Cenas violentas da PM viram obstáculo para ambições políticas de Derrite
A crise gerada pelos casos de violência policial é o primeiro teste da provável candidatura de Guilherme Derrite, secretário de segurança pública de São Paulo, ao senado ou ao governo do estado em 2026.
O que aconteceu
"Ele é nosso candidato a governador de SP, caso Tarcísio decida disputar a eleição presidencial", disse Ciro Nogueira (PP-PI). Em entrevista à Folha, o senador e presidente nacional do PP disse que, se o governador tentar a reeleição, Derrite deve disputar o Senado. Ele chamou de "fatos isolados" os casos de violência policial.
Expectativa é que Derrite saia candidato a Senado pelo PP. Um aliado de Tarcísio afirma que os apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) esperam votar no secretário e em Eduardo Bolsonaro (PL), já que serão duas vagas em disputa. Mas o cenário muda se Kim Kataguiri (União), Pablo Marçal (PRTB) e Ricardo Salles (Novo) estiverem no páreo.
Anúncio de candidatura tornou Derrite alvo antes da hora. "O governo é o sonho de muitos", disse um deputado aliado, que preferiu não se identificar. Uma liderança do PP ouvida pela reportagem avalia que há, dentro do governo estadual, um esforço para desgastar o secretário com vazamento de informações negativas.
Fogo amigo é atribuído ao entorno do secretário de Governo e Relações Institucional, Gilberto Kassab. Na avaliação desse correligionário de Derrite, o movimento visa desestimular o surgimento de outras opções para o governo paulista em 2026 que não sejam Tarcísio.
Kassab busca chapa em 2026. Entre aliados de Tarcísio, é corrente a análise de que Kassab defende a reeleição do governador porque almeja ocupar a vice em uma eventual chapa em 2026. Caso Tarcísio concorra à Presidência em 2030, o secretário assumiria o comando da gestão estadual, já que o governador precisaria renunciar ao cargo para a disputa presidencial.
Derrite foi investigado por envolvimento em 16 mortes, segundo a revista Piauí. Capitão da PM, ele integrou a Rota, se elegeu deputado federal pelo PL em 2018 com 120 mil votos e se reelegeu pelo partido em 2022 com 240 mil votos e bons resultados na capital, Sorocaba (sua cidade natal) e no município vizinho de Porto Feliz.
Na Alesp, Derrite é visto como "nome natural" para governo ou Senado em 2026 e "bastante ambicioso". "Para mim, ele tem menos chances de ser eleito do que acha, pelas poucas entregas e a crise na área da segurança — mas tem chances ainda", disse integrante da casa que preferiu não se identificar.
"Tarcísio de Freitas está assustando PT e PSOL?", perguntou Conte Lopes (PL) na tribuna da Alesp na quinta (5). Fala é uma alusão à visão compartilhada entre aliados de que Derrite tem boas chances em 2026 —principalmente após Tarcísio ter apoiado a reeleição do prefeito Ricardo Nunes (MDB) na capital.
Entre PMs, Derrite é visto mais como "influencer" do que como policial. Com mais de 960 mil seguidores, ele tem conta no Instagram desde 2013. De acordo com a plataforma, 51% de sua audiência também acompanha as publicações do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) —tido como referência ideológica pelo secretário.
Cansaço e abatimento. Durante conversas em Brasília nesta semana, Derrite demonstrou estar cansado e abatido com a crise desencadeada pelos episódios de violência policial. Ele chegou a brincar com aliados que teria uma vida mais tranquila do que a atual se retomasse o mandato de deputado federal na Câmara.
Blindado por Tarcísio
Secretário é blindado por Tarcísio, na opinião de deputados estaduais. Membros da oposição acham que o comportamento do governador após os episódios mais recentes mostra pouca disposição em demiti-lo. Já aliados de Tarcísio não veem motivos para uma eventual dispensa e destacam o custo político envolvido.
Escolha pessoal de Tarcísio, Derrite compõe ala bolsonarista do secretariado. O grupo conta ainda com o coronel da reserva da PM Marcello Streifinger (Assuntos Penitenciários) e Valéria Bolsonaro (Políticas para a Mulher), casada com primo do ex-presidente. Grupo tem menos poder que as alas técnica e política.
