Após aval de Lula, Juscelino Filho concentra poder sobre R$ 3,1 bi do 5G
O governo Lula (PT) entregou o controle de R$ 3,1 bilhões do leilão do 5G ao Ministério das Comunicações, comandado por Juscelino Filho. Em portaria publicada na última terça (3), o chefe da pasta anulou trechos do edital do 5G e concentrou poderes em si.
Antes, projetos bancados com essa verba para levar internet a escolas públicas precisavam da autorização do conselho diretor da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações). Agora, dependerão somente da aprovação do ministro das Comunicações.
O ministério afirmou ao UOL que essa mudança não diminui a pluralidade nem a governança das decisões. As alterações, registrou a pasta, pretendem "agilizar as políticas públicas de conectividade, especialmente voltadas para as escolas".
"A participação mais ativa do ministério tem como objetivo garantir que as ações sejam prioritárias e estejam alinhadas com as diretrizes do governo federal", apontou.
O leilão criou uma série de compromissos para as operadoras de telefonia vencedoras. Um deles era conectar unidades escolares e, para isso, o edital do 5G montou dois comitês:
o Gape (Grupo de Acompanhamento do Custeio a Projetos de Conectividade de Escolas), liderado pela Anatel e composto por representantes de teles e dos ministérios da Educação e das Comunicações;
e a Eace (Entidade Administradora da Conectividade de Escolas), órgão autônomo e não governamental, que executa serviços autorizados pelo Gape.
Decreto de Lula publicado na segunda (2) estabeleceu diretrizes gerais que permitiram às Comunicações o controle da verba. O presidente ordenou que a pasta definisse, por exemplo, "as atribuições e a estrutura de governança" relacionadas à aplicação dos recursos do 5G.
A portaria assinada pelo ministro detalhou então a nova organização do Gape. Até o início deste mês, a presidência e a secretaria-executiva — os dois cargos mais altos do comitê — estavam com a Anatel. Agora, passaram às Comunicações.
O que muda
Com as alterações feitas por Juscelino Filho, o Gape terá dois representantes das Comunicações em vez de um. O Ministério da Educação, a Anatel e as operadoras indicarão um integrante cada um.
Caso não haja consenso nas deliberações do grupo, a decisão caberá ao presidente, agora indicado pelo ministro. Também caberá a ele "dirimir eventuais conflitos nos procedimentos relativos às atividades da Eace". "Das decisões tomadas no Gape caberá recurso ao ministro das Comunicações", decidiu o próprio chefe da pasta.
O Gape encaminhará para aprovação do ministro das Comunicações os projetos definidos para atendimento dos compromissos, apontando suas características, critérios técnicos, cronograma de metas e estudos de precificação.
Portaria assinada por Juscelino Filho
Juscelino Filho passa agora a controlar os dois comitês — ele emplacou o presidente da Eace em janeiro.
O Palácio do Planalto e a Anatel foram procurados, mas não se manifestaram sobre as mudanças.
O ministro foi indiciado em junho pela Polícia Federal por suspeita de corrupção, organização criminosa, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e fraude em licitação em obras executadas pela Prefeitura de Vitorino Freire (MA), onde a irmã é prefeita. Na ocasião, ele negou as acusações e afirmou que se tratava de uma "ação política" da PF.
Pelo regimento interno anterior — que deverá ser alterado —, cabia ao presidente do Gape aprovar a pauta, convocar reuniões, decidir quando não houvesse consenso e encaminhar recursos apresentados contra decisões do grupo ao conselho diretor da Anatel.
No primeiro semestre, o então presidente do Gape cassou o direito de voto das operadoras em casos em que ele próprio entendesse haver conflito de interesse.
O secretário-executivo do Gape — que substituía o presidente em caso de ausência — redigia atas dos encontros e exercia outras atribuições que lhe fossem conferidas. Os outros integrantes do grupo participavam das reuniões, analisavam projetos e votavam.
Lentidão em projetos do Gape e da Eace
Os R$ 3,1 bilhões do 5G são fundamentais para o governo tentar implantar ou melhorar a internet de todas as 138 mil escolas públicas do país até 2026, quando termina o terceiro mandato de Lula. A conexão é uma das prioridades da gestão petista, que lançou a Enec (Estratégia Nacional de Escolas Conectadas) em setembro do ano passado. O recurso do leilão é uma das fontes da Enec.
Aportado pelas operadoras, o recurso do 5G está em caixa e seu uso independe de previsão orçamentária. Desde a criação do Gape e da Eace, em 2021 e 2022, respectivamente, um número pequeno de projetos foi concluído.
O Aprender Conectado - programa que pretende conectar escolas com a verba do 5G - levou internet, computadores e treinamento para professores a 177 escolas em um projeto-piloto. A iniciativa ganhou um prêmio internacional, mas foi desmontada pelo governo Lula.
Para os projetos seguintes, a gestão petista decidiu cortar os equipamentos e usar o recurso para conectar um número maior de escolas por dois anos. O projeto-piloto tinha duração de três anos e conectaria menos unidades.
Dos R$ 3,1 bilhões, o conselho diretor da Anatel havia aprovado, até o início de outubro, o uso de R$ 2,4 bilhões (77%). Segundo a Eace, em novembro, o programa havia levado internet de fibra até a porta de mil escolas, sem construir ainda a rede interna.
Em meio aos trabalhos do Gape, o então presidente Vicente Aquino se envolveu com campanhas eleitorais no Ceará, onde apoiou a mulher e a cunhada, neste ano. Segundo a Anatel, o conselheiro participou de eventos "na condição de cidadão".
O Ministério das Comunicações afirmou ao UOL que o Gape "continua operante, com representantes de todas as áreas envolvidas, assegurando a diversidade de opiniões e a governança adequada".
"A portaria está em consonância com a Lei nº 14.600, que confere ao Ministério das Comunicações a responsabilidade pelas políticas públicas na área de conectividade e inclusão digital", afirmou.
"O Decreto nº 12.282 não altera nenhuma atribuição regulatória da Anatel, nem modifica compromissos assumidos."