram registrados no Pará neste ano 54.405 focos de incêndio, ante 41.719 focos registrados em 2023. Foi o ano com mais focos de incêndio desde 2010, quando o Inpe detectou 57.196 focos.
O instituto constatou ainda que o Pará concentrou 36% das queimadas registradas na Amazônia em agosto deste ano. Junto com Amazonas e Mato Grosso, foi responsável por 80% dos focos de incêndio na região.
A decisão do STF que mandou os governos federal e paraense adotarem medidas para combater os incêndios foi tomada em junho. Em julho, o Inpe registrou 3.265 focos de incêndio no Pará. No mês seguinte, foram 13.803.
Em resposta, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), proibiu o uso do fogo no estado por meio de um decreto assinado em 27 de agosto. Em setembro, no entanto, o Inpe detectou 17.434 focos de incêndio no Pará.
Os números foram registrados no início da época conhecida como "verão amazônico". É o período que vai de julho a novembro, que costuma ser marcado por estiagem, diminuição da umidade do ar e aumento das ondas de calor, o que especialistas consideram cenário ideal para o aumento de queimadas.
Durante todo o "verão amazônico", o Inpe registrou 51.177 focos de incêndio no Pará. Mais do que o registrado em todo o ano de 2023 (41.719 focos).
Para Felipe de Moura Palha, os números mostram que o Pará é um estado em situação excepcional: concentra o maior número de focos de incêndio e a maior quantidade de áreas de proteção (terras indígenas e comunidades quilombolas).
Além de serem mais vulneráveis aos incêndios, os ocupantes de terras protegidas são "verdadeiros guardiães do clima", afirma o procurador.
Segundo estudo da ONG MapBiomas, que monitora o uso da terra no Brasil, as terras indígenas perderam 1% de sua vegetação nativa entre 1985 e 2023. Já as propriedades privadas perderam 28% de sua vegetação nativa.
"O decreto do governo proibindo o uso do fogo é a principal resposta que nos dão. Mas é insuficiente. Se não tiver atividades específicas, e se não preparar tanto o governo do estado quanto o governo federal para fiscalizar as áreas críticas, não basta apenas proibir", afirma Palha.
Relatório
A resposta dos procuradores da República do Pará que atuam com comunidades tradicionais foi enviar um relatório de todas as ações e medidas adotadas pelo MPF neste ano e que não tiveram andamento como consequência da decisão do Supremo.
O documento foi enviado às câmaras de coordenação e revisão da PGR (Procuradoria-Geral da República) que lidam com os assuntos (a 4ª e a 6ª Câmaras).
Foram pelo menos seis procedimentos instaurados para saber dos órgãos públicos o que vinham fazendo para proteger terras indígenas e comunidades quilombolas em pelo menos 16 municípios.
"Ao determinar a suspensão de ações judiciais em primeiro grau, a decisão liminar proferida [pelo STF] desconsiderou a realidade aguda de queimadas no Pará e a necessidade de fortalecimento das instâncias judiciais na origem frente à hipervulnerabilidade dos povos indígenas e quilombolas aos nocivos efeitos dos megaincêndio", afirma o relatório.
O documento foi enviado pela PGR ao ministro Flávio Dino, que intimou o Ministério da Justiça (por causa da Força Nacional), o Ministério do Meio Ambiente e o governo do Pará para que esclareçam os fatos apontados pelo MPF-PA.
Em resposta, o Ministério da Justiça disse que a Força Nacional atua nos 20 municípios considerados prioritários pela AGU (Advocacia-Geral da União), dos quais seis estão no Pará (Altamira, Itaituba, Jacareacanga, Novo Progresso, Ourilândia do Norte e São Félix do Xingu).
A AGU, em nome do Meio Ambiente, do Ibama e do ICMBio, disse que foram contratados 152 brigadistas no Pará entre os dias 3 e 5 de dezembro, além de 77 brigadistas para as unidades de conservação federais no estado. Além disso, 223 militares atuaram no estado por meio da Força Nacional, ainda segundo a AGU.
O órgão informou que o Ibama lavrou 1.745 autos de infração e aplicou R$ 1,3 bilhão em multas no Pará até 5 de dezembro.
Respostas evasivas
Felipe de Moura Palha afirma ainda que já vem percebendo problemas de articulação dos órgãos governamentais desde o ano passado.
Segundo ele, em 2023 a situação das queimadas se agravou, principalmente no oeste do Pará. Então, a partir do início deste ano o MPF solicitou que o governo do estado contratasse e preparasse mais brigadistas e que os órgãos federais comprassem mais equipamentos para enfrentar os incêndios deste ano.
Até agosto, no entanto, as respostas obtidas pelos procuradores foram "evasivas".
Em um caso, o governo paraense disse que não poderia fornecer aviões para combater as queimadas porque as aeronaves estavam sendo usadas pela Secretaria de Segurança Pública para "transporte de tropas e atendimento de ocorrências", além de combate a incêndios em outras regiões.
Já o Ministério dos Povos Indígenas disse, em agosto, que "não possui servidores capacitados para atuar como brigadistas, devido à carência de recursos humanos em nossa unidade regional".
O Ibama informou, em 12 de novembro, que havia solicitado que os moradores de uma comunidade quilombola se cadastrassem num sistema do órgão "para que o Prevfogo [órgão federal de combate a incêndios florestais] tenha condições mínimas de realizar com eficiência o combate solicitado".
Houve ainda o caso da Secretaria de Meio Ambiente da cidade de Placas, que resumiu suas medidas para combate aos incêndios a "reuniões com os moradores das comunidades rurais, visando conscientização dos mesmos pela educação ambiental". Até a data da resposta (18 de setembro), ainda não haviam sido lavrados autos de infração.
Em resposta, o MPF ajuizou duas ações civis públicas exigindo, da União e do governo do Pará, a elaboração de planos para combate a incêndios em terras indígenas e em territórios ocupados por comunidades quilombolas.
"A partir das respostas que nos mandaram, todas evasivas, percebemos que não houve preparação para o período de queimadas. E a liminar do Supremo nos impede de propor novas ações na primeira instância, para responsabilização pelas omissões", critica o procurador.