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Site distorce dados para atribuir gastos à primeira-dama Janja

9.dez.2024 - Site distorce dados para atribuí-los apenas a Janja - Arte/UOL Confere sobre Reprodução/Instagram
9.dez.2024 - Site distorce dados para atribuí-los apenas a Janja Imagem: Arte/UOL Confere sobre Reprodução/Instagram
do UOL

Colaboração para o UOL

09/12/2024 19h11Atualizada em 16/12/2024 12h42

Um site chamado Janjômetro distorce dados de despesas para atribuí-las à primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja.

Entre os supostos gastos estão patrocínios de eventos públicos, aquisição de móveis que pertencem à União, despesas com viagens e até uma gravata que Janja comprou com recursos próprios.

O UOL Confere considera distorcido conteúdos que usam informações verdadeiras em contexto diferente do original, alterando seu significado de modo a enganar e confundir quem os recebe.

O pedido de checagem foi enviado ao UOL Confere pelo WhatsApp (11) 97684-6049.

O que diz o post

Postagens trazem um print do site Janjômetro. No alto da página é colocado um desenho de uma mulher para representar a primeira-dama. Na figura, ela está de óculos, camisa vermelha, com uma faixa verde amarela, como se fosse a presidencial, pendurada entre o ombro direito e o quadril, e dinheiro voando a sua volta.

Logo abaixo é colocado a palavra "Janjômetro" e as frases "MEDINDO QUANTO ELA ESBANJA DO SEU SUOR", "R$ 63.035.823,95", esta última escrita em vermelho. Um pouco mais abaixo é acrescentado: "DESCUBRA OS DETALHES DOS GASTOS E PARTICIPE! ACESSE SUA CONTA OU CRIE UMA AGORA PARA COLABORAR, RECEBER ALERTAS E INFORMAÇÕES EM PRIMEIRA MÃO". Por último, é solicitado nome e email para cadastro.

Outra postagem traz uma foto de Janja com a mão na cabeça e, ao lado dela, são mostradas cédulas de R$ 100 e R$ 50. Mais abaixo é colocado: "Janja gastou mais de R$ 63 milhões dos nossos impostos para manter suas regalias! Fora Janja? Sim ou Não"

Ao acessar o site, é apresentada uma lista com sete supostas despesas de Janja, acompanhado dos valores e de quando teria ocorrido:

  1. Itaipu e Petrobras destinam R$ 33,5 milhões para Janjapalooza e G20
  2. Viagem de Janja ao Catar custou mais de R$ 280 mil e mobilizou pelo menos 12 assessores, diz jornal
  3. Ida de Janja às Olimpíadas custou R$ 236 mil a pagadores de impostos
  4. Os gastos de Lula e Janja com reformas e compras de móveis
  5. Os gastos com hotel de luxo para Lula e Janja na Índia
  6. Janja mostra gravata de R$ 1.093 que comprou em Lisboa para Lula
  7. Governo paga mais de R$ 216 mil em hospedagem para Lula e Janja em hotel luxuoso de Brasília!

Por que é distorcido

Gastos listados em site não são de Janja. Para o UOL Confere, o advogado e especialista em direito digital Francisco Gomes Júnior observou que, como princípio, gastos relacionados às atividades oficiais da primeira-dama do Brasil são de responsabilidade da Presidência da República, mas com algumas especificidades. "A primeira-dama não possui um cargo oficial ou salário público, mas, quando realiza atividades vinculadas a ações do governo, seus custos (como deslocamentos, segurança e logística) são cobertos pelos recursos da Presidência", explica.

Primeira-dama não recebe salário e não tem, em tese, poder decisório. A Constituição Federal não prevê o cargo de primeira-dama. Na verdade, é um título dado a esposas de presidentes, governadores e prefeitos (aqui). Como não tem nenhuma função especificada em lei, a primeira-dama não tem direito a receber salários, exceto se ocupar funções em alguma instituição ou entidade. Porém, o UOL já revelou que Janja tem poder político no governo Lula, inclusive indicando ministras, como Anielle Franco e Margareth Menezes (leia aqui).

Planalto diz considerar "Janjômetro" uma campanha de desinformação. Em nota ao UOL Confere, a Presidência da República classificou o site como uma "iniciativa para espalhar desinformação e fake news usando o nome da primeira-dama, inclusive com informações inverídicas sobre a utilização de recursos públicos". "Não reconhecemos quaisquer valores presentes no site 'Janjômetro'', complementou.

Gastos com primeira-dama se devem a papel representativo ou por participação em programas sociais e eventos oficiais. "Exemplos comuns incluem o envolvimento em campanhas de saúde, educação ou assistência social, como os programas do Pátria Voluntária, que já foram liderados por primeiras-damas em governos anteriores. Dessa maneira, despesas de viagem da primeira-dama são inerentes à Presidência da República e por ela suportados", diz Gomes Júnior.

Festival de música teve apoio de Janja, mas foi organizado pelo Ministério da Cultura. O site coloca como a maior despesa da primeira-dama R$ 33,5 milhões de patrocínios de estatais para o Festival da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, que ficou conhecido por "Janjapalooza". O valor é correspondente a mais da metade (53%) do montante do "Janjômetro". De fato, R$ 15 milhões vieram da usina de Itaipu (aqui) e o restante da Petrobras. Porém, não são despesas de Janja. "O Festival foi um evento realizado no âmbito da presidência brasileira do G20", observou a presidência da República.