Crise na segurança pode provocar mudança na correlação interna de forças do governo. Para o cientista político e professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Marco Antônio Teixeira, Tarcísio terá dificuldades na tentativa de se equilibrar entre o bolsonarismo, representado na gestão por figuras como Derrite, e o que ele chama de "kassabismo", simbolizado por Gilberto Kassab.
O Tarcísio, em algum momento, vai ter que fazer uma escolha entre o bolsonarismo, que se traduz no Derrite na segurança pública, e o 'kassabismo', que se traduz numa maior capacidade de interlocução política e negociação. Não dá pra equilibrar entre esses dois grandes blocos que, de certa forma, representam o seu governo, porque são blocos que têm métodos diferentes.
Marco Antônio Teixeira, cientista político e professor da FGV
"Derrite foi quem convenceu Tarcísio a disputar o governo de São Paulo", disse aliado. Segundo a liderança, Tarcísio não queria concorrer —apesar de ter sido escolhido para isso por Bolsonaro— até conversar melhor com o hoje secretário. Os dois têm uma relação de confiança.
Nomeação de Derrite representou quebra de tradição. Capitão da reserva, o secretário tem sob seu comando militares que, hierarquicamente, são seus superiores —como coronéis, tenentes-coronéis e majores. Ele e Tarcísio se aproximaram em Brasília, durante a gestão Bolsonaro.
Derrite é um dos principais secretários de Tarcísio. Junto com Natália Rezende (Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística) e Renato Feder (Educação), forma a tríade que representa as linhas mestras da atual gestão. Enquanto Natália e Feder lideram as privatizações, Derrite encarna o perfil "linha-dura" na segurança.
Com a polarização política no país, houve uma adesão a valores de 'linha dura' em nome de uma suposta política de segurança pública dentro e fora dos efetivos policiais. Mas isso nunca se traduziu em resultados de fato
Cristina Neme, coordenador de projetos do Instituto Sou da Paz
Articulador político
Conhecido publicamente pela postura linha-dura à frente da SSP, Derrite é visto como bom articulador político por aliados. "Ele tem a ideologia dele, mas é político. Ele não é que nem esses extremistas do bolsonarismo. Ele dialoga bem dentro do Legislativo, com Judiciário, Ministério Público. É um cara que conversa", diz um dirigente do PP.
Derrite se reuniu no fim de novembro com Hugo Motta (Republicanos-PB) para articular apoio à candidatura dele à presidência da Câmara. O secretário participou de um encontro com Motta e a chamada "bancada da bala" para discutir projetos prioritários do setor, caso eleito. No encontro, Derrite endossou a candidatura do deputado paraibano.
Secretário fez articulação para aprovar projeto de lei que proibiu saidinha temporária de presos. Autor do texto, ele pediu exoneração da SSP em março para retomar o mandato de deputado federal em Brasília e ser relator da proposta, aprovada pela Câmara.
Violência policial
Casos dominaram manchetes. Na quarta (4), um PM agrediu uma idosa e seu filho em Barueri. No domingo (1), um PM jogou um homem de uma ponte. No dia 20, um jovem foi morto por um PM na Vila Mariana. Em 5 de novembro, um menino foi baleado durante operação em Santos. Dois dias antes, um jovem foi morto com 11 tiros por um PM.
São Paulo teve 580 mortes cometidas por agentes de segurança até setembro. O número é o maior desde 2020, quando houve 824 mortes e o uso de câmeras corporais foi adotado pela PM. Em 2024, 552 das 580 mortes contabilizadas pela SSP foram cometidas por policiais militares.
A PM de São Paulo matou uma pessoa a cada dez horas neste ano. Levantamento do UOL com base em dados da Secretaria da Segurança Pública mostra que o número é mais que o dobro do que o de 2022, ano anterior à gestão de Tarcísio.
Tarcísio admitiu "visão equivocada" sobre uso de câmeras corporais por PMs. Em evento na última quinta (5), o governador disse que câmeras são "instrumento de proteção da sociedade e do policial" — indo na contramão de falas anteriores contra o equipamento. "Eu admito, estava errado. Eu me enganei", disse ele.
"Nosso discurso tem peso", disse governador na sexta (6). Em mais uma sinalização, Tarcísio afirmou que suas declarações influenciam na forma como PMs agem nas ruas e podem levar a "direcionamento errado". No meio político, as falas são lidas como tentativa de reduzir o estrago causado pela revelação dos casos.