Ela fatura R$ 120 mil com roupas para evangélicas: 'Nos sentíamos brega'
Quezia Querem Marsola, 39, é evangélica, frequentadora da Congregação Cristã do Brasil, e passou toda a infância e a adolescência sofrendo com as roupas que a religião lhe permitia usar.
A necessidade a faz criar uma marca que hoje faz sucesso entre as religiosas e executivas.
"Cresci em uma cidade pequena, São Francisco (MG), onde a cultura da religião era muito forte. Meninas sempre se vestiam como adultas. Bastava fazer 10 anos e ter uma saia jeans que servisse que ela, acompanhada de uma camiseta, se tornava uniforme", diz Marsola.
Teve uma época em que a gente só tinha o casaqueto de lã, a camisete e a saia jeans como opções. Nos sentíamos brega, perdíamos oportunidades de emprego porque não tinha sofisticação na vestimenta.
Quezia Marsola
Marsola nunca gostou das opções de looks e, na adolescência, começou a pedir à tia e à mãe, que sabiam costurar, pequenas alterações nas peças.
"Quando ganhávamos algo, minha tia desmanchava. Eu não podia mostrar o braço, mas a manga podia ter um detalhe. Tem de tampar a perna, mas a saia pode ter um franzido", diz.
A empreendedora amava moda, mas não achava que conseguiria quebrar a cultura desses looks. "Nunca achei que moda era algo para nós, evangélicas. Viam 'crente' como algo pejorativo."
A vida empreendedora
Marsola usou a venda de roupas, com o incentivo do marido, para passar por um momento difícil de sua vida. "Era uma época de dor, em que eu estava doente. Então investimos R$ 3.500 em roupas e fui revender entre as pessoas que conhecia", conta.
A ideia foi um sucesso e, em pouco tempo, ela já não tinha mais nenhuma peça em mãos.
Só tinha um problema: como aceitava vendas fiado, não havia dinheiro em caixa para continuar a empresa. "Meu marido sugeriu que eu vendesse um dos carros que tínhamos na época para ter mais dinheiro para investir."
Com mais dinheiro da mão, mais uma vez Marsola investiu na compra de peças para a revenda. E fez sucesso.
Ela apostava em vestidos com corte discreto, mangas que cobrem os braços, saias mais longas e silhuetas que não marcam o corpo. Esse tipo de vestimenta, mais discreto, vem dos costumes da religião.
"Não posso ficar com os meus braços à mostra, com os joelhos à mostra, mostrar minha barriga, usar uma roupa muito justa... Minha vestimenta tem de ser modesta", explica Marsola.
Muitas igrejas têm por uso e costume, principalmente as igrejas mais tradicionais. Seguimos essas regras porque estão dentro dos usos e costumes que praticamos.
Quezia Marsola
Em 2020, ela tinha 89 clientes fixas, mas não conseguia escalar o negócio por vender fiado. "Parei com essa opção para fazer a empresa crescer." Ela também investiu em parceria com influenciadoras.
"Como percebíamos que existia interesse em compra, fizemos uma pesquisa de mercado para entender o que o público buscava. Por isso, passamos a investir em tamanhos plus size —que são os primeiros que esgotam", conta. A loja vai do tamanho 36 ao 54.
A venda de porta em porta não estava mais funcionando para Quezia. As clientes pediam loja, locais para provar as roupas. Além de comprar peças, ela encontrou um espaço no shopping e transformou metade de seu estoque em fabricação própria.
A loja, que se chama "Querem Vestidos" e fica em Santo André (SP), ainda está se desenvolvendo. "Completamos dois anos de funcionamento em novembro. Além de mulheres evangélicas, atendemos muitas executivas que não pertencem à religião. É bem legal de ver."
'Estamos reinvestindo'
Quezia fatura cerca de R$ 70 mil na loja física e R$ 50 mil no e-commerce por mês. Mas esses R$ 120 mil não vão para o seu bolso, não. "Estamos reinvestindo tudo. Tiro o menor valor possível de pró-labore e o resto vai tudo de volta para a loja", diz. Não é o lucro da "Querem Vestidos" que mantém a família, e sim, o trabalho do marido de Quezia.
"Costureira de qualidade é caro. Ter loja em shopping é caro. Meu plano é que todas as nossas peças sejam de fabricação própria. Quando sobra R$ 30, reinvisto em tecidos. Se a loja fosse a única fonte de renda da minha família seria inviável", diz.
Mesmo com as dificuldades, Quezia tem orgulho do que conquistou. "Sinto que mudo a vida das pessoas. Às vezes, vem uma mulher plus size comprar e ela fica tão feliz de encontrar peças bonitas que servem que acaba levando mais do que uma."
A empreendedora diz que o movimento de incrementar as vestimentas para atender ao público evangélico não é exclusivo de sua loja: há outras do tipo, em uma tendência de diversificar a chamada "moda modesta".
Trouxemos influências, cores e tendências, adequamos o que víamos nas passarelas para que pudéssemos usar, sem ofender o que acreditávamos. E foi libertador. Nos tirou amarras e mudou a maneira como somos vistos na sociedade. Éramos tachados de feios, hoje somos modestos.
Quezia Marsola