Janja, de fato, escolheu móveis, mas patrimônio é da União. Levantamento do Estadão (aqui) mostrou que o governo gastou R$ 26,8 milhões em reforma e mobiliário para palácios em 2023. O valor corresponde a 42% do valor total colocado no "Janjômetro". Alguns dos itens foram, de fato, escolhidos pela primeira-dama. A Presidência da República declarou que os gastos com reformas e compra de móveis para as residências oficiais são despesas da Administração Pública Federal —e não de Janja— e foram "realizadas de acordo com as necessidades de edifícios e instalações do governo federal, submetidos inclusive a depredação, mau uso e má conservação". A Presidência, porém, omitiu que um dos motivos para a compra de novos móveis pelo governo Lula foi a alegação de que o antigo governo tinha "desaparecido" com parte do mobiliário. O Planalto depois reconheceu que encontrou os móveis (aqui).

Compra de gravata em Portugal não foi feita com cartão corporativo. Em abril de 2023, a primeira-dama comprou uma gravata em uma loja de luxo em Lisboa, capital de Portugal (aqui). Na época, a assessoria de Janja afirmou que a compra não foi realizada no cartão corporativo (aqui). "A citada gravata foi comprada com renda da própria Janja, sem uso de recursos públicos", reforçou a presidência em nota ao UOL Confere.

Das sete despesas apresentadas no "Janjômetro", três são relacionadas a missões internacionais: para o Qatar, França e Índia. Em nota, a Presidência da República afirmou que todas as viagens realizadas pela primeira-dama são feitas no âmbito da Presidência da República, e não para fins pessoais. "A presença dela não impacta nos custos de hospedagem, tanto em eventos internacionais como nas agendas nacionais, visto que ela não recebe diárias e divide quarto com o presidente da República", disse a Presidência da República. Entretanto, o governo omite que houve gastos para os cofres públicos para cobrir as viagens da equipe que acompanhou Janja.

Custo da assessores e policiais ao Qatar chegou a R$ 280 mil. O Planalto declarou que não houve utilização de recursos públicos pela primeira-dama. "As despesas com passagem e hospedagem dela foram pagas pela organização que convidou. Janja foi convidada pela sheika do Qatar, Mozha bin Nasser al-Missned". Mas reportagem do Estadão apontou que o custo com passagens, estadia e diárias de quatro assessores e oito policiais federais chegou a R$ 280 mil (aqui).

Comitiva de Janja nas Olimpíadas custou ao menos R$ 236 mil. O Planalto afirmou que a primeira-dama integrou a comitiva oficial por designação do presidente, por meio do Decreto de 12 de julho de 2024, publicado em edição extra do DOU (Diário Oficial da União). "Quanto à hospedagem, a primeira-dama e os servidores da Presidência da República que assessoraram a comitiva oficial ficaram hospedados na Residência Oficial da Embaixada do Brasil em Paris, portanto, sem custo ao erário. Também não houve utilização de aeronave da Força Aérea Brasileira e como já mencionado anteriormente, a primeira-dama não recebeu diárias". O Planalto destaca ainda que o TCU (Tribunal de Contas da União) não identificou nenhuma irregularidade na viagem a Paris. A nota do governo Lula mais uma vez omite que a comitiva oficial que acompanhou Janja custou aos cofres público ao menos R$ 236 mil (aqui).

Lula e Janja ficaram em hotel em Brasília por "falta de habitabilidade" na residência oficial. A despesa de R$ 216 mil foi gerada entre o período de transição de governo até metade de janeiro, quando o gasto veio à tona (aqui, aqui e aqui). O Planalto afirmou que a residência oficial precisou passar por reformas por conta de seu "estado danoso em que se encontrava". "As forças de segurança solicitaram que fossem adotadas as providências para que o presidente da República permanecesse hospedado no hotel, uma vez que o Gabinete de Transição Governamental identificou que não havia condições de habitabilidade da residência oficial da Granja do Torto, que estava sob controle da gestão anterior. A hospedagem incluiu as equipes de segurança", complementou a Presidência. Ou seja, o gastos envolveu não apenas a estadia de Janja, mas a de Lula e de sua segurança, e não deveria ser atribuída a ela.

Site foi criado por deputado estadual. A página foi criada pelo deputado Guto Zacarias (União Brasil-SP), como afirmou em postagem nas suas redes sociais (aqui) e como consta nos termos de privacidade do site (aqui). "A ideia do Janjômetro já vem desde antes da eleição (...). Passada a eleição, a gente teve um pouco mais de tempo para se organizar, focar mais no mandato e aí surgiu a ideia de criar o Janjômetro", disse na publicação.

Deputado diz que informações foram checadas. Depois da publicação desta reportagem, Guto Zacarias enviou nota ao UOL Confere onde afirma que "todas as informações disponibilizadas pelo site possuem verificação prévia e checagem de diversas fontes, exceto os gastos cujo próprio governo optou por manter em sigilo e não expor à população." "Reforçando que, caso o governo federal consiga provar, de forma efetiva, que algum gasto constante no Janjômetro não foi feito com dinheiro público, nossa equipe revisará", diz.

Governo critica anonimato de página. Já a presidência da República observou que o site, "apesar de ser publicamente anunciado como pertencente a um deputado estadual, encontra-se anônimo e sem informações sobre seu custo e como sua construção foi paga".

Viralização. Uma postagem desinformativa que circula no Instagram já acumula mais de 25.417 curtidas e 6.492 comentários nesta segunda-feira (9).

Sugestões de checagens podem ser enviadas para o WhatsApp (11) 97684-6049 ou para o email uolconfere@uol.com.br.

